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Consumo em busca do prazer e da felicidade

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Capítulo 2 – O consumo na contemporaneidade

2.3 Consumo em busca do prazer e da felicidade

Schweriner (2006, p. 35-37) lembra que as necessidades são sentidas pelo indiví- duo quando um estado fisiológico ou psicológico reclamam sua atenção, sejam por fatores internos (como a falta de nutrientes que ocasionam a fome) ou por fatores ex- ternos (como uma mudança de moradia que faz o indivíduo precisar se sociabilizar). De qualquer forma, uma mesma necessidade pode ser suprida de várias maneiras diferentes: é assim que surgem, então, os desejos e as preferências pessoais.

Como exemplo, ao perceber uma mudança de clima para uma temperatura mais fria, naturalmente o indivíduo sente a necessidade de se esquentar. Para isso, ele tem uma infinidade de opções, seja acender uma lareira, se proteger com um cobertor ou até adquirir diferentes tipos de roupas. Da mesma forma, se uma causa como a fome reclama a atenção, o indivíduo pode desejar saciá-la comendo uma maçã, uma coste- la no Outback Steakhouse ou um Big Mac no McDonald’s. Os desejos, portanto, são moldados por preferências pessoais e podem, inclusive, variar entre culturas:

Quando um consumidor norte-americano precisa se alimentar, pode querer um típico sanduíche de cheesesteak da Filadélfia acompanhado de um chá gelado. Já um habitante do Afeganistão que precise se alimentar pode querer arroz, cordeiro e cenouras. Os desejos são moldados pela sociedade a qual pertencemos (KOTLER; KELLER, 2012, p. 8).

É importante distinguir necessidades de desejos porque, ao contrário das neces- sidades, os desejos são bastante influenciados por produtos que constantemente

1. Alguns vícios, como por exemplo o cigarro, são claros exemplos de consumo que não servem para suprir qualquer necessidade inerente à sobrevivência humana, mas que se tornam tão necessários quanto aquelas, a ponto de o indivíduo sofrer só de pensar em parar de fumar. Esses desejos, que se tornam necessidades para muitas pessoas, são apelidados por Schweriner (2006, p. 37) de “necejos”.

tentam seduzir os indivíduos. Ou seja, enquanto uma necessidade surge a partir de causas internas e externas e nem sempre é efetivamente expressada (já que pode ser latente), os desejos referem-se a uma demonstração consciente. Em outras palavras, pode-se dizer que os desejos são as manifestações das necessidades, direcionadas a objetos específicos. No entanto, embora necessidades e desejos sejam conceitos diferentes, em muitas ocasiões a distinção entre ambos não é tão evidente:

Ocorre que é extremamente difícil estabelecer fronteiras nítidas entre as ne- cessidades e os desejos em uma sociedade de abundância. Nutrientes ob- viamente são necessidades: proteínas, carboidratos, sais minerais e vitami- nas sob a forma de alimentos como vegetais, legumes, carnes, frutas, arroz, feijão, pão e macarrão. Já macarrão com queijo ralado é desejo ou perma- nece uma necessidade? E milho cozido? Um bife? Uma torta de chocolate? (SCHWERINER, 2006, p. 88).

Seja como for, Schweriner (2006, p. 36) insiste que, enquanto as necessidades são relativamente uniformes e em número limitado, os desejos, ao contrário, são extrema- mente variáveis e quase ilimitados, em uma quantidade que cresce vertiginosamente a partir de novos produtos, marcas ou variações, sendo que jamais as pessoas tive- ram tantas opções à sua disposição como hoje possuem.1 Na verdade, como concor-

dam Lipovetsky (2007, p. 38) e Galindo e Malta (2014, p. 27), tamanha quantidade de ofertas revelam um cenário pós-moderno que é incapaz de eliminar os apetites do consumo, deixando de pensar apenas na saciação de carências para se transformar muito mais em um comportamento hedonista, isto é, que procura por imenso prazer.

É por essa razão, aliás, que as histórias e o valor emocional que os bens materiais agregam, acabam por ser mais sedutores do que o valor do produto em si e é justa- mente por essa razão que o ser humano tanto estima o valor imaterial dos produtos, pois este valor é capaz de preencher aquele vazio, ou melhor, aquela sensação de infelicidade que muitas vezes paira sobre o indivíduo:

...estamos contextualizados em uma sociedade pós-moderna fluida e de con- sumo, que, envolta a múltiplas identidades, interpela seus membros basica- mente como consumidores. Não estamos tratando aqui do consumo como forma de suprir necessidades, mas sim de realizar desejos. É preciso res- saltar que estamos em uma era de excesso de bens materiais, um momento social em que a humanidade é pouco persuadida ou fascinada pelo valor funcional dos produtos (GALINDO; MALTA, 2014, p. 26).

