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Marca e comunicação

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Capítulo 2 – O consumo na contemporaneidade

3.2 As dimensões da marca nas sociedades contemporâneas

3.2.2 Marca e comunicação

Seja para encontrar um lugar em meio à concorrência ou para chegar ao topo e desfrutar dos benefícios de ser um “ganhador que leva tudo”, a comunicação é essen- cial no desenvolvimento e sustentação das marcas, não exatamente apenas na disse- minação de produtos, mas sobretudo para construir o discurso da marca, seu sentido, sua reputação e seus valores frente aos consumidores (ou seja, sua imagem). Afinal, como exemplifica Perez (2016, p. 122), como saber que uma bola com um quadrado dentro e outra bola menor representam a Rede Globo e tudo o que ela representa? Como saber que uma maçã mordida refere-se à Apple e ao conjunto complexo de significados junto aos clientes que ela construiu ao longo de sua história?

Para uma marca, seria muito difícil sobreviver em meio à concorrência e também construir sua notoriedade ou suas significações sem um bom planejamento comuni- cacional (SANTOS, 2015, p. 40). Por esse caráter fundamental, a comunicação cor- responde, como completa Semprini (2010, p. 56), à terceira dimensão que sustenta a lógica das marcas contemporâneas. Aaker, ao encontro desses autores, escreve:

Hoje, a comunicação é responsável por muito mais do que a geração de ven- das; ela precisa construir ativos de marcas, guiadas por uma visão de marca clara, em parte pelo fortalecimento de associações de marca e relacionamento com clientes. Não é fácil. A tarefa fica ainda mais difícil quando a marca se es- palha por diversos produtos e países, dificultando as decisões de alocamento orçamentária (AAKER, 2015, p. 13).

Os resgates históricos apresentados no início deste capítulo demonstram que si- nais de publicidade podem ser encontrados desde o século XVIII, nos Estados Uni- dos, na Inglaterra e na Alemanha, tendo grande expressividade na mídia impressa, por meio de cartazes e anúncios redigidos. Já no século XX, é de se notar que várias invenções, como o rádio, a televisão e mais recentemente a Internet fizeram a publi- cidade crescer em escala exponencial e em nível mundial. Como destaca Quessada (2003, p. 12), se as marcas desejaram, ao longo do tempo, conquistar cada vez mais território, a publicidade acabou se tornando uma ferramenta essencial, pois:

Os anúncios, os cartazes, os filmes publicitários indicam diretamente o lugar de onde sai hoje aquilo que faz as vezes da realidade: as empresas e os produtos ou os serviços; assim como apontam para aquilo que os consome, a outra ver- tente da potência de agir, aquilo sem o qual esta não poderia se desdobrar: os consumidores e o mercado todo-poderoso (QUESSADA, 2003, p. 63).

Embora hoje exista uma enorme quantidade de mídias à disposição, é preciso levar em conta que a saturação de mensagens faz dessas mídias um ambiente altamente competitivo. Logo, Lindstrom (2012a, p. 4) e Calkins (2006, p. 7) concordam ser um verdadeiro desafio encontrar uma maneira de abrir espaço e chamar a atenção do consumidor em meio a tantos anúncios; o uso da propaganda convencional torna-se, assim, menos eficiente devido aos altos níveis de fragmentação de mídias e a quanti- dade de mensagens veiculadas em todos os dias e horários. Diz Semprini:

Em um mercado cada vez mais saturado e diversificado, afora raras exce- ções, uma marca não teria nenhuma chance de se impor sozinha, sem o su- porte de uma estratégia de comunicação. Sufocada, afogada em uma oferta excessiva e continuamente renovada, ela não conseguiria se fazer conhecer, construir sua notoriedade. Mas, sobretudo, uma marca sem comunicação não veicularia nenhuma especificidade, não saberia qualificar sua presen- ça e justificar sua originalidade, tanto sobre o plano dos produtos propostos quanto por seu projeto de marca mais geral (SEMPRINI, 2010, p. 72).

