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Cláudia Márcia Ribeiro Brito

Meu nome é Cláudia Márcia Ribeiro Brito. Nasci em Valença do Piauí, no dia 24 de outubro de 1952. Sou filha de Turene Ribeiro e Maria Iara de Sousa Ribeiro. Meu pai era juiz, e por isso eu nasci numa cidade pequena, a 210km da capital. Muitos dos meus familiares, do ramo paterno, se formaram em direito, e meu próprio filho recebeu seu diploma em janeiro deste ano de 2006. Minha mãe era dona-de-casa. Casou muito cedo e não prosseguiu nos estudos. Tenho cinco irmãos, um deles já falecido. Aos 6 anos de idade nos mudamos para Teresina, onde fiz meus estudos e me formei pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Piauí, em 1975.

Seu interesse pelas questões trabalhistas vem desde a faculdade?

Não. A princípio, pensei em seguir a carreira da magistratura. Como quase todo estudante, eu era apaixonada pelo direito penal. Ocorre que entrei na faculdade já casada e tive meu primeiro filho com 19 anos. Trabalhar no interior deixou de ser uma perspectiva. Foi então que mudei meu foco e resolvi ingressar no Ministério do Trabalho. Fiz concurso em 1974, e fui aprovada. Mas não tendo obtido uma boa colocação, teria de me deslocar para Manaus. Meu pai foi contra: “Não vá, minha filha. Você tem muito tempo. Estude mais”. Fui então trabalhar na prefeitura de Teresina, como procuradora do

município, e só dez anos depois, em 1984, fiz outro concurso. Em novembro, me tornei fiscal do trabalho, sendo designada para a Delegacia Regional do Trabalho, em Teresina.

Quantas pessoas trabalhavam na DRT, nessa época, e em que condições?

A DRT funcionava num velho casarão, e o próprio delegado, Dr. Pedro Lemos, estava no cargo há muitos anos, na verdade, desde 1964. Fora nomeado logo no início do regime militar. Éramos, ao todo, uns vinte fiscais, no máximo. E não havia liberdade; a Fiscalização sofria muita ingerência política e ninguém queria desagradar o delegado. O clima não era propriamente de medo, mas de preocupação; havia certa auto-censura. Muito nova e inexperiente, eu custei a entender a causa de tudo aquilo... Mas logo, em março de 1985, um movimento liderado por uma colega vinculada ao Partido do Movimento

Democrático Brasileiro, o PMDB,1levou à substituição do Dr. Lemos. O pobre adoeceu!... Devia imaginar que a antiguidade lhe garantiria vitaliciedade. Quem assumiu foi justamente a senhora que encabeçou a mobilização: Maria José de Castro.



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Esta entrevista foi realizada por Angela de Castro Gomes e Marcelo Thimótheo da Costa, no Recife, em 11 de setembro de 2006.



Ora, de repente, a mudança atingiu os sindicatos piauienses, e ao longo de um período muito curto, 95% deles trocaram as suas diretorias. Esses novos dirigentes, cientes dos seus direitos e deveres de cidadãos e contribuintes, encontraram na DRT funcionários dispostos a cumprir a lei, sem criar obstáculos a quem quer que fosse ou distribuir benesses a apaniguados. Nesse clima, todos se sentiram à vontade. Conversando com aqueles sindicalistas, aprendendo a sua forma de pensar, o modo como encaravam o papel que eles próprios desempenhavam naquele processo de abertura, eu tomei um verdadeiro banho de política.

Quanto tempo você permaneceu nessa função?

Dois anos. Mas o que eu queria mesmo era voltar para a rua, queria fiscalizar. Os fiscais trabalhavam em duplas, operando de acordo com um sistema de metas, em determinados setores e dentro de uma determinada zona. Por exemplo, o comércio do centro de Teresina era dividido em zona 1, zona 2, zona 3. Destacada para uma dessas áreas, eu tinha completa liberdade de ação. Alguns preferiam focar as empresas mais organizadas, outros, pelo contrário, optavam pelas mais irregulares. Isso variava de cabeça para cabeça.

