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Consumo como "linguagem" comunicacional

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Capítulo 2 – O consumo na contemporaneidade

2.4 Consumo como "linguagem" comunicacional

Parece evidente que a proposição mais antiga do consumo, tão antiga como os próprios seres vivos, relaciona-se à manutenção da vida biológica, que está de co- mum acordo entre homens e quaisquer outros animais. Todos precisam se alimentar, descansar, se proteger e se reproduzir. Contudo, o homem desenvolveu, há muito tempo, autonomia para escolher entre inúmeras formas de suprir suas necessidades, abrindo espaços para os desejos e pela busca tenaz pelos prazeres advindos dos bens, o que remete ao sentimento de felicidade, mesmo que seja por pouco tempo.

Embora esteja claro que, na maioria das vezes, o consumo, mais do que suprir ne- cessidades, sustenta-se por comportamentos hedonistas, isto é, pela busca por pra- zer ou até para ser feliz, há ainda outro motivo que instiga as pessoas a consumirem e que tenha relação direta com os níveis mais elevados da pirâmide de Maslow (1943). Não se pode esquecer de que os homens são seres sociais e, como reforçam Dou- glas e Isherwood (2013, p. 108), não podem existir senão fixados na sociedade e na cultura de sua época e lugar. Logo, se a realidade é socialmente construída e somen- te fazem parte aqueles que são reconhecidos pelos outros como membros, há uma estreita relação entre amor, companheirismo, status, estima ou autorrealização com a ideia de se alcançar a felicidade. Em outras palavras, ser feliz não é apenas ter di- nheiro o suficiente para desejar, adquirir ou consumir o máximo possível de produtos; é preciso demonstrar isso às outras pessoas, a fim de legitimar uma posição social.

1. Obviamente, ninguém espera, afinal, que um simples objeto possa verdadeiramente mudar a vida e ser a chave para a felicidade eterna. Como completa Lipovetsky (2007, p. 164), o indivíduo tem a noção de que a aquisição de um bem pode gerar conforto e há nele um tempo limitado de prazer. Contudo, não é menos verdade que, mesmo assim, ele prossegue em sua busca incessante pela felicidade.

Tal desejo de fazer parte ou até se destacar, vale ressaltar, não é um aspecto mani- festado apenas em décadas recentes. Veblen (1983, p. 5-6), ao estudar as sociedades de séculos anteriores, demonstra haver uma nítida divisão entre uma classe alta, des- tituída de funções industriais (que ele chama por “classe ociosa”) e uma classe inferior ocupada das tarefas relativas ao trabalho: nesse grupo, residiam escravos, trabalhado- res e mulheres, exceto algumas casadas com membros da alta classe. A expressão de superioridade da classe ociosa, em que se incluíam os nobres, sacerdotes e parte dos seus agregados, repousava no fato de que eles não exerciam qualquer cargo operacio- nal, tendo na guerra e no sacerdócio suas funções principais e honoríficas:

Aparentemente, as condições necessárias para que surja tal classe [ociosa], numa forma definida, são: (1) a comunidade deve ter um modo de vida predató- rio – a guerra ou a caça de grandes animais ou as duas, isto é, os homens, que nesses casos constituem a classe ociosa em potencial, devem estar habitua- dos a infligir dano físico pela força ou por estratagema; (2) a subsistência deve ser possível de modo suficientemente fácil para que uma parte considerável da comunidade fique livre da rotina regular do trabalho (VEBLEN, 1983, p. 9-10).

À medida que a guerra era aceita como uma manifestação autêntica da sociedade, a valorização do indivíduo permanecia atrelada à força física e à capacidade de matar. Isso não era diferente de povos primitivos, cujos homens tinham por função caçar e lutar. A competição era, enfim, o caminho condizente com o reconhecimento social:

Os sinais tangíveis da proeza, os troféus, entram para o mundo mental do ho- mem como traço essencial da vida. Os despojos, os troféus de guerra e de caça, passam a ter também valor como prova de força excepcional. A agressão se torna a forma mais prestigiosa da ação e os despojos servem de prova os- tensiva da agressão vitoriosa. Nesse estágio cultural, a competição é a forma aceita e digna de autoafirmação, e a competição vitoriosa se prova pela posse de artigos úteis ou a disposição de serviços obtidos mediante rapina ou coerção. De outro lado, como contraste, a obtenção de bens por outros meios é conside- rada como indigna do homem na sua plena capacidade (VEBLEN, 1983, p. 11).