Campbell (2001, p. 89), à procura de uma teoria que seja capaz de explicar o moti- vo pelo qual os desejos por bens ou serviços são intermináveis, sugere que é preciso,

1. É por essa tamanha quantidade de ofertas que Galindo e Malta (2014, p. 25) argumentam sobre cer- tas possibilidades impossíveis em outros tempos, tais como a faculdade de selecionar e descartar, que na pós-modernidade garante liberdade e faz do consumidor um ser mais ativo, exigente e participativo.

primeiramente, fazer uma distinção entre utilidade e prazer, ou seja, separar de um lado as carências e saciações, e do outro os desejos e prazeres:

Um estado de carência é um estado de privação, em que falta alguma coisa necessária à manutenção de uma dada condição de existência, e a compreen- são do fato leva a atividades exploratórias no ambiente, com o fim de procurar tudo quanto seja capaz de remediar essa falta (CAMPBELL, 2001, p. 90).

Schweriner (2006, p. 27-52) estrutura semelhante raciocínio a partir do que chama por "equação motivacional": resumidamente, tal equação equivale a um número de etapas progressivas, iniciadas ao alertar o indivíduo sobre uma necessidade e que pode, posteriormente, se transformar em um desejo. Por exemplo, a sensação de es- tômago vazio é uma causa que deflagra a fome e se torna um motivo para consumo; a fome, por sua vez, provoca uma pulsão que deve ser removida pela alimentação.

O desejo e o prazer estão entre as variáveis dessa "equação emocional", afinal, são manifestações que se seguem após a sinalização de uma necessidade. Todavia, estipular como meta a saciação é algo diferente de se ter o prazer como meta:

....a procura de satisfação e a procura de prazer são espécies de atividades basicamente muito distintas, a primeira sugerindo um processo de ser “impe- lido” a partir de dentro a agir com o fim de restaurar um equilíbrio perturbado, enquanto a segunda implica um outro, de ser “puxado” de fora com o fim de experimentar um estímulo maior. [...]. Procurar satisfação é, assim, envol- ver-se com objetos reais, com o fim de descobrir o grau e a espécie de sua utilidade, enquanto procurar prazer é expor-se a certos estímulos, na espe- rança de que estes detonarão uma resposta desejada dentro de si mesmo (CAMPBELL, 2001, p. 90-91).

Os objetos possuem a capacidade de remediar carências, como o alimento que supre a fome, a roupa que aquece ou a pessoa que oferece afeto. No entanto, a dife- rença entre utilidade e prazer está no modo como os bens são percebidos. Campbell (2001, p. 92) demonstra essa diferença exemplificando que, enquanto uma pessoa com fome pode estar interessada na utilidade do alimento e de remediar um estado de privação, outra pessoa pode estar mais interessada, principalmente (mas não ex- clusivamente), nos prazeres com essa atividade em relação ao paladar e ao olfato.

O prazer, por sua vez, produz uma sensação de excitação no indivíduo e o con- sumo deixa de ser uma mera atividade de saciação,1 o que explica, de acordo com

Lipovetsky (2007, p. 38), a tendência de o consumidor sempre querer consumir mais, procurando frequentemente por novos gostos, experiências, enfim, novos prazeres.

1. Nem sempre é preciso consumir para sentir prazer: o aroma de um alimento sendo preparado pode ser uma experiência muito prazerosa caso o indivíduo sinta-se atraído por tal alimento. A publicidade, como demonstra Lindstrom (2012a), reconhece a importância dos estímulos sensoriais e usa isso a seu favor, tanto para atrair consumidores quanto para estabelecer com eles uma associação aos produtos.