Mas de um modo geral, as empresas não estavam acostumadas com ações desse tipo. A fiscalização estava sendo retomada...

Daí porque o trabalho em duplas era conveniente, representando uma espécie de defesa contra propostas indecorosas, acusações etc. Raramente eu saía sozinha para uma diligência. Meu entendimento – aliás, partilhado por colegas com os quais eu me identificava – é que a maioria dos empresários brasileiros considera a empresa como extensão da sua casa, e julga um desrespeito, o fiscal bater à sua porta. Por isso, ao entrarmos numa fábrica, íamos direto procurar os operários. É uma prerrogativa do fiscal. Ele não é obrigado a se apresentar ao empregador e pedir permissão para falar com os empregados. Assim, através da “verificação física” – no nosso jargão, significa entrevista com os trabalhadores –

constatávamos as irregularidades. Para mim, era essencial fazer o maior número possível de entrevistas, anotando o nome de cada um, o dia em que começara a trabalhar. Isso porque, muitas vezes, o

trabalhador nem fora registrado. Era no momento da entrevista que podiam fazer denúncias sobre o ambiente, a alimentação, o pagamento, as horas extras etc. Só quando julgávamos ter ciência do perfil da empresa é que partíamos para o escritório. Em geral, éramos maltratados. “Como é que senhora entra na minha empresa e não vem falar comigo?!” – “O senhor me desculpe, se o fiz esperar, mas eu estava trabalhando”. Realmente, pouco me importava por ser mal recebida.

Esse procedimento era comum a todos os empresários, ou característico daqueles que não respeitavam a legislação?

Era mais nítido entre aqueles que estavam em situação irregular, mas em geral, todos se sentiam melindrados: “Eu cumpro a minha parte, e essa senhora vai falar primeiro com os empregados... Está



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Foi uma senhora mudança!...

Em todos os sentidos, até na aparência das pessoas. O ar que se respirava parecia diferente. Maria José era de uma família de políticos. A vida inteira lidara com questões políticas e possuía uma mentalidade bastante aberta. Ficou cinco ou seis anos no cargo de delegada, período em que se instaurou um ambiente totalmente diverso do anterior, e durante o qual os auditores puderam agir livremente, fiscalizando, inclusive, grandes empresas, o que não ocorria antes.

Como é que você, tão nova como auditora, avaliou uma mudança assim, tão radical?

Eu não convivi, praticamente, com a administração anterior. Fui admitida em novembro de 1984 e a Maria José assumiu em março ou abril de 1985. De sorte, que tive poucas oportunidades para sentir, na prática, aquilo de que os colegas mais antigos se queixavam: a necessidade de tomar cuidado e não ferir interesses. Ouvi, sim, várias histórias acerca de fiscalizações que haviam sido suspensas por ordem superior, sendo o auditor obrigado a se retirar da empresa.

Ou seja, impedia-se o exercício da função para manter encobertas as irregularidades que, de fato, existiam. Isso, sobretudo em grandes empresas, evitando-se que elas fossem penalizadas.

Exato. Maria José trocou as chefias, nomeando uma pessoa da sua inteira confiança para o setor de Fiscalização, e me encarregou da Seção Sindical, que viria a desempenhar um papel importantíssimo no processo de transformações que a DRT empreendeu. Era um momento de abertura e, nos sindicatos, realizaram-se eleições que resultaram no afastamento de velhos dirigentes, substituídos por lideranças jovens, arejadas. Sem qualquer intervenção da DRT, as campanhas transcorreram na mais completa liberdade, mobilizando inclusive pessoas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores (PT),2ao PMDB e a diversos outros partidos.

A Seção Sindical entrou em contato com essas novas lideranças?