Quessada (2003, p. 77) e Lipovetsky (2007, p. 175) também concordam que é justamente pela saturação das mídias que atividades “extramídia”, como relações pú- blicas, mecenato, publicidade no ponto de venda, pesquisa, produção e marketing ganharam tanto território ao longo das décadas e hoje continuam a ter cada vez mais influência nos orçamentos comunicacionais. Galindo e Gonçalves (2015, p. 2-3), ao perceberem o papel cada vez mais ativo e de colaboração dos consumidores em atividades que envolvam as marcas (sendo eles, portanto, agentes nos processos), propõem que as narrativas comunicacionais devem ser construídas no sentido de en- volver os indivíduos, a partir de elementos que vão além do consumo material, sendo que quanto mais o consumidor se sentir parte da narrativa, mais oportunidades há de ele ser impactado pelas mensagens da marca. Como exemplo, tais autores citam a campanha realizada pela marca Natura para o lançamento da linha Natural Plant, que não apenas se apoiou na mídia tradicional para ganhar visibilidade, mas elogiou e envolveu as mulheres que potencialmente utilizariam o produto. Nesse caso, a Natura estabelece uma parceria com o site www.ingresso.com; nele, se um homem comprava dois ingressos para assistir a um filme de cinema e declarasse que um deles era para uma mulher (esposa, namorada, mãe, filha), ele era convidado a gravar um vídeo,

usando sua própria webcam, elogiando os cabelos da sua acompanhante, para que tal gravação fosse exibida na sala de cinema escolhida, antes de o filme começar. No dia, no horário da sessão, após a apresentação da publicidade da Natura em que várias mulheres demonstravam satisfação em ter, cada uma delas, um cabelo que as caracterizam e as deixavam felizes (mesmo comercial veiculado em TV), eram exibi- das as mensagens gravadas pelos expectadores em homenagem às mulheres esco- lhidas, demonstrando que cada uma delas deveria ter orgulho de seus cabelos e de sua beleza particular. Foram mensagens de elogios, de reconhecimento e de carinho que emocionaram os expectadores e o envolveram por inteiro. Na prática, foi um claro exemplo de mensagem publicitária que ultrapassou o espaço da mídia convencional e atingiu o público como sendo ele o próprio instrumento da mídia.

A busca por novas formas de informar, convencer e envolver os consumido- res certamente passou a ser a maior preocupação das organizações e em especial das agências de comunicação reconhecidas por sua capacidade de criar, desenvolver, produzir e planejar a entrega de narrativas devidamente codificadas e articuladas para vencer a barreira da atenção, suscitar interes- se e o consumo da mensagem, seja através de uma decodificação direta e pessoal, ou ainda em uma decodificação compartilhada, ou retrabalhada no sentido da posse e da incorporação de novas articulações simbólicas, que se reproduz em meio a uma coletividade. Ou ainda, como a comunicação que se opera entre os consumidores (GALINDO; GONÇALVES, 2015, p. 10).

Semprini (2010, p. 76) faz uma importante observação ao ressaltar que comunica- ção e publicidade não são sinônimos. Enquanto a publicidade precisa ser entendida como uma ferramenta ou técnica de promoção de aspectos ou manifestações da mar- ca, a comunicação é a condição fundadora da essência da marca, capaz de enunciar seu projeto de sentidos, isto é, sua essência, valores e identidade.1 Em outras pala-

vras, a comunicação da marca não é uma modalidade de funcionamento ou técnica de difusão, mas sim um motor semiótico de seleção e organização de um projeto que é proposto e trocado com o público, o que inclui o uso da publicidade e de outros recur- sos comunicacionais, tais como a participação, sempre mais ativa, dos consumidores.

Tal compreensão é de fundamental importância para se desenvolver um ótimo planejamento de “marketing experimental”, cuja proposta, como declaram Galindo e Gonçalves (2015, p. 13), visa a “trabalhar com sensações, afeto e experiências - cog- nitivas e relacionais, considerando que os discursos devem partir das experiências do receptor/cliente”, já que o consumo é “uma experiência holística e complexa que se inicia antes do ato da compra, acompanha a decisão de troca e perdura após a

1. Como exemplo, Calkins (2006, p. 6) lembra que a marca Starbucks optou por não fazer quase ne- nhuma propaganda em seus trinta primeiros anos de mercado; ao contrário, seu projeto foi construído por meio de uma série de experiências notáveis em suas lojas, que fizeram as pessoas desenvolverem associações positivas e preferência por essa marca.

