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Sou Antonio Funari Filho, nascido em 20 de novembro de 1941, na cidade de Jaboticabal, estado de São Paulo, filho de Antonio Funari, contador, e Maria do Carmo de Carvalho Neves Funari, dona de um pequeno comércio. Em 1960, fiz o serviço militar, em Ribeirão Preto, e cursei um ano de odontologia Faculdade da UNESP. Só depois descobri que a minha vocação era o direito.

Em 1962, fui eleito presidente da Federação Universitária de Ribeirão Preto, e logo em seguida, em 1963 secretário regional da União Estadual dos Estudantes de São Paulo. Minha militância na AP se tornara tão importante que resolvi trocar a faculdade de odontologia pela de direito, onde a mobilização era maior. Antes mesmo da edição do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963,1participei da formação dos primeiros sindicatos rurais na região de Ribeirão e envolvi-me com projetos de alfabetização de adultos. Preso em 1964, depois de solto, dediquei-me inteiramente à reestruturação do movimento estudantil e sofri mais duas prisões: em 1965 e1966. Já formado, fui preso em 1969 e em 1974.

O que o levou a militar na política estudantil?

Desde o colégio, eu sempre fora ligado às questões políticas. Em família, meu pai e os seus irmãos participaram do movimento constitucionalista de 1932. 2Mais tarde, ele se tornou getulista, e um dos meus tios ingressou no Partido Comunista.3Quando entrei para a faculdade, havia um clima político, de certa forma festivo, mas contagiante. A reforma universitária estava em voga, no contexto das reformas de base defendidas por todos os movimentos sociais. Eu mantinha contatos com o pessoal da JEC 4e da JUC, 5e valorizava a igualdade acima de tudo. A ditadura apenas reforçou a minha disposição, mas passei a lutar também por liberdade.

Os estudantes reivindicavam a manutenção de suas entidades, que pela Lei Suplicy deveria subordinar-se ao Ministério da Educação,6segundo o modelo sindical-corporativo. Desejava-se um ensino abrangente, não apenas técnico, como prescreviam os acordos MEC-USAID.7Para a reorganização da União Nacional de Estudantes, a UNE, dissolvida após o golpe, elegeu-se uma diretoria provisória, que com o apoio do conselho das UEE montou, em 1965, o primeiro Congresso da UNE após o golpe no Centro Academico da Politécnica de São Paulo. Em 1966, desafiando proibição expressa do governo militar, no porão da igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte foi realizado o 28

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Congresso da UNE, o mineiro José Luís Moreira Guedes foi eleito presidente. Por todo o Brasil, reergueram-se os diretórios acadêmicos livres da tutela governamental.



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Esta entrevista foi realizada por Angela de Castro Gomes e Marcelo Timótheo da Costa, na cidade de São Paulo, em 19 de outubro

O senhor, então, retorna à advocacia...

Sim, como consultor jurídico de oposições sindicais, que logo se tornariam diretorias, nos sindicatos dos engenheiros e dos motoristas, e na associação dos professores.15No final dos anos 1970, retomei, também, a militância política, e juntamente com vários ex-exilados, participei de uma articulação que pretendia criar um partido popular, democrático e socialista. Nosso “movimento” elegeu Franco Montoro,16para o Senado, e Fernando Henrique Cardoso como seu suplente.17Mas seduzidos por Ulisses Guimarães,18Montoro e Fernando Henrique bandearam-se para o MDB.19O primeiro tornou-se governador, e o segundo assumiu uma cadeira de senador. Almino Afonso,20vice de Montoro, José Serra, secretário de Planejamento, e Mário Covas, indicado para a presidência do partido,21embarcaram na mesma canoa...