Até então eu não tivera nenhuma formação política. Casamento, filho, faculdade, a Procuradoria, concursos – minha vida constituía-se de afetos e estudo. Sempre gostei de estudar... Então, de início, levei um tremendo susto ao me deparar com um catálogo em que todos os ativistas sindicais estavam fichados: nome, endereço, telefone, cargos que eventualmente tivessem ocupado, e tudo anotado por funcionários do próprio Ministério do Trabalho. Havia também documentos referentes aos processos eleitorais dos sindicatos. Os dados compunham um verdadeiro mapeamento da área sindical. Acerca da militância política de cada um, não havia nada explicitamente. Mas juntando aquelas informações com o que se ouvia pelos corredores, era fácil saber quais os sindicalistas que apoiavam o governo ou faziam oposição. Uns se reelegiam para vários mandatos; outros que não estavam alinhados com a ditadura, não conseguiam vencer nunca.



no interior, não registrava os empregados. Não podiam ignorar a existência da legislação trabalhista, mas carentes de consciência política, eles a descumpriam inteiramente. O que podiam fazer para burlar, eles o faziam. Na nossa presença, sentiam-se constrangidos, talvez temerosos ou pelo menos inibidos e preocupados com o que poderia lhes acontecer.

Mas eu não corria atrás somente dos pequeninos, não. Em outra oportunidade, me defrontei com um secretário de estado, que mantinha em seu escritório uma auxiliar sem registro. A moça me procurou num plantão: “Doutora, se ele souber, vai me mandar embora”. Então, para não levantar suspeitas, antes de entrar no seu escritório, fiz várias visitas a outras salas do mesmo andar. Entrevistava os empregados, pedia para ver os livros etc. Quando, afinal, cheguei à sua sala e já estava conversando com a jovem que o denunciara, ele entrou e deu boa tarde. Não ouvi, e continuei de costas. O diálogo que se seguiu foi emblemático. Ele reclamou: “Como é que uma pessoa entra na minha empresa, não fala com o

empregador, a legislação precisa mudar e bla, bla, bla”... – “Eu respondi: realmente, a CLT é muito antiga, é de 1943”.4– O empregador retrucou: “Certo!... A CLT é de 1943. Mas a educação é muito mais antiga”. Realmente, eu não percebera quando ele entrou e não havia escutado seu cumprimento. Fiquei calada. Tive de engolir. Porém, mais uma vez, pude comprovar como os empregadores se sentem melindrados na presença de um fiscal.

O fato de você ser mulher tornava essas situações mais complicadas?

Eu sempre honrei muito as saias que visto. Não me deixava amedrontar por gritos ou atitudes nervosas. Até porque podíamos pedir a ajuda da polícia, em apoio à fiscalização. Nunca cheguei a tais extremos, mas por outro lado, nunca interrompi o meu trabalho, por mais que isso desgostasse o empregador. Certa vez, em Floriano, outra cidadezinha do interior, fui fiscalizar uma empresa. Estava com uma colega e o chefe da agência local nos acompanhava.5Pois não é que o empregador, quando soube da nossa presença, veio lá de dentro aos berros, mandando que saíssemos. “Ah, mas eu não vou sair mesmo.” Minha colega também reagiu e começou o bate-boca. O fiscal que residia na cidade sentiu-se ameaçado; propôs sairmos e dar continuidade à averiguação alguns dias depois. Então, nós saímos, mas apenas por consideração a ele. Voltamos no dia seguinte, depois de pedir apoio à Delegada Regional, que solicitou ao presidente do sindicato patronal que conversasse com o empresário. E, de fato a partir daí, o sujeito se mostrou bastante cordato.

Trata-se de um trabalho estressante...