As argumentações de Veblen (1983) deixam claro que o acúmulo de bens tangíveis (como a cabeça de um animal caçado ou as recompensas obtidas na guerra) já eram considerados sinais de diferenciação desde as sociedades antigas, pois tratava-se, como complementa Lipovetsky (2007, p. 48), de uma prova capaz de comparar-se vantajosamente ao outro, isto é, de ser reconhecido pela massa. Veblen (1983, p. 15) destaca então que a forma mais primitiva de propriedade foi a das mulheres por parte dos homens, como se fossem troféus a expressar uma posição de nobreza. Tempos depois, os escravos se juntaram às mulheres como provas de superioridade.

Mais tarde, o crescimento da indústria fez com que o acúmulo de mulheres e es- cravos gradualmente dessem lugar à apropriação de produtos como indicadores de ri-

queza, fazendo consequentemente do processo econômico uma luta constante entre nobres pela posse de bens. Veblen (1983, p. 16) insiste, assim, que a obsessão pela propriedade estava pouco relacionada à sobrevivência humana e muito mais à emu- lação, isto é, à possibilidade de uma pessoa se elevar socialmente e ser reconhecida como superior perante os outros membros de sua classe:

...a propriedade se torna agora a prova mais evidente de um grau honorífico de sucesso como coisa distinta da realização heroica ou notável. A proprieda- de se torna portanto a base convencional da estima social. Nenhuma posição honrosa na comunidade é possível sem ela. Torna-se indispensável adquirir e acumular propriedade a fim de conservar o próprio bom nome. Logo que a posse de muitos bens se torna assim a marca de eficiência pessoal, a posse da riqueza assume a seguir o caráter de uma base independente e definitiva da estima de outros. Os bens materiais, sejam eles adquiridos agressivamen- te por esforço próprio, sejam eles adquiridos passivamente por herança de ou- tros, tornam-se a base convencional da honrabilidade (VEBLEN, 1983, p. 18).

A posse de mulheres e escravos nas sociedades primitivas apresentava, assim, a mesma função da posse de bens nas sociedades atuais: ou seja, ambos servem de prova aceita de riqueza. Para Blackwell, Miniard e Engel (2009, p. 250-252), se os consumidores desejam adquirir cada vez mais produtos, as posses acabam por ser uma necessidade tão urgente como a alimentação, afinal, “você é o que você tem”.

Evidentemente, o valor da mulher tem se alterado ao longo dos séculos, fruto de sua luta diária por um lugar de direito nas sociedades. Já a escravidão, embora ainda possa existir, não é mais considerada uma atividade legal. Contudo, o consumo de bens, ao contrário das variações observáveis em mulheres e escravos, ainda resguar- da seu caráter de emulação e tende a ocupar, nas sociedades contemporâneas, o papel privilegiado que pertencia ao ócio nas sociedades de séculos anteriores:

Mercê do simples teste de eficácia publicitária, devíamos esperar que o ócio e o consumo conspícuo de bens dividissem no início o campo de emulação quase igualmente entre si. [...]. No começo, o ócio ocupou o primeiro lugar, e veio a manter uma posição muito acima do consumo supérfluo de bens, seja como expoente direto da riqueza e elemento constituinte do padrão de de- cência durante a cultura quase pacífica. Desse ponto em diante, o consumo ganhou terreno, até que, presentemente, mantêm uma primazia indubitável, embora ainda esteja longe de absorver toda a margem da produção acima de um nível de subsistência (VEBLEN, 1983, p. 44-45).

Isso não quer dizer que o ócio tenha desaparecido das sociedades capitalistas atuais. Ao contrário, o desejo de ser rico e não trabalhar ainda é o sonho de felicidade de muitas pessoas. Mas, como salienta Veblen (1983, p. 22-48), não bastaria apenas ao homem viver no ócio e ter posses se ele não encontrar uma maneira concreta, visí- vel ou tangível de destacar sua nobreza. É aí que se encontra o princípio do consumo

conspícuo, que corresponde ao consumo, tendo como motivação o desejo de mostrar aos outros um status ou uma posição de sucesso. A apropriação de bens torna-se, assim, a coleção de troféus da era contemporânea. Como complementa Baudrillard (2007, p. 23), hoje os bens não são apenas produtos fabricados em sua forma racio- nal, mas principalmente símbolos capazes de representar o poder apreendido:

...perante as necessidades e o princípio de satisfação, todos os homens são iguais, porque todos eles são iguais diante do valor de uso dos objectos

e dos bens (se bem que sejam desiguais e se encontrem divididos em rela-

ção ao valor de troca). Porque a necessidade se cataloga pelo valor de uso, obtém-se uma relação de utilidade objetiva ou de finalidade natural, em cuja presença deixa de haver desigualdade social ou histórica. Ao nível do bife (valor de uso), não existe proletário nem privilegiado (BAUDRILLARD, 2007, p. 50-51, grifos meus).

Vale fazer uma ressalva acerca da agregação de status ou significação por par- te dos objetos, pois nem sempre eles tiveram essa importância para os indivíduos, de maneira individualista, quanto hoje possuem. Mais especificamente, McCracken (2003, p. 32-33) nota que antes do século XVIII, isto é, antes da Revolução Industrial, já era possível identificar, como argumentou Veblen (1983, p. 48), a apropriação de

status por parte dos bens consumidos; no entanto, a diferença é que naquela época

não se buscava um bem para emulação própria, mas sim, para atribuir poder ou honra à família e às gerações futuras. Ou seja, as pessoas procuravam por bens que pu- dessem aumentar as reivindicações de status ao longo de várias gerações familiares. Não é de admirar que um dos mais conspícuos dentre os acessórios para a casa era o retrato familiar, além de todo o restante de móveis e outros objetos que funcionavam como provas tangíveis de uma linhagem nobre. Em outras palavras:

Uma geração comprava bens que representariam e aumentariam a honra das precedentes mesmo se tais bens, por outro lado, funcionassem também como fundadores das bases para os esforços de busca pela honra da gera- ção seguinte. As compras eram feitas pelos vivos, mas a unidade de consu- mo incluía os mortos e ainda os não nascidos (MCCRACKEN, 2003, p. 32).

A honra era a mais preciosa posse de uma família, sendo a base de seu status e sua posição social (quanto mais honra, mais uma família poderia subir na hierarquia social, sendo o contrário também verdadeiro). Para se ter uma ideia, nos séculos an- teriores à Revolução Industrial, estimava-se ser preciso cerca de cinco gerações para uma família adquirir honra e posição suficientes para ser considerada plenamente nobre: logo, era pela aquisição de objetos e conservação deles que se poderia com- provar o acúmulo de status, reivindicando, assim, uma posição de alta nobreza.

Se é assim, claro que uma família poderia tentar fraudar o tempo de cinco gera- ções subitamente adquirindo uma enorme quantidade de objetos que lhe equipararia rapidamente a outras famílias nobres. Mas isso, entretanto, não era tão simples, pois como explica McCracken (2003, p. 54), os objetos novos não tinham tanto valor, já que neles faltava uma prova visível de que realmente estavam em posse da família por muito tempo. Neles faltavam as marcas do tempo, chamadas pelo autor por "pátina":

A pátina é, em primeiro lugar, uma propriedade física da cultura material. Con- siste em pequenos signos de idade que se acumulam na superfície dos ob- jetos. Mobília, prataria, cutelaria, construções, retratos, joias, roupas e outros objetos de manufatura humana sofrem um gradual afastamento de sua condi- ção intacta original. Conforme entram em contato com os elementos e com ou- tros objetos do mundo, sua superfície original adquire, ela própria, uma outra superfície. Conforme vão sendo continuamente mordidos, lascados, oxidados e usados, esses objetos começam a adquirir "pátina". [...] A pátina funciona como uma espécie de prova visual do status (MCCRACKEN, 2003, p. 54).

Em outras palavras, pratos ou mobílias inteiramente novas não eram suficientes para reivindicar um status de alta nobreza, já que esses objetos revelariam apenas o fato de que uma família começava a ascender socialmente. A pátina, isto é, as marcas do tempo sobre os objetos, era o que endossava e demonstrava a longevidade da li- nhagem da família, até que o acúmulo de bens por gerações a elevassem à condição de alta nobreza: "a pátina fazia com que aqueles que gozavam de riqueza, mas que ainda não estavam qualificados para uma posição elevada, pudessem ser identifica- dos como tal" (MCCRACKEN, 2003, p. 62). Mais do que isso, a pátina agia como uma amostra, uma salvaguarda, que barrava os aspirantes a posições sociais elevadas.