Rachada, a articulação se manteve graças ao apoio dos sindicalistas do ABC22e de intelectuais como Plínio de Arruda Sampaio, Hélio Bicudo e outros. Daí nasceu o Partido dos Trabalhadores.23Candidato a deputado estadual pela legenda do PT, em 1982, obtive 23.800 votos, tornando-me terceiro suplente. A política partidária, porém, não era a minha praia. Convidado a tomar parte na Rede Nacional de Advogados da Comissão Justiça e Paz,24descobri que a minha militância sempre fora pelos direitos humanos. Criada, no Brasil, no mês de outubro de 1969, a CJP estava passando por uma transformação, tendo inclusive aberto duas seções, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, especialmente voltadas à defesa dos perseguidos pelo regime. Foi um período de lutas contra a tortura e os assassinatos de presos políticos, no qual se destacou a figura de dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo da cidade de São Paulo. A onda de violência e arbítrio que varria a América Latina obrigou a Comissão a se articular com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Cáritas25e o Conselho Mundial de Igrejas.26Essas atividades estão na raiz do surgimento progressivo dos mais de 250 Centros de Defesa de Direitos Humanos que existem hoje pelo Brasil afora, a partir de dioceses ou de outras entidades religiosas e da sociedade civil. Com o fim da ditadura, as comissões regionais, criadas a partir de 1978, nos estados de Maranhão, Pernambuco, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, e outras de menor duração, como as de Rio Branco, Manaus e Maceió, ampliaram a sua atuação e começaram a intervir nos conflitos de terra e em casos de expulsão de moradores de áreas urbanas; na defesa das comunidades indígenas e dos “brasiguaios”;27 em prol dos direitos dos trabalhadores de forma geral, especialmente contra o desemprego; e ainda em nome dos presidiários, contra a violência policial.

Em que esfera o senhor atuava?

Nos assuntos que diziam respeito a direitos econômicos e sociais, e que ganharam relevo quando o Collor assumiu a Presidência da República.28Já, então, eu fora alçado à presidência da CJP de São Paulo, e nessa condição participei das primeiras reuniões do Movimento pela Ética na Política,29juntamente com Herbert de Souza, o Betinho; o presidente da Contag,30Francisco Urbano; e o presidente da UNE, Lindberg Farias. Lembro-me desse rapaz ter me perguntado: “Como é que vocês faziam para mobilizar tanta gente?” – “A gente não faz: acontece. E quando acontece, é preciso estar preparado”. De fato, o



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Nesse período, até 1969, o senhor mencionou ter sido preso em três ocasiões.

Quatro. A primeira, em 1964, deveu-se à minha participação no Programa Nacional de Alfabetização, baseado na metodologia de Paulo Freire.8Estava em casa de minha namorada, Regina quando a sua tia ligou, alertando que minha casa fora cercada pela polícia. Meu cunhado, médico, providenciou a minha internação no hospital de Jaboticabal. De lá, fui parar em Andradina, onde viviam parentes. Acabei voltando para Jaboticabal, pois condicionaram a soltura do jornalista Ethevaldo Siqueira a minha

apresentação. Fui preso e ele não foi solto. Ao apreciar o inquérito, o promotor disse que ao contrário da prisão, merecíamos elogios, por nos preocupar em alfabetizar adultos!... O juiz nos liberou.

A segunda prisão, em 1966, foi conseqüência da militância estudantil. Presidente da UEE de São Paulo, eu acabara de passar o cargo para Luiz Travassos, eleito pelo voto direto em plena ditadura A sede da entidade era uma caixa postal, e eu dormia no alojamento dos estudantes de medicina. Tinha uma vida instável... Quando fui solto, retornei à faculdade e terminei o curso de direito, em 1967. Advogado recém formado, trabalhando no escritório de Aldo Lins e Silva, assinei os habeas corpus dos estudantes que haviam sido presos em Ibiúna9 porque do contrário, Evandro Lins e Silva,10ministro do Supremo Tribunal Federal, ficaria impedido de julgá-los. Em 1969, minha prisão se deu na própria Auditoria, logo após a edição do AI-5:11acusaram-me de ter passado um bilhete ao Travassos. Dois dias antes, havíamos obtido habeas corpus para ele e as demais lideranças estudantis: Vladimir Palmeira, José Dirceu e Franklin Martins.12Recebi a notificação no escritório e corri à procura do juiz; fui encontrá-lo à saída do quartel do II Exército. “Sinto muito, senhor advogado, não posso assinar a ordem de soltura desses rapazes”. – “Quem sente muito sou eu, senhor juiz, pois se uma decisão do STF não lhe basta, serei obrigado a mandar prendê-lo”. Imagine a

arrogância!... O sujeito arrastou-me para um canto e sussurrou: “Se eu assinar isso, vou preso!” – “Qual é?!” – “Duvida?... Pois escute a Voz do Brasil, hoje à noite”. De volta ao escritório, ali na Martins Fontes, ouvimos a leitura do documento pelo jornalista e locutor oficial do programa, Alberto Curi.

