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Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque

Meu nome é Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque. Nasci no Rio de Janeiro, em 17 de setembro de 1948. Meu pai, Paulo Ribeiro, era coronel da Aeronáutica, e minha mãe, Leda Passos Ribeiro, dona de casa, profissão de toda mulher, naquela época. Como filha de militar, morei em Belém do Pará, no Rio Grande do Sul e em Brasília, conforme meu pai era transferido. Minha geração teve o privilégio de freqüentar boas escolas públicas, que propiciavam um ensino de excelente qualidade a uma clientela bastante diversificada socialmente. Isso me enriqueceu muito. Com a morte de papai em um acidente de aviação, minha mãe trouxe os filhos de volta para o Rio de Janeiro, onde fixamos residência. Éramos cinco... Três irmãos, filhos do primeiro casamento de mamãe, e mais dois do seu segundo casamento. Fiz o curso normal no Instituto de Educação, e a faculdade de arquitetura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a única que existia na época.

O que fez você optar pela arquitetura?

A vida toda, eu tive uma visão espacial, e gostava da idéia de unir técnica e humanidade. Comecei em 1967, em uma turma onde tinha colegas como Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi... Conheci Chico Buarque, que estudava arquitetura em São Paulo, mas estava sempre conosco. Foi uma época muito movimentada. No Fundão,1a presença de lideranças estudantis era constante, e, nos anos seguintes, alguns colegas meus morreram, combatendo a ditadura. Eu me casei cedo, em 1969, e fui morar em Brasília. Mas em conseqüência da saída de Oscar Niemeyer,2todos os professores da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília tinham pedido demissão e ela estava fechada. Então vieram os filhos – cinco – e eu me tornei empresária do ramo de confecções. Voltei ao Rio em 1971, mas só depois de separada é que consegui me formar, no Bennett,3em 1984. O ano das Diretas Já!...4

Mas você entra para o Ministério do Trabalho bem depois, em 1996, não é?

Exato. Só comecei a fazer concursos dez anos depois de formada, em 1994. Antes da Constituição de 1988, impunham-se limites de idade a quem se candidatava ao serviço público. Além disso, eu trabalhava numa empresa de porte e ganhava bem. Mas enfim, comecei a estudar, pensando em me tornar auditora fiscal da Receita Federal. Fiz duas tentativas, sem êxito. Quando se abriram vagas no Ministério do Trabalho, inscrevi-me no concurso e passei. Fui nomeada no início de 1996, para a DRT do Rio de Janeiro.



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Esta entrevista foi realizada por Angela de Castro Gomes e Marcelo Thimóteo da Costa, no CPDOC/FGV, Rio de Janeiro em 4 de outubro de 2006.

800, altamente treinados, aptos a movimentar as cargas através de planilhas, de computador. Imagine isso em termos de custo!...

Ou seja, a modernização implicava numa diminuição do número, mas numa formação melhor dos trabalhadores.

Eis a dificuldade! Portuário é uma profissão que passa de geração para geração; os homens dessa categoria utilizam um jargão próprio, são hostis... Hoje em dia, com o ingresso de mulheres em alguns postos de trabalho, essas características têm se amenizado. Em Vitória, no último concurso, 12% dos aprovados eram do sexo feminino. Mas em termos imediatos, o choque maior foi conseqüência da diminuição dos serviços. Houve perda de privilégios também, afetando mais os dirigentes sindicais e seus protegidos. Enfim, as mudanças estavam ocorrendo no mundo inteiro, independentemente da vontade dos trabalhadores brasileiros, o que tornava a posição dos auditores extremamente delicada.

O Ogmo assumiu a administração da mão-de-obra portuária com base numa lista de trabalhadores avulsos dividida entre “registrados” e “cadastrados”. A diferença é enorme. Os primeiros entram em uma escala; os segundos são supletivos e só serão chamados quando não há número suficiente de registrados para completar o “terno”, isto é, a equipe para a tarefa. A movimentação da carga de um porão de navio é um “terno”. Há rodízio nas escalas, a fim de garantir igualdade de oportunidades. Tudo é informatizado. O levantamento de conferentes, estivadores, arrumadores, capatazes, vigias etc, foi feito com

antecedência; os excluídos não têm a menor chance de arranjar trabalho. Em cada porto existe um Ogmo. As exceções são raras; por exemplo, há um Ogmo para Rio de Janeiro, Cabo Frio e o porto do Forno, no Arraial do Cabo. No país, são 21 Ogmos, e 32.000 trabalhadores portuários, contratados para cada serviço, com os mesmos direitos da CLT.