aquisição." É assim que se deve pensar na comunicação da marca em relação aos clientes: como receptores ativos e participantes dos processos. Afinal, “não são as marcas e os consumidores que se comunicam, mas os consumidores entre si, no re- conhecimento recíproco de um mesmo pertencimento, pela consciência de encontrar um objeto comum na trivialidade do consumo” (GALINDO; GONÇALVES, 2015, p. 10). Partindo dessa perspectiva, um ponto importante a ser mencionado é que a comu- nicação da marca não deve se limitar a apenas promover produtos ou ter seu foco no contato com seus consumidores finais. Como avalia Yanaze (2011, p. 418), uma co- municação de marca eficaz deve ser planejada tendo em vista o relacionamento com todos aqueles que fazem parte do ambiente mercadológico, incluindo distribuidores, fornecedores, colaboradores, acionistas, imprensa, governos, comunidades, acade- mias, igrejas, ONGs, organismos internacionais e, obviamente, os próprios clientes.

É comum limitar a comunicação à intencionalidade de se promover o produ- to, de valorizar a marca, de desenvolver e reter clientes, de formar imagens positivas, etc., ou seja, a abordagem, na maioria dos livros, restringe-se à comunicação a serviço dos outputs. No entanto, entendemos que nada disso é plenamente eficaz se não trabalharmos adequadamente a comunicação no âmbito dos inputs e throughputs (YANAZE, 2011, p. 418).

Em outras palavras, a comunicação de marca deve levar em conta tanto sua ins- tância mercadológica, como também as instâncias institucional e administrativa, envolvendo cada um dos parceiros nas narrativas comunicacionais,1 da mesma forma

que é feito em relação aos consumidores finais. É assim que se torna possível difundir a marca e assegurar condições mais vantajosas junto a fornecedores e acionistas, ou ainda ter um ótimo relacionamento com parceiros a fim de alcançar uma imagem mais positiva da marca perante os envolvidos direta ou indiretamente no negócio.

Para criar uma marca forte no mercado, funcionários e parceiros precisam conhecer a visão da marca e se importar com sua concretização. Uma marca interna clara e motivante fornece orientação necessárias para criar progra- mas que levarão a marca adiante e evitar programas que confundem ou con- trariam a promessa (AAKER, 2015, p. 124).

1. Vale destacar que a narrativa de uma marca, isto é, a maneira como ela interage com seus públicos, deve encontrar uma padronização para suas diferentes manifestações, buscando sempre se alinhar à maneira como esses respectivos públicos se comunicam e se relacionam. Para citar alguns exemplos, uma marca que tem como público de consumidores finais um grupo de advogados pode requerer uma abordagem diferente de uma marca que tem como público os fãs de uma banda musical. Ou seja, dependendo do público, não restrito apenas a consumidores, mas incluindo funcionários, parceiros ou outros membros do negócio, a comunicação da marca pode ser mais ou menos formal, mais ou me- nos extrovertida, mais ou menos metafórica, etc. Essa adequação dos códigos da linguagem é muito importante para manter a proximidade com tais públicos que, por sua vez, têm mais oportunidades de se identificar emocionalmente com a marca. A padronização da comunicação, o posicionamento e a identidade da marca serão assuntos discutidos mais profundamente no próximo capítulo deste estudo.

Portanto, a disseminação e a sustentação de um projeto de sentidos está direta- mente relacionada a todos os pontos de contato entre a marca, seus membros, parcei- ros e clientes. Afinal, como prossegue Aaker (2015, p. 85), a experiência com a marca é a essência do relacionamento e, por isso, deve ser agradável, exceder expectativas, estar alinhada à sua identidade, até inspirar indivíduos a falarem sobre seus valores:

Uma experiência de marca excelente pode ser um diferencial das proposi- ções de valor. [...]. A experiência de marca é criada por pontos de contato que ocorrem sempre que um indivíduo no mercado interage com a marca. Nem todos os pontos de contato têm o mesmo impacto, os mesmos pontos fracos na execução ou a mesma estrutura de custos (AAKER, 2015, p. 85).

O próximo capítulo deste estudo, ao elencar algumas características que fazem as marcas se vincularem mais profundamente aos clientes, aborda com mais detalhes a importância de investir na cultura corporativa, de planejar uma ótima experiência nos pontos de contato, bem como de integrar a comunicação administrativa, institucional e mercadológica, para que a marca tenha uma identidade clara e posicione-se a partir de uma linguagem única e facilmente reconhecível. Contudo, antes de avaliar esses aspectos, a seguir apresenta-se uma contextualização mais geral sobre a importância das conexões emocionais entre marcas e pessoas.

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