É verdade. A fiscalização do Ministério do Trabalho lida com o dia-a-dia das pessoas, seus salários, seus direitos, seus sentimentos. O trabalhador com salário atrasado, joga todas as suas fichas na coragem do fiscal. Nós não fazemos como a Previdência, por exemplo, que fiscaliza por computador: nós entramos na empresa, lavramos o auto de infração na presença do empregador, como dizíamos no Piauí: “na cara do freguês”. Sentamos ao lado dele e vamos apontando os seus erros: três, cinco, dez!... O sujeito ali,

Entrevista Cláudia Márcia Ribeiro Brito



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desconfiando de mim?” No escritório, ao analisar os documentos é que se podia verificar se o testemunho dos trabalhadores procedia. Eu adorava o meu trabalho. Não tinha hora.

Sua experiência na Seção Sindical deve ter sido preciosa para sua ação como auditora.

Não só a experiência, mas principalmente os contatos. Às vezes, num fim de semana, o telefone de casa tocava: era o presidente do Sindicato dos Bancários, Comerciários, Motoristas: “Cláudia, no Banco Tal, o pessoal está trabalhando. Dá para você ir lá?” Por acaso eu poderia dizer que não ia?... Alegar que não era o meu plantão, ou que estava de folga?... Em alguns casos, nem era na minha área. Não importava! A regra era clara: quem recebe a denúncia, apura. O fiscal não é um funcionário público comum, que chega à repartição, segunda-feira, às oito horas da manhã, e encerra o expediente às seis da tarde, e na sexta- feira, fecha as gavetas e vai embora. Se há empregados trabalhando no domingo, e o fiscal não

comparece, a fiscalização se torna inócua. Enfim, a toda hora e de diversos setores, eu recebia denúncias de irregularidades: horas extras não pagas, trabalho em feriados ou durante as férias, salário atrasado, falta de registro do empregado. Acontecia com bancários, com o pessoal do comércio, com operários da construção civil... Nada tolhia a nossa liberdade e atuávamos com afinco e dedicação. Havia uma espécie de compromisso coletivo facilitado pelo conhecimento mútuo. Tínhamos um ideal e lutávamos juntos com o mesmo objetivo. A maioria era assim.

Quando surgiu a oportunidade de você se deslocar para a fiscalização rural?

Quando comecei, a fiscalização rural era muito restrita, quase nenhuma. As grandes plantações de cana de açúcar só eram visitadas nas épocas de plantio e corte. Viajávamos para o interior, sim, mas para fiscalizar algumas empresas maiores, localizadas fora da capital. Certa ocasião, fui com uma colega a uma cidade pequena, a cerca de 200km do litoral, 50 mil habitantes... Chegamos num domingo, nos hospedamos num hotelzinho, e segunda-feira iniciamos o trabalho bem cedinho. Na rua do comércio, nos separamos, seguindo por calçadas opostas, e fomos entrando nas lojinhas, anotando o nome dos empregados e o nome da empresa, enfim, para completar a verificação física com a maior rapidez possível. Dá-se que ao sairmos da quinta ou sexta loja, nos deparamos com todas as portas fechadas. Ainda conseguimos apanhar um retardatário que confessou: “Doutora, a senhora só me pegou aqui porque não deu tempo de eu fechar. Todo mundo já fechou. A senhora não vai mais trabalhar hoje não”. – “Está bom. Mas eu volto amanhã”. Para que?! Ficamos três dias na cidade, e o comércio fechado. As lojas não abriram. Era como se fosse feriado... Preferiam ter prejuízo a submeter-se à fiscalização.

É um fato revelador da mentalidade do empregador ante a Fiscalização. E havia de fato muitas irregularidades?