Enfim, passar bilhete não era crime, nem fora eu o autor do texto. Uma jovem da faculdade de farmácia confessou... Pobre moça: perdeu um ano de estudos. Eu cumpri pena de sete meses e sete dias, no presídio Tiradentes – a maior parte, devido ao meu envolvimento com a UEE. Defendido por Heleno Fragoso, acabei absolvido pelo STM.13Saí com o nome sujo, sem condições de arranjar emprego, mas consegui ser contratado pela Companhia Telefônica... Quando fui tirar o atestado de bons antecedentes, o policial que me atendeu, perguntou: “Isso é para quê?” – “Para arrumar emprego”. –“Vou te dar uma ficha limpinha”. – “Quanto é?” – “Não é nada, não”. Parece fantástico, mas fatos assim aconteciam.

Casado, com filho pequeno, dediquei-me ao trabalho e, em 1973, fui promovido à chefia do setor jurídico de Transações Imobiliárias. Meu superior, coronel do exército reformado, que não sabia de meu passado, julgou que eu merecia ser promovido e encaminhou meu nome à Brasília. Quando as autoridades de Brasília tomaram conhecimento de que um perigoso subversivo ocupava cargo importante na área de comunicação, o DOI-Codi foi me buscar.14Alem de demitido, fui preso pela quinta vez..



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MINISTÉRIO DO TRABALHO: UMA HISTÓRIA VIVIDA E CONTADA

movimento estudantil andava meio apagado. De fato, logo estava a UNE ressurgida e Lindeberg liderando os “caras pintadas”.31

No início, as articulações se davam sem o apoio de nenhum partido político, o que permitiu à sociedade civil organizar-se espontaneamente, e criar um movimento de massas que marcou a história do Brasil. Quando Collor desafiou a opinião pública, pedindo às pessoas que fossem para rua de verde e amarelo, o tiro saiu pela culatra: o povo vestiu-se de negro. Participei da passeata que terminou no vale do

Anhangabaú, e falei ao povo do alto de um carro de som, lado a lado com Lindberg e Renato Rebelo (atual presidente do PC do B), que presidira a UEE da Bahia ao tempo em que eu presidia a de São Paulo. Ao descer, encontrei meu filho, que se aproximara, surpreso, atraído pela minha voz. “Pai, o que você está fazendo aqui?” – “O mesmo que você”.

Passados 30 anos, lá estávamos, derrubando o governo, além do Betinho, Renato e eu, o Walter Barelli, pelo Dieese,32e o Marcelo Lavenère, presidente do Conselho Federal da OAB33– todos antigos militantes de AP!... Afastado o Collor, Barelli foi nomeado para o Ministério do Trabalho, e me chamou para a Delegacia Regional do Trabalho, em São Paulo. “Quero alguém independente da CUT,34da Força

Sindical,35da Fiesp36e da Federação do Comércio”.37– “Me dê dez dias; preciso conversar com o pessoal da CJP”. Em três dias, saiu a minha designação.

Foi como passar para o outro lado da trincheira...

Estávamos em novembro de 1992. No dia da posse, um jornal publicou que a DRT fora entregue a um comunista!... No início, apenas três auditores me deram apoio, dois deles antigos colegas na PUC. Depois das experiências de unificação com as pastas da Previdência e da Administração,38toda a estrutura do Ministério do Trabalho fora reduzida a cacos. Documentos que representavam a memória histórica haviam sido perdidos. As máquinas de escrever eram velhas, e faltava papel: os sindicatos é que forneciam. Foi preciso recomeçar do zero.

Quantas pessoas ainda trabalhavam?

O quadro administrativo era complicadíssimo. Pior: o responsável pelo setor estava em vias de se aposentar e ninguém queria assumir o posto. Collor deixara alguns fiscais em disponibilidade, mas nem tantos; preenchi alguns postos, ao menos, com pessoas egressas da gestão da Luiza Erundina,39e formei uma equipe. Para as quatro subdelegacias da capital, designei, interinamente, gente da minha confiança: os cargos existiam sem jamais terem sido ocupados. Em todo o estado, havia vinte subdelegacias. Permaneci como delegado titular até 2003, e depois, como substituto, durante um período de transição, após a posse do meu sucessor, o Guiba – Heiguiberto Della Bella Guiba Navarro – ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, filiada à CUT.

