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Marca e economia

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Capítulo 2 – O consumo na contemporaneidade

3.2 As dimensões da marca nas sociedades contemporâneas

3.2.1 Marca e economia

Após a descrição das tendências quanto ao consumo na pós-modernidade, vale a pena se aprofundar nas duas outras dimensões que configuram a lógica das marcas contemporâneas, a começar pela economia. Semprini (2010, p. 78) escreve que a re- lação entre marca e economia é menos evidente do que a relação com o consumo e a comunicação; afinal, a marca não é tida como um evento na perspectiva da teoria eco- nômica e nem mesmo é tão abordada em textos de base dessa área; os economistas discutem com propriedade indicadores macroeconômicos; no entanto, parecem pouco evocar as marcas, “como se elas não desempenhassem nenhum papel no andamento econômico." Contudo, em comparação a séculos anteriores, em que muitos gêneros de consumo básicos ainda eram feitos em casa (como alimentos), ou fornecidos por artesãos (como móveis e louças) ou comprados a granel em armazéns, poucos pro- dutos hoje escapam ao uso de uma marca, tanto na indústria como no varejo. Logo, a relação entre marcas e a economia torna-se relevante, afinal, sejam por motivos comerciais, mercadológicos ou para melhorar a imagem junto à opinião pública, cada vez mais as empresas precisam apresentar a seus membros e parceiros indicadores de crescimento que corroboram a tendência de uma marca sólida e valorizada.

Para Braig e Tybout (2006, p. 91), as empresas bem sucedidas compreendem que marcas são ativos e que, portanto, podem influenciar a economia e, a longo prazo, valer muito mais do que produtos. Para se ter uma ideia, em termos financeiros, atual- mente a marca mais valiosa do mundo, de acordo com o ranking da Forbes (THE WORLD’S..., 2018) é a Apple, com valor estimado de US$ 182.8 bilhões. Em segundo lugar, está o Google (US$ 132.1 bilhões), seguido pela Microsoft (US$ 104.9 bilhões), pelo Facebook (US$ 94.8 bilhões), pela Amazon (US$ 70.9 bilhões), pela Coca-Cola (US$ 57.3 bilhões), pela Samsung (US$ 47.6 bilhões), pela Disney (US$ 47.5 bilhões), pela Toyota (US$ 44.7 bilhões) e pela At&T, em décimo lugar (US$ 41.9 bilhões). O Marlboro, que era a marca mais valiosa do mundo em 1995, hoje ocupa a 22ª posição, sendo avaliado no segundo semestre de 2018 em US$ 26.6 bilhões.1

Tanto Martins (2007, p. 11) como Perez (2016, p. 6) concordam que as marcas são o principal patrimônio que uma empresa pode criar ou desejar. Elas valem muito e não é de admirar que a Philip Morris tenha pago U$$ 12.6 bilhões pela aquisição da Kraft Foods ainda em 1988, um valor seis vezes maior do que a empresa valia no pa- pel. Aaker (2015, p. 9) argumenta que quando as marcas são consideradas ativos, a função da gestão muda radicalmente para uma visão estratégica e visionária, além de se tornar mais ampla para abranger questões como insights de mercado, incentivo a grandes inovações, estratégias de crescimento, de portfólio de marcas e de globaliza- ção. Na maioria das empresas, prossegue Aaker (2015, p. 19-20), os três ativos mais importantes são as pessoas, a tecnologia da informação e as marcas: todos são intan- gíveis, não aparecem no balanço patrimonial, mas agregam muito valor à empresa.

O valor estimado de uma marca pode ser uma demonstração importante so- bre a sabedoria e viabilidade de criar ativos de marcas. [...]. O valor será determinado pela bolsa de valores, inovações dos concorrentes, estratégias de negócios, desempenho de produto e dinâmica do mercado, sendo que este último fator tem pouca relação com o poder de marca e se baseia em di- versas estimativas de parâmetros subjetivos, envolvendo incertezas e vieses (AAKER, 2015, p. 18).

As ações do Google, Apple, Microsoft, At&T, Facebook, Philip Morris, McDonald’s e de muitas outras marcas são negociadas, compradas e vendidas em bolsas de valores, sendo que uma queda brusca nas ações de algumas delas pode abalar a economia e a concorrência, como foi o caso já descrito anteriormente do Marlboro na década de 1990, que repercutiu em quedas para muitas outras marcas.