O Ogmo escala as turmas, paga a remuneração devida e providencia o recolhimento dos tributos legais; tudo isso com o dinheiro que os operadores estão obrigados a depositar em 24 horas. No início, não foi nada fácil. Individualmente, não interessava a ninguém especificamente, somente à sociedade como um todo, baixar essa parcela do “custo Brasil”. Ainda hoje, volta e meia, encontra-se um “terno” de 12 com apenas três trabalhando; os demais ficam assistindo, foram beber água ou ao banheiro... Enfim, havia uma necessidade imperiosa de enxugamento, tanto quanto hoje se exige melhor treinamento. O problema é que o contingente de trabalhadores portuários avulsos tem muita idade. São homens mais velhos que não gostam ou não conseguem fazer outra coisa. Depois de aceitarem o incentivo para a demissão voluntária, muitos queriam voltar à estiva. Até homens com mais de 90 anos!...

É uma categoria tradicionalmente muito coesa, com peso político importante, no passado. Até nas festas se mantinha unida, morando, inclusive, concentrada nos mesmos bairros,



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Durante três meses, fiz um curso de formação, monitorada por colegas veteranos, e me interessei particularmente por fiscalização portuária. Dá-se, porém, que o auditor não tem escolha – atua a partir de ordens de serviço, distribuídas conforme a programação da chefia, de denúncias etc. Uma das primeiras tarefas de que me incumbiram, envolvia a fiscalização de cooperativas. Na época, a CLT deixava de reconhecer a existência de relação de emprego nessa área.5A intenção era boa, mas a lei acabou permitindo a criação de cooperativas de trabalho com o único objetivo de escamotear as relações de emprego, não pagando os direitos trabalhistas. Eu e uma colega, designadas para visitar uma série de empresas tomadoras de serviços, nos interessamos pelo assunto, e graças ao apoio da chefia – nosso ex- monitor, José Luiz Linhares – elaboramos um manual de inspeção. José Luiz já se aposentou, mas foi um

expert em fiscalização portuária. Devido a seus esforços, a DRT do Rio de Janeiro criou a Fitmarp,

Fiscalização do Trabalho Marítimo e Portuário, que passei a integrar. A legislação posterior alterou o nome para Ueitpa: Unidade Especial de Inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário.

O Ministério do Trabalho já contara com delegacias de trabalho marítimo.

Trata-se de uma área de atuação muito globalizada, objeto da maioria das Convenções da OIT.6

Atualmente, o Brasil é signatário e já ratificou 92 delas. As Delegacias Regionais Marítimas funcionaram em parceria com o Ministério da Marinha, de 1932 a 1988; chefiadas pelo Capitão dos Portos, quem fiscalizava as relações de trabalho portuárias eram os auditores do Ministério do Trabalho. Uma vez extintas, suas atribuições foram assumidas pelas Delegacias Regionais do Trabalho, até que em 1996, o Ministério do Trabalho admitiu a formação das unidades a que me referi. A estrutura do Ministério do Trabalho tem essa característica peculiar: ela faz brotar, eventualmente, uma parte nova, não por geração espontânea, mas como resultante das carências identificadas pelos auditores no seu dia-a-dia. Para quem se interessa, abrem-se oportunidades, tal qual aquela que me levou a participar da redação do manual de procedimentos na área de cooperativas de trabalho; no setor portuário, deu-se o mesmo.

Na verdade, você vai ocupar um espaço reestruturado...