Para Lipovetsky (2007, p. 39), é a busca pelo prazer, muito mais do que saciar necessidades, que se configura como a principal motivação para o consumo nas so- ciedades contemporâneas. Desde meados do século XX, diz o autor (2007, p. 40- 42), parece bastante evidente a importância que os indivíduos colocam em conceitos como o conforto, experiências lúdicas e um modo de vida mais fácil. Na maioria das vezes, espera-se que os bens gerem satisfação emocional ou corporal, sensorial ou estética; espera-se, afinal, que permitam ao indivíduo ser mais independente, sentir sensações incríveis, viver belas experiências, melhorar a qualidade de vida e até con- servar a juventude e a saúde. Não é à toa, prossegue Lipovetsky (2007, p. 68), que as despesas com lazer, viagens, jogos e fantasias ocupem tal lugar no orçamento das famílias, pois "o que é visado através do ato de compra é, antes de tudo, o prazer da novidade, o arrebatamento de uma aparência de aventura." E ainda complementa:

Essa é a sociedade de consumo, cuja alardeada ambição é liberar o princípio do gozo, desprender o homem de todo um passado de carência, de inibição e de ascetismo. Não mais injunções disciplinares e rigoristas, mas a tentação dos desejos materiais, a celebração dos lazeres e do consumo, o sortilégio perpétuo das felicidades privadas (LIPOVETSKY, 2007, p. 102).

Lindstrom (2009, p. 62), por meio de um estudo neurocientífico, verifica que, quando uma compra é realizada, o cérebro é inundado por uma substância química chamada dopamina, capaz de gerar a sensação de recompensa, prazer e bem-estar; ao decidir comprar algo, o afluxo de dopamina alimenta o instinto de continuar comprando, mes- mo que o pensamento racional alerte que já chega. Logo, não é surpresa o fato de Lipovetsky (2007, p. 60) argumentar que quanto mais o indivíduo parece frustrado ou isolado, mais ele busca consolo no prazer imediato proporcionado pelas mercadorias. "Sofro, logo compro", complementa o autor, afinal, se o ser humano quer sentir menos dor e mais prazer, então o consumo passa a ser uma excelente opção para isso.

Observando o comportamento dos seres vivos ao longo dos milênios, po- demos depreender que a vida é norteada por dois movimentos primordiais: por um lado, evitar o sofrimento e, pelo outro, buscar a gratificação, ambos quantificados por sentimentos e sensações (SCHWERINER, 2006, p. 53).

Vale ressaltar que dor e prazer não são conceitos opostos. A dor, explica Campbell (2001, p. 94-95), é uma sensação que adverte o animal (incluindo, obviamente, o ser humano) de uma carência existente ou iminente. O alívio dessa carência acaba por ser uma experiência muito agradável, razão pela qual a fuga da dor e a busca pelo prazer são normalmente confundidos. Em outras palavras, o prazer não se baseia em suprir uma carência urgente (embora dele possa se originar), de evitar ou cessar

uma dor, como se esses fossem extremos. Ao contrário, a busca pelo prazer pode se originar da vontade de ter uma sensação prazerosa, sem qualquer sensação de dor.

Esse pensamento ajuda a compreender por que, após uma deliciosa refeição, a sobremesa acaba, às vezes, por ser muito prazerosa ou até mais do que o alimento antes ingerido; nesse momento, pode já não haver mais fome e nada mais a ser su- prido com relação a carências, exceto a gula. É, enfim, puro prazer!

Para prosseguir no exemplo da alimentação, um interesse pelo prazer di- rigirá a atenção para os primeiros bocados e para provar diferentes grupos de iguarias a fim de experimentar novos estímulos, enquanto um interesse

pela satisfação dirigirá a atenção para a quantidade comida e para o ponto

em que todas as “carências” do corpo estejam completamente contentadas (CAMPBELL, 2001, p. 96, grifos meus).

Mas o prazer e a satisfação, embora sejam conceitos diferentes, podem mutua- mente se complementar, o que significa que não há exatamente uma linha divisória entre ambos. Por exemplo, o prazer de se alimentar pode saciar a fome, bem como a saciação da fome pode gerar prazer. Na verdade, ao estudar mais detalhadamente o prazer, verifica-se que ele não é obtido apenas pelo consumo ou por estímulos sen- soriais, tais como tato, paladar, visão, etc. A fantasia e o devaneio também são fontes de prazer, já que correspondem à capacidade de projetar imagens em um mundo de sonhos. Como explica Campbell (2001, p. 122), fantasias referem-se ao exercício da imaginação em direções não limitadas pela realidade ou por leis naturais (por exem- plo, fantasiar a capacidade de voar); já os devaneios são uma elaboração imaginativa em uma direção agradável, de um evento real que pode vir a acontecer, dentro das leis e limitações possíveis (por exemplo, um devaneio do que aconteceria se o salário aumentasse). Como complementam Schiffman e Kanuk (2012, p. 70), as pessoas muitas vezes se envolvem em devaneios quando estão frustradas ou querem alcan- çar objetivos: nesses pensamentos, se imaginam em situações de plena realização.