Um fato interessante a se analisar em relação às marcas, no cenário econômico, é que o crescimento delas não precisa seguir especificamente uma progressão linear. Franck e Cook (1995) demonstram muito bem essa tendência por meio de uma lógica

1. Valores coletados em agosto de 2018. O ranking completo das 100 marcas mais valiosas do mundo, de acordo com a Forbes, pode ser acessado em https://www.forbes.com/powerful-brands/list/.

que batizaram de “Winner Take All” (WTA), que em tradução livre pode ser chamado de “Vencedor leva tudo”. Esses economistas esclarecem que, em um mercado tra- dicional, a remuneração total de um trabalhador depende diretamente de quanto ele produz, o que significa que quem produz mais acaba ganhando mais. Levando-se a mesma lógica para a construção de marcas, pode-se supor que quanto mais uma marca produz, mais lucratividade ela pode ter. No entanto, tal conceito é bem diferente em mercados que seguem a lógica WTA (como no esporte e no espetáculo), nos quais a remuneração depende principalmente da posição ou do status da marca.

Como exemplo, no mesmo time de futebol, dois jogadores podem ter salários muito diferentes, mesmo que o primeiro tenha produtividade menor do que o segundo (os indivíduos também são marcas); nos grandes filmes de Hollywood, alguns poucos atores principais ganham valores astronômicos, enquanto as remunerações são re- duzidas pela metade e até pela terça parte para os outros, independente de quantas horas esses atores pouco conhecidos trabalham a mais ou a menos. O interessante é que tal fenômeno hoje já pode ser encontrado em várias outras indústrias, além do esporte e do espetáculo, como nas profissões liberais e até no Ensino Superior.

Outro fato verificado por Franck e Cook (1995, p. 45-60) é que, uma vez no alto, a distância entre o restante da concorrência tende a ser cada vez maior, pois o sucesso alimenta o sucesso. Por exemplo, quanto mais um advogado é reconhecido em seu meio de trabalho, mais ele pode cobrar por seus serviços, pois maior é sua credibilida- de e seu distanciamento perante outros concorrentes menos conhecidos. Um novo fil- me pode não ter uma história previamente conhecida pelo público, mas ainda chamar a atenção e ser visto por muitas pessoas pelo simples fato de ele ser estrelado por Tom Cruise ou Johnny Depp. Isso se deve não pelo motivo desses respectivos pro- fissionais serem bons ou ruins, mas porque o público considera seus talentos como superiores. O reconhecimento do público faz a diferença e os distancia de outros atores. Em outro exemplo, Douglas e Isherwood (2013, p. 192) acrescentam que o melhor dos pianistas, na opinião do público, tem renda mais elevada por duas razões: primeiro, porque as pessoas pagam mais para vê-lo tocar, e depois, porque seus es- petáculos geralmente acontecem em salas maiores. Quem tem mais seguidores pode atrair ainda mais pessoas e cobrar a mais por seus serviços; essas são as vantagens de se alcançar o nível de ser um “ganhador” nas sociedades contemporâneas.

Portanto, seguindo essa lógica, marcas que estão no topo tendem a se distanciar cada vez mais dos concorrentes, tanto em popularidade como em aspectos econômi- cos. É por isso que marcas líderes como Apple, Google ou Coca-Cola podem apro- veitar da liderança e expandir com mais facilidade seus mercados para outras catego- rias, além das que originalmente são reconhecidas. Semprini complementa:

Para chegar ao topo do grupo e, sobretudo, aí ficar, uma marca deve consumir seus recursos, cada vez mais custosos, muito mais que uma posição dominan- te, que depende apenas de um desempenho superior relativo. Ela deve recru- tar os melhores administradores, investir sem cessar em pesquisa e desenvol- vimento, lançar ofertas permanentemente, abrir novos mercados, multiplicar as manifestações comunicacionais, dar prova de uma criatividade sempre renova- da. [...] a maioria das marcas, que eram líderes de seus respectivos mercados há mais de quarenta anos, ainda o são agora (SEMPRINI, 2008, p. 93).

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