Na verdade, nós o criamos. Entre 1988 e 1996, a fiscalização portuária não interessou sequer aos trabalhadores, cujas entidades possuíam uma força enorme; nas greves, o pessoal da estiva bloqueava o transporte marítimo do país inteiro. Em 1993, o Congresso aprovou a lei de modernização dos portos, implantada três anos depois,7determinando que as escalas de trabalho passassem para o Ogmo,8uma espécie de central fornecedora de mão-de-obra. Isso alterou completamente as relações de trabalho, pois, o que era, de há muito, responsabilidade do sindicato, tornou-se prerrogativa de um órgão novo. Foi um rompimento radical, mas necessário, e previsto pela própria OIT, que evidentemente se preocupa com os prejuízos que qualquer mudança de métodos pode trazer para a mão-de-obra portuária.9Santos, por exemplo, abriga 13.000 trabalhadores portuários avulsos, ao passo que em Barcelona não há mais do que



então, um programa de fiscalização e acompanhamento de todo o setor, abrangendo as 20 principais empresas de construção naval e firmas terceirizadas. Atualmente, a situação é outra. Ninguém mais trabalha sem carteira assinada e a legislação é rigorosamente obedecida. Ainda descobrimos algum deslize, mas somente entre pequenos empreiteiros, porque, hoje em dia, a própria Petrobrás e as empresas contratantes exigem carteira assinada até mesmo do pessoal terceirizado. Sinto-me orgulhosa em poder dizer que isso foi ganho graças ao nosso trabalho. Tanto que muitos daqueles que antes se escondiam, acabaram nos procurando, satisfeitos, agradecidos.

Ficamos todos satisfeitos ao ouvir o seu depoimento, pois os estaleiros sempre constituíram uma parte histórica, muito importante e característica do estado do Rio de Janeiro...

E eles têm um potencial de mão-de-obra enorme. A bem da verdade, alguns já funcionavam dentro das normas. Por isso, enfrentando a concorrência desigual dos que se mantinham à margem da lei, acabavam desestimulados. Sem dúvida, esse era um fator que desequilibrava injustamente o mercado.

Como você mencionou, a exploração de petróleo na bacia de Campos produziu um impacto muito grande sobre esse mercado...

Fortíssimo! Só para dar uma idéia, desde a década de 1970, quando Macaé se tornou sede da exploração petrolífera da região, mais de 4 mil empresas se instalaram no município, que tem a maior taxa de criação de novos postos de trabalho do interior do estado. Imagine a quantidade de contratações!... Após aquele acidente com a plataforma P-36,10a Petrobras reviu todo seu relacionamento com o pessoal terceirizado. Até então, a fim de não configurar vínculo empregatício, os homens nas terceirizadas trabalhavam por períodos muito curtos e sem nenhum treinamento de segurança. Isso mudou. A empresa estatal mandou vir do norte da Europa técnicos especializados em terceirização, e nós mesmos, da Unidade Especial, proferimos palestras para seus assessores jurídicos, sobre terceirização e segurança e saúde do trabalhador. Resultado: as cooperativas de trabalho, meras contratantes, foram afastadas. A exploração de petróleo em águas profundas fez a produção crescer, a ponto de exigir o afretamento de navios estrangeiros, e cabe a nós garantir que eles obedeçam à legislação brasileira, operando com autorização do Comando da Marinha e do Ministério do Trabalho e Emprego. Por outro lado, o mergulho em profundidade é uma das profissões mais perigosas e de maior desgaste do ser humano. A Petrobras costuma exigir das empresas contratadas respeito a regras de segurança e de saúde muito rigorosas, de sorte que não têm acontecido tantos acidentes graves. Nós fiscalizamos muito, e nossa pressão funciona. Mas o risco é permanente.

A Unidade Especial fiscaliza marítimos estrangeiros?

Com certeza. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar,11ratificada por 148 países, inclusive pelo Brasil, especifica o que compete a cada país, tanto em suas águas, como naquilo que diz

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em várias cidades do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, os portuários ocupam a Saúde e a Gamboa, há séculos!...

É verdade.

Não seria natural a resistência deles?

Sem dúvida e ela foi terrível, sobretudo no início! Sem a firmeza do Linhares, profundo conhecedor da legislação portuária, e sem seu procedimento corretíssimo, não sei como teríamos encontrado ânimo. O entusiasmo dele nos contagiou. Éramos detestados pelos trabalhadores, porque não tolerávamos o “cavalo”, também chamado de “galinha”, que executa as tarefas repassadas por estivadores melhor remunerados, e que vão embora, deixando o coitado do “bagrinho”, suando a camisa sem nenhuma cobertura legal. Isso acontecia demais, e quando se tornou proibido, os envolvidos no circuito protestaram. Quando ordenávamos ao Ogmo que não pagasse os ausentes, a gritaria era geral! E se autuávamos o operador portuário por não ter coibido as irregularidades, ele também reclamava. Chegamos a autuar o próprio Ogmo, que ainda permitia a escalação pelo sindicato. Ou seja, incomodávamos a todo mundo.