Assim, na procura por prazer ou para escapar da frustração, o devaneio pode inter- vir como um intermediário entre a formulação do desejo e sua consumação. É justa- mente nesse momento que desejos e sonhos se fundem (CAMPBELL, 2001, p. 125). O que Campbell (2001) chama por devaneio, McCracken (2003, p. 142) chama por "significado deslocado". Ambos os conceitos referem-se ao fato de que, ao desejar um bem específico (algo geralmente além do poder de compra, mas que se quer muito), o indivíduo passa a projetar e antecipar certos ideais e circunstâncias benéficas em sua vida com tal aquisição. Ele imagina (ou devaneia) as vantagens que pode conseguir, tanto em termos funcionais (como ajudar em seu dia a dia) quanto simbólicos (como agregar status e ter prazer) ao obter tal posse. Logo, desloca o significado do bem para o futuro, esperando, com esse objeto um dia em sua posse, obter o que imagina:

...neste caso, os bens ajudam o indivíduo a contemplar a posse de uma con- dição emocional, uma circunstância social ou mesmo todo um estilo de vida, de algum modo concretizando eles próprios essas coisas. Tornam-se uma ponte para o significado deslocado e uma versão idealizada da vida como deveria ser vivida. Quando são imaginados, esses objetos permitem ao indi- víduo enumerar um conjunto muito maior de posses, atitudes, circunstâncias e oportunidades (MCCRACKEN, 2003, p. 142).

Talvez os argumentos de Campbell (2001) e McCracken (2003) possam ser melho- res compreendidos por um exemplo prático, como o desejo de se obter um carro novo: entre a gênese desse desejo e a conquista do veículo, pode haver meses de espera e poupança de dinheiro, o que abre espaço para o devaneio sobre todos os benefícios que tal aquisição poderá gerar, tais como mais economia de combustível, maior con- forto e potência, além de um possível aumento de status e de reconhecimento social. Essa situação imaginária de expectativas é quase um “sonho acordado”, efetivamente um prazer antecipado que se estende até a concretização da compra do bem.

No devaneio, entretanto, pouco se imagina que o prazer em dirigir o novo veículo em algum tempo se esgotará, nem que esse novo modelo logo se tornará obsoleto a ponto de não gerar tanto status. Afinal, o futuro, diz McCracken (2003, p. 138), parece como uma locação versátil em que a felicidade supostamente reside, os sonhos se

tornam realidade e não há quaisquer limites exceto pela imaginação que o contempla. No entanto, se antes de sua aquisição o respectivo objeto servia como uma ponte para conectar o indivíduo aos seus anseios, é justamente ao conquistá-lo que seu significado, antes deslocado no futuro, passa a ser posto à prova empírica. Aquele carro, do qual se esperava tanto, deixa de ser um devaneio e passa a fazer parte do "aqui e agora": nessa medida, como diz McCracken (2003, p. 145), o objeto torna-se

vulnerável a contradições, representando um perigo aos ideais uma vez imaginados. Para Campbell (2001, p. 131-132), é assim que os produtos obtidos deixam de ser especiais após algum tempo, tornando-se, como qualquer outro bem, parte do cotidia-

no. O indivíduo, então, precisa de uma outra ponte para lhe dar uma nova esperança de conquistar os ideais que tanto deseja. De acordo com McCracken (2003, p. 144), há, nesse momento, uma transferência de significado para outro bem, que passa a ser o próximo devaneio, em um ciclo de insaciabilidade que raramente se fecha.

Pois é na natureza das imagens que construímos puramente por prazer que elas estão livres de todos os defeitos e imperfeições (elas são as fotos “difu- sas” da vida). Infelizmente, a vida real é diferente e, em consequência, há de ser verdade que enquanto “as melodias ouvidas são doces, as não ouvi-

das são mais doces” [isto é, parece que aquilo que não se tem é sempre

Não se pode, afinal, culpar inteiramente o consumidor por desvalorizar ou des- cartar seus produtos após algum tempo de uso ou por desejar sempre renovar suas esperanças em outros bens: o próprio mercado tem uma parcela de influência nesse aspecto. Afinal, Douglas e Isherwood (2013, p. 153) destacam que é interessante para os negócios que os aparelhos de TV sejam substituídos por novos, no convencimento de que estão obsoletos, ou de que agora é preciso ter dois tipos de aparelhos ou tal- vez um para cada membro da família. Como complementa Baudrillard (2007), a ordem de produção não sobreviveria sem o extermínio dos objetos, por isso eles já são cons- truídos calculando-se um tempo estimado de vida, que parece ser cada vez mais cur- to: tal aspecto é conhecido no mundo dos negócios como obsolescência programada.