Logo, as décadas antes da Revolução Industrial já incumbiam aos objetos a capa- cidade de agregar status; no entanto, o que se buscava com a posse e conservação deles não era uma emulação pessoal, mas sim a possibilidade de conferir honra à família, tanto para as gerações passadas, quanto para as presentes e as futuras.

Tal pensamento, entretanto, se modificou completamente com a Revolução Indus- trial, no século XVIII: a produção em massa inundou o mercado com milhares de no- vas variedades e de produtos parecidos. A moda passou a mudar rapidamente, assim como as tendências e os novos recursos. Desde então, acumular objetos por cinco gerações já não parecia adequado diante de tantas inovações que constantemente emergiam. A pátina, por consequência, já não parecia significar muita coisa:

Subitamente os indivíduos de elevada posição social podiam encontrar mais

status em objetos novos do que nos antigos. Pior que isso, a nova preocupa- ção com a moda nas residências, no mobiliário, na cutelaria, na prataria e na cerâmica significava que os indivíduos de elevada posição estavam passan- do dos objetos que tinham pátina para aqueles que não tinham. [...]. Quando a última moda era a coqueluche, qualquer um com o bom gosto e os recursos

de status. Isto significou que a riqueza de primeira geração tornava-se agora indistinguível da nobreza de cinco gerações (MCCRACKEN, 2003, p. 63).

Ou seja, a revolução desencadeada no século XVIII permitiu aos indivíduos con- verterem imediatamente renda em status, mediante a aquisição de novos objetos. Os que tinham potencial de compra não mais precisariam esperar cinco gerações para reivindicarem uma posição social elevada: o consumo por status, portanto, definitiva- mente deslocou-se de uma perspectiva familiar para uma perspectiva individualista.

Tal pensamento parece não ter mudado muito nos séculos posteriores até os dias atuais. Em outras palavras, a essência da sociedade contemporânea não parece se estabelecer exatamente pela divisão entre pessoas de diferentes áreas geográficas, gêneros, etnias, idades ou graus de escolarização, mas literalmente entre a divisão de consumidores e o poder de compra de cada um. Posto dessa forma, quem con- some mais tem mais valor e quem não pode consumir, retornando aos argumentos de Bauman (2008, p. 156) e Lipovetsky (2007, p. 191), nem é considerado parte da sociedade. O consumo possibilita definir, portanto, como as classes são instituídas:

...o consumo é instituição de classe: não só na desigualdade perante os ob- jectos, no sentido econômico (a compra, a escolha, a prática são reguladas pelo poder de compra, enquanto o grau de instrução é função da ascendên- cia de classe, etc.) – em suma, nem todos possuem os mesmos objectos, da mesma maneira que nem todos têm idênticas possibilidades escolares – mas, de modo ainda mais profundo, há discriminação radical no sentido de que só alguns ascendem à lógica autônoma e racional dos elementos do ambiente (uso funcional, organização estética, realização cultural), indivíduos esses que, para falar com propriedade, não se ocupam de, nem consomem objectos – vo- tando-se os outros a uma economia mágica e à valorização dos objectos como tais e de tudo o resto enquanto objectos (ideias, lazeres, saber e cultura): esta lógica feiticista constitui a ideologia do consumo (BAUDRILLARD, 2007, p. 64).

Muitos objetos podem agregar valores simbólicos a seus proprietários, ou, como di- zem Lipovetsky (2007, 40) e McCracken (2003, p. 62-64), transformam-se em signos tangíveis de sucesso, provas de ascensão e integração social ou vetores de conside- ração honorífica. Logo, o consumo, como prossegue Canclini (2015, p. 59), serve para pensar, já que ao adquirir certos produtos ou contratar certos serviços, um indivíduo pode usufruir de status e ser até mesmo capaz de pertencer, pelo menos momenta- neamente, a uma elite ou a um grupo específico de pessoas (LINDSTROM, 2012b, p. 199). Posto dessa forma, tanto Baudrillard (2007, p. 66) quanto Lipovetsky (2007, p. 192) afirmam que os objetos adquiridos (como roupas, acessórios, veículos, músicas, produtos de lazer) podem se tonar signos capazes de relacionar ou distinguir indiví- duos, sendo esses elementos capazes de construir a identidade do ser.

Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objectos deixam de estar ligados a uma função ou necessidade definida, precisamente porque correspondem a outra coisa, quer ela seja a lógica social quer a lógica do desejo, às quais servem de campo móvel e inconsciente de significação (BAUDRILLARD, 2007, p. 89).

Douglas e Isherwood (2013, p. 106) complementam que “a função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido”, enquanto Sheth, Mittal e Newman (2001, p. 330) exemplificam que o tipo de região que as pessoas escolhem morar, os carros que escolhem dirigir, as escolas para as quais mandam os filhos ou os lugares para onde viajam são, em parte, determinados pelo modo como os outros consideradas importantes e julgam essas escolhas. Não é de admirar que Maffesoli (2014, p. 17) exprima que “o indivíduo só existe na relação com o outro”, concordando com Lipo- vetsky (2007, p. 50-51) quando ele diz que o propósito de consumir não é tanto o de querer estar acima de outros, mas sim de não ser menos do que os outros, isto é, de se igualar, de sair da impessoalidade ou de demonstrar participação a um grupo.

Para Veblen (1983, p. 38), os homens, aliás, recorrem a amigos e rivais, dando-lhes presentes valiosos ou convidando-os para festas e divertimentos dispendiosos justa- mente porque, à medida que acumulam riquezas, precisam demonstrar sua opulência:

O rival, com o qual quer o dono da festa instituir uma comparação de opulên- cia, é usado desse modo como um meio para aquele fim; convidado pelo dono da casa, o rival consome vicariamente por seu anfitrião, servindo, ao mesmo tempo, de testemunha do consumo dos bens valiosos que o anfitrião tem em excesso e não pode consumir sozinho, e presenciando todo seu refinamento social (VEBLEN, 1983, p. 38).

O esbanjamento, ao contrário de ser considerado uma prática irracional, nesse caso deixa de ter aspecto negativo e passa a ser positivamente aceito para demons- trar a fartura do anfitrião. Para Bauman (2008, p. 53), “a economia consumista tem de se basear no excesso e no desperdício." É por isso que Baudrillard (2007, p. 39-46) declara que a sociedade do consumo também é a “sociedade do caixote de lixo”:

A sociedade de consumo precisa dos seus objetos para existir e sente sobre- tudo necessidade de os destruir. O uso dos objectos conduz apenas ao seu

desgaste lento. O valor criado reveste-se de maior intensidade no desperdí-

cio violento. [...] No consumo, existe a tendência profunda para se ultrapas-

sar, para se transfigurar na destruição (BAUDRILLARD, 2007, p. 46).

Ora, seja no consumo desenfreado, no desperdício ou esbanjamento, Veblen (1983, p. 49) garante que o motivo, no final das contas, é sempre a competição, ou

seja, permanecer à frente dos demais, ter mais que o outro, ser o primeiro. Douglas e Isherwood (2013, p. 133) complementam: “evangelhos à parte, tudo o que foi citado até aqui serve para a apoiar a ideia, defendida por sociólogos e economistas, de que a inveja e a competição são básicas para a natureza humana não redimida."

O exemplo citado por Veblen (1983, p. 38), com relação a festas luxuosas em que há comida farta e é frequentado pela elite selecionada, não é tão diferente daqueles que vão a restaurantes caros ou combinam encontros nos bares mais prestigiosos das cidades. Para Douglas e Isherwood (2013, p. 121), as atividades de consumo são sempre sociais, por isso, o consumidor que não marcar presença junto ao seu grupo abre espaço para o esquecimento. Bares luxuosos, festas exuberantes ou carros de última geração consolidam-se, assim, como exemplos de marcação social:

Os bens devem ser vistos como o meio, menos como objetos de desejo do que como fios de um véu que disfarça as relações sociais que cobre. A atenção é dirigida ao fluxo de trocas, e os bens apenas marcam o padrão (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 267).

Baudrillard (2007, p. 62), seguindo o pensamento de Douglas e Isherwood (2013), exprime que os objetos têm, de fato, menos importância do que a marcação social dos espaços. Aliás, com a Internet em crescimento e acessível a milhões de pessoas, o mesmo conceito de eventos ou de objetos de marcação social pode ser estendido

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