Mas esses conflitos iniciais acabaram se dissipando...

Que nada! Somente há dois meses conseguimos implantar a escala eletrônica em Paranaguá. Aí o fórum da cidade foi atacado, puseram fogo em dois carros, deram uma surra num auditor fiscal... Faz quatro anos, na entrada do porto de Santos, uma turma numerosa cercou o carro da Procuradoria, e começou a sacudi-lo. Do lado de fora, eu gritava: “Vão virar! Vão virar!” Não o fizeram por que a polícia chegou a tempo. É preciso tomar muito cuidado. Nessas ocasiões em que há mudanças no sistema de escalação, somos protegidos pelo Núcleo Especial de Polícia Marítima, Nepom, da Polícia Federal.

Como e por que você se interessou tanto pelo transporte aquaviário?

Creio que pela vontade de contribuir para que os portos brasileiros fossem respeitados. A Marinha tem- nos ajudado bastante, principalmente a Diretoria de Portos e Costas; deixaram de ser delegados, mas continuam participando da inspeção de navios, inclusive estrangeiros. Todos nós aprendemos inglês, e a nossa carteirinha também é impressa nesse idioma. Verificamos ocorrências de infrações trabalhistas, segurança e saúde no trabalho, abandono de navios, etc. Os barcos velhos podem ser afundados para formar recifes artificiais, a menos que sejam rebocados pelos proprietários; na Ásia, existem estaleiros especializados no desmanche de navios, atividade muito perigosa que, felizmente, não se pratica no Brasil. A produção de petróleo deu novo vigor à indústria naval e, a partir de 1993, demos reinício à fiscalização dos estaleiros. A informalidade era total. Andrajosos, os operários se escondiam de nós; recebiam uma remuneração semanal, entregue em envelopes sem nenhum timbre, e trabalhavam sem proteção alguma, em condições degradantes. Exigimos contratação e, transcorrido um mês, num único estaleiro foram registrados 480 trabalhadores. Foi quando percebemos que não adiantariam visitas pontuais. Elaboramos,

MINISTÉRIO DO TRABALHO: UMA HISTÓRIA VIVIDA E CONTADA



funções de elaboração de manuais a serem divulgados pela internet e em CD-ROM.

O trabalho dos auditores, como eu, é muito interessante. Atuamos sob as garantias da Convenção 81, da OIT,17e em nosso meio, não há discriminação de gênero. Muitas vezes, ao descer aos porões, grito, para alertar os estivadores: “Quem estiver sem roupa, vai ser autuado por falta de EPI”. Isso quer dizer, Equipamento de Proteção Individual, mas eles entendem... e respeitam os riscos que corremos.

Ultimamente, três chefias sucessivas da Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho foram exercidas por mulheres, pessoas realmente fora do comum, ardorosas defensoras dos direitos dos trabalhadores. Ruth Beatriz Vilela, atual detentora do cargo, deve ter um metro e meio de altura, mas seu jeito de andar, aprumadinha, demonstra a personalidade forte que possui.18Sua antecessora, Vera Olímpia Gonçalves, era também brilhante; aprendi muito com ela.

Nas diversas situações em que você se envolveu, o fato de ser mulher ajudou ou atrapalhou?

Sempre fui extremamente respeitada, e não creio que isso se deva ao fato de eu ser mulher. Perfil e experiência contam muito mais. E agressividade às vezes também, mas isso tanto pode partir de um homem como de uma mulher. É bem verdade que, no ambiente portuário, há a demanda da força física e o esforço brutal requerido pelo trabalho, mas nada têm a ver com feminilidade. No entanto, o Ciaba e o Ciaga têm formado muitas mulheres para o trabalho aquaviário.19

Em geral, os portuários são homens que, na maioria dos casos, não tiveram acesso à educação formal. Aliás, o mesmo acontece com os pescadores. Que papel os auditores do Ministério do Trabalho têm desempenhado nesse setor?