A aceleração da obsolescência dos produtos está presente em todos os se- tores. Um enorme número de produtos tem uma duração de vida que não excede a dois anos; estima-se que a dos produtos high-tech foi diminuída pela metade desde 1990; 70% dos produtos vendidos em grande escala não vivem mais de dois ou três anos (LIPOVETSKY, 2007, p. 89).

Mas a natureza real de um produto é, fatidicamente, de poucas consequências se comparada com o que é possível acreditar a respeito dele ou de seu potencial como material de sonho. A ilusão de uso (devaneio) acaba por ser melhor do que a realida- de, e a promessa acaba se mostrando mais interessante do que as condições reais:

A inexauribilidade das necessidades que caracterizam o comportamento dos consumidores deve ser compreendida como proveniente de seus hábitos sem- pre desejosos, algo que provém, por sua vez, do inevitável hiato entre os per- feitos prazeres do sonho e as imperfeitas alegrias da realidade. [...] não ser um consumidor moderno significa ou deixar de devanear, ou restringir a atividade imaginativa de uma pessoa a fantasias irreais (CAMPBELL, 2001, p. 139).

Ou seja, o devaneio atinge seu limiar na aquisição e no consumo de qualquer bem, que por sua vez gera prazer, mas, após algum tempo, se esvazia. Aparentemente, aquele desejo inicial, tão estimado em ser saciado a partir do consumo do bem, não faz mais sentido. Como um vício, chega à frustração e um novo anseio se acha pronto a reclamar um novo desejo, naturalmente abrindo espaço para novos devaneios e a busca por se obter mais e mais prazer. É nesse momento que o mercado acena com incontáveis estímulos, em um universo recheado de inúmeras ofertas à disposição.

Segundo especialistas, o vício em compras tende a seguir o mesmo padrão dos outros tipos de dependência. Tudo começa com a ansiedade por consumir ou comprar alguma coisa. Em seguida, a pessoa compra ou consome algo efetivamente, “iniciando com frequência descrita como prazerosa e arrebata- dora, além de sinônimo de alívio de sentimentos negativos”, de acordo com

Urbana-Champaign (EUA) e publicado no Journal of Consumer Research. Po- rém, o alívio não dura, a euforia desaparece, e o consumidor entra em crise – ou seja, tal como ocorre com o alcoólatra após a bebedeira, a culpa e o remorso se instalam, até que o ciclo recomece (LINDSTROM, 2012b, p. 80).

Baudrillard (2007, p. 14-18) observa que nas ruas mais animadas da cidade de Londres, a paisagem forma-se por uma infinidade de armazéns, que se apertam uns contra os outros e vendem de tudo, independentemente de onde esses bens materiais são produzidos. Dos xales de índios a revólveres americanos, de porcelanas chinesas a espartilhos de Paris, de vestidos de pele da Rússia a especiarias dos trópicos, todos esses objetos constituem a fauna e a flora predominante da sociedade. O consumo, invadido em toda a vida, então faz com todas as atividades se encadeiem de modo combinatório, tendo um canal muito bem traçado, organizado e culturalizado.

As observação de Baudrillard (2007) acerca da cidade de Londres na década de 1960 não são, afinal, diferentes de milhares de outras cidades capitalistas do planeta, seja na mesma época ou na década atual. Como insistem Nordstrom e Ridderstrale (2001, p. 30), hoje existem muitas poucas commodities, tecnologias, produtos, servi- ços, insights, áreas de conhecimento ou procedimentos em um lugar que não estejam disponíveis em outro. Há mercados para praticamente tudo, de commodities e capital, de órgãos humanos, de todo o tipo concebível de sexo, de qualquer componente in- dustrial ou de qualquer tipo de serviço que se possa imaginar, os quais são frequente- mente renovados ou trocados indefinidamente, em uma rotina de inovações ou novos

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