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Entrevista Antonio Funari Filho

Concluída essa reengenharia, quais as ações que se sucederam?

O planejamento estratégico, elaborado em Brasília, apontou a falta de participação da cidadania como o principal problema do Ministério do Trabalho, e sugeriu o fortalecimento da organização sindical e o estreitamento das relações entre a DRT e representações corporativas. Em conseqüência, tomei a iniciativa de visitar todas as centrais sindicais de trabalhadores e as federações de empresários. O acesso ao meio empresarial foi facilitado pela minha participação nas reuniões do Sesi e do Senai.40

Embora a nossa atividade mais visível seja a de fiscalização, na qual exercemos o poder de autuar, multar, e nas áreas de segurança e saúde, interditar, embargar, também podemos agir no sentido de fomentar as negociações. E foi o que fizemos. Partimos do princípio de que a relação de trabalho tem como

fundamento a dignidade do ser humano. Para isso é necessário que a legislação trabalhista seja cumprida. A jornada, o descanso semanal, as férias dizem respeito à saúde do trabalhador. Assim, privilegiamos as denúncias que chegavam a nós através dos sindicatos, e quando elas se tornavam constantes, a negociação.

Por exemplo: havia um problema aparentemente insolúvel com relação aos empacotadores de

supermercado, em geral menores de idade, sem registro em carteira. Autuar não adiantava nada. Porque o piso salarial da função era equivalente ao das moças que operavam as caixas registradoras, e os meninos, como recebiam gorjetas, acabavam ganhando mais. Reuni as partes – o sindicato dos comerciários e a associação dos supermercados – e propus alterar as tarefas do “empacotador”,

reduzindo o piso e, ao mesmo tempo, a jornada. Além disso, só poderiam ser contratadas as crianças que comprovassem matrícula escolar, que teriam registro e se filiariam ao sindicato. O acordo foi tão bem aceito, e alcançou tamanha repercussão, que a própria dona Ruth Cardoso compareceu à cerimônia de assinatura.41Esposa do presidente Fernando Henrique, ela não gostava de ser chamada de “primeira dama”, e não demonstrou nenhum constrangimento ao ingressar no prédio da DRT, caindo aos pedaços...

A incidência de trabalho infantil era muito freqüente?

Ocorria repetidamente, sim. Não foi à toa que se organizou a Marcha Global contra o Trabalho Infantil.42 Fui procurado por representantes de ONGs internacionais, não como Delegado Regional do Trabalho, mas como presidente da Comissão de Justiça e Paz, pois eles pretendiam iniciar a caminhada na praça da Sé. Seria depois da missa de quarta-feira de Cinzas, numa homenagem ao cardeal dom Paulo Evaristo Arns, que já estava se despedindo da arquidiocese. Percorreriam as estradas do Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, até encontrar-se, na Costa Rica, com os que viriam da América do Norte.

Quer dizer que o senhor exercia uma dupla militância...

Perfeito. Sem um tostão de verba, tive a idéia de contatar as centrais sindicais, o Sesi e o Senai. Avisei o subdelegado de Osasco em que dia a marcha chegaria à cidade, e consegui, com o Sindicato dos Comerciários, transporte para as crianças paulistanas, que levaram uma tocha. Passados três dias, a

O seu sentimento, na época, era de que existia muito trabalho infantil?

Sim. A produção de calçados, em Franca, vinha sofrendo boicote em virtude de denúncias nesse sentido. Uma fábrica de sapatos é quase uma montadora – costura o couro, bota a sola, o salto; o trabalho se desenvolve em pequenas bancas, muitas vezes familiares. Os sindicatos se mobilizaram para provar que as crianças empregadas eram poucas, e os empresários se cotizaram a fim de garantir que todas freqüentassem a escola. Aliás, os dados fornecidos à DRT pelas secretarias de educação, sobre freqüência e ausência de alunos, costumam ser indícios fortes de trabalho infantil.

Isso deu grande visibilidade à DRT...

E nos granjeou respeito, também. A maioria das pessoas surpreendeu-se: a DRT deixou de ser um órgão meramente punitivo. Sem abrir mão do poder que tínhamos, mostramos nossa disposição de sentar e conversar. Aquilo nos deu pique e respaldo, para futuras mediações.