Os pescadores estão incluídos entre os profissionais aquaviários, juntamente com os marítimos, os fluviários, os mergulhadores etc. Verdadeiros heróis – 90% deles se dedicam a atividades artesanais –, trabalhando em condições extremamente precárias e sem nenhum amparo. Até bem pouco tempo, também não tinham incentivos; as linhas de financiamento para aquisição de barcos pesqueiros são recentes. Por conseguinte, o grau de informalidade e pobreza é altíssimo, mesmo entre os armadores. Somos 50 auditores especializados, no Brasil inteiro. Consideramos três setores: o das empresas e embarcações estrangeiras – coreanas, espanholas, portuguesas – que se dedicam à pesca do atum, e que fiscalizamos com maior rigor; o das empresas de pesca brasileiras, incluindo algumas indústrias de transformação do pescado, objeto de uma fiscalização mais rotineira; e o dos pescadores artesanais, aos quais damos, antes de tudo, assistência. O pescador das colônias mais pobres, muitas vezes, não tem sequer certidão de nascimento!... Sem carteira assinada, ele ignora seu direito ao seguro desemprego, e atravessa as épocas de proibição da pesca sem qualquer amparo. Infelizmente é quase sempre assim: quem mais precisa, não tem.



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respeito à concessão de passagem a navios de longo curso. Esse documento, mais a Convenção 147,12 que prescreve as normas mínimas de marinha mercante, nos permite fiscalizar qualquer navio de qualquer bandeira em que haja algum indício de infração ou contra o qual tenhamos alguma suspeita de irregularidade. Subimos a bordo e checamos desde as condições de trabalho, de segurança e de saúde, até salários atrasados, e falando o idioma que for necessário. Os marítimos contam com a proteção da ITF,13sediada em Londres, que nos repassa todas as denúncias que chegam a seu conhecimento. Quando ocorre um problema de maior vulto, e o navio precisa ser detido, a Marinha nos presta ajuda. Em casos extremos, evitamos isso, para que o navio não seja abandonado; todavia, mesmo quando a carga tem pouco valor, o armador costuma resolver tudo direitinho.

A fiscalização sobe a bordo dos transatlânticos?

Ah, sim! Mas nos transatlânticos o problema é outro. Além dos que passam livremente, e prosseguem no seu longo curso, há os que navegam em águas jurisdicionais brasileiras por uma temporada inteira. A esses, aplica-se uma norma do Conselho Nacional de Imigração,14órgão tripartite, coordenado pelo Ministério do Trabalho, referente à cabotagem. Em geral, como seus passageiros são brasileiros, os empregados a bordo também o são. Contratados, por exemplo, em Santos ou no Rio de Janeiro, recebem em dólar, mas não têm carteira assinada nem recolhem a contribuição previdenciária. Em vista disso, só serão atendidos pelo SUS15e não terão direito à aposentadoria. Não têm sequer FGTS.16É obrigação nossa assegurar-lhes proteção, exigindo que sejam registrados, mesmo contra sua vontade.

Vou fazer um parêntesis, apenas para assinalar que depois de se diplomar em arquitetura, é impressionante a conversão de conhecimentos que você demonstra. Qualquer um diria que você estudou direito, tamanho é seu domínio da legislação fiscal...

Tocamos em um ponto fundamental, em minha opinião. Cursei o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, fui professora primária, e mantive sempre o interesse pelo aprendizado. Para mim, nada mais natural do que um processo contínuo de aprendizagem, através do qual qualquer pessoa pode tornar-se apta naquilo em que outros já são peritos. O que eu sei hoje, me foi transmitido por uma série de pessoas. Tenho colegas músicos, advogados, economistas, administradores de empresas e professores de educação física, muitos deles com mais de duas graduações. Eu mesma estou terminando direito agora. Orgulho- me das pessoas que trabalham comigo, um grupo de malucos, talvez, mas um grupo de determinados. Somos um universo de cabeças pensantes, enriquecendo-se mutuamente. Meus cinco filhos já eram nascidos, quando resolvi fazer concurso. Eu trabalhava em horário integral, cuidava da casa e estudava. Claro que abri mão de alguma coisa, tanto que acabei separada do marido... Um amigo meu, daquela época, dizia que quem estuda muito, fica sem marido, mas pode arranjar outro melhor e num nível superior. Brincadeiras à parte, eu acredito que o estudo é tão importante, que continuo voltada para ele o tempo todo. Não pretendo parar nunca. Volta e meia a Secretaria de Inspeção do Trabalho me atribui