O patronato resistia à mediação?

Há uma diferença muito grande entre o líder sindical patronal e o patrão, mais ou menos comparável a que existe entre o trabalhador e o sindicalista. As lideranças têm mais contatos entre si e costumam ser mais propensas ao diálogo. Eu me aproximava das entidades dos empregadores, sugerindo que elas exigissem de seus filiados que cumprissem a lei, pois os que viviam à margem, inclusive do sindicato, nada mais faziam do que praticar concorrência desleal. Exemplo: comprovou-se que, nas panificadoras, ocorriam muitas mutilações; os empregados perdiam dedos no cilindro da massa, e o equipamento de segurança indispensável não existia à venda. Pois bem, pelo acordo assinado, estabeleceu-se um prazo para que alguma medida alternativa fosse adotada, e o próprio sindicato patronal incumbiu-se da fiscalização, comprometendo-se a interditar todas as máquinas que não tivessem proteção e a denunciar os faltosos. Na mesma época, acordos similares beneficiaram os metalúrgicos e os trabalhadores que operavam serras elétricas. Em muitos casos, apuramos que os itens de segurança que constavam dos equipamentos exportados eram subtraídos dos que se destinavam ao mercado interno. No segmento de transportes coletivos, verificamos que várias garagens não dispunham de poços, obrigando os mecânicos a trabalhar deitados no chão, debaixo dos ônibus suspensos por macacos hidráulicos. Qualquer pane do mecanismo, o sujeito ia parar no hospital!... O custo das obras dificultava a superação imediata do problema. Então, por sugestão nossa, o sindicato dos garagistas implantou um sistema de pontos que premiava os estabelecimentos que se adiantavam, e em um ano o número de acidentes caiu 70%!

Por ocasião de um Grande Prêmio de Fórmula 1 comprovou-se que as condições de trabalho no local eram absurdas. Para evitar a interdição do autódromo, convocamos os promotores do evento e fizemos um acordo, impondo obediência a certas regras. Chegamos, mesmo, a ensinar a eles como deveriam agir... Hoje, há um grupo de auditores especializados, que se incumbe de fiscalizar a montagem e desmontagem de tudo o que for necessário à realização de tais acontecimentos esporádicos.



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meninada seguiu em direção a Sorocaba, onde permaneceu uma semana. O trajeto incluiu Piracicaba, Bauru, Marília, Presidente Prudente, Araçatuba, Barretos, Ribeirão Preto, Araraquara, Campinas... A chegada da tocha às subdelegacias, promovia discussões sobre o trabalho infantil, e o Ministério Público participava. Aos sábados, eu viajava ao encontro da caravana. A repercussão, na imprensa, foi enorme.

Isso durou 107 dias. Acabamos de volta à praça da Sé, onde, após um ato ecumênico, foram lidos informes sobre os resultados alcançados em cada cidade. Em Bauru, por exemplo, havia um senhor aposentado, que arrebanhava as crianças na rua e as colocava para trabalhar, a fim de garantir-lhes sustento, e ele se abismava: “Explorando criança?... Eu?!” Com pessoas assim, estabelecíamos um diálogo respeitoso, exigindo, porém, que os maiores de 14 anos fossem registrados por alguma entidade ou no próprio local de trabalho. Sem dúvida nenhuma, as meninas e os meninos estariam melhor ocupados em alguma atividade do que se envenenando com tóxicos ou assaltando. Mas não devíamos nos contentar com duas situações ruins: carteira assinada era essencial. O menino que trabalha, tira o emprego do pai ou do pai de outra criança, e é candidato, no futuro, ao desemprego, uma vez que não conseguirá concorrer com os que estudaram. Esse raciocínio tornou-se o mote de toda a campanha, entusiasmando os fiscais e permitindo que obtivéssemos um grande avanço. E a um custo zero, para o Ministério do Trabalho. O único gasto foi com a minha locomoção.

Antes desses eventos, a DRT não tinha conhecimento de casos graves de trabalho infantil?

Sim. Soubemos de um menino, empregado na colheita de tomate, na região de Ribeirão Branco, que morrera em virtude da ingestão de agrotóxicos. Tais casos é que nos motivaram a promover aquela campanha pedagógica, ao invés de sair por aí, autuando e multando, muito embora a resistência fosse enorme. Meu pai,