Falta de registro de trabalhadores, principalmente. É por aí que começa a ilegalidade. Sem registro, o empregado não goza férias, não recebe 13

º

terceiro, não tem FGTS.3A maioria dos pequenos empresários

MINISTÉRIO DO TRABALHO: UMA HISTÓRIA VIVIDA E CONTADA



plantões, para fazer mediação coletiva. Fiz um curso de 30 dias, na Fundação Getulio Vargas, em Brasília. Havia somente uma vaga, que disputei com um colega igualmente interessado. Em seguida, participei de um plantão de mediação individual, no Rio Grande do Sul. Não era um curso, mas uma espécie de aprendizado prático com vistas à especialização. Enfim, quando voltei do sul, em 1989, o Ministério estava sendo reestruturado, e assumi a Divisão de Relações do Trabalho. Todas as mediações coletivas ficaram sob minha responsabilidade. O Sindicato dos Motoristas, ao se aproximar a data-base, e

frustradas as negociações, parava os ônibus em fila ao longo da avenida Frei Serafim.7E nós saíamos da DRT às três horas da manhã! As discussões varavam a noite e se estendiam pela madrugada, para que o assunto fosse resolvido. A população é que não podia ficar sem condução!... Empregados no setor de transportes, comerciários, construção civil e outras categorias mais organizadas, exigiam um esforço enorme de intermediação. Foi uma experiência riquíssima. Ela durou até 1992.

E os bancários, aos quais você já se referiu?

Os bancários negociavam com a Febraban,8diretamente, sem passar pela DRT. De um modo geral, presidentes e diretorias de sindicatos de empregados não se sentiam muito confortáveis ao se sentar frente à frente com os empregadores. De 1988 em diante, porém, eles vinham acompanhados de advogados capazes de encarar todo aquele aparato jurídico que os patrões mobilizavam, e então as partes já se olhavam com certa naturalidade. Os patrões baixavam o tom, e a tensão diminuía muito.

Eu procurava não interferir muito, deixando que discutissem à vontade, até brigassem e, no final, quando os ânimos se acirravam, aí sim, eu fazia sugestões. Acredito que essa deva ser a postura do mediador: manter-se à margem, para colocar seu ponto de vista no momento exato. Não é a vontade do mediador que deve prevalecer. O que lhe cabe é ouvir as partes e zelar para que os acordos se façam na forma da lei. Ele não está nem de um lado, nem de outro. Aliás, não adiantaria nada, inscrever, na convenção, uma cláusula contrária ou prejudicial aos interesses dos trabalhadores, porque o Ministério Público do Trabalho iria denunciá-la.

Você chegou a presenciar cenas de exaltação?

Eram freqüentes e às vezes, protagonizadas pelos próprios advogados. Eu mesma fui desacatada por uma advogada, que defendia um sindicato de empregados: ela pensou que eu estivesse favorecendo os empregadores. Para mim, foi uma ofensa e grave! Eu saíra da DRT, me dirigira ao local escolhido pelas partes, para ouvir diatribes?... Reagi no ato: “Se vocês quiserem a mediação da DRT, tratem de me procurar lá. Esta mesa está encerrada”. Os conflitos ocorriam porque as pessoas já compareciam predispostas à luta, imaginando que suas propostas seriam repudiadas. Negociação coletiva é muito difícil... Principalmente naquela época, em que as margens de discussão haviam se ampliado, a inflação era acentuada e os resíduos deixados pelos diversos planos econômicos só contribuíam para fomentar controvérsias. As convenções abrangiam condições de trabalho, salários indiretos e outras vantagens que os trabalhadores conseguiam na mesa de negociação.



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inchando que nem sapo cururu. Depois, ainda é obrigado a assinar, dando ciência de que recebeu a notificação. É um verdadeiro corpo-a-corpo.

Você tocou em pontos importantes. Essa presença física do auditor no trato com

empregados e empregadores. O fato da fiscalização não só envolver direitos objetivos, mas também expectativas e sentimentos dos trabalhadores, que muitas vezes se arriscam a perder o emprego para fazer uma denúncia, para entrar em contato com o fiscal.

Pois, acredite, isso acontecia demais. Mantínhamos um atendimento direto através do plantão fiscal. Hoje em dia, talvez em virtude da grande politização dos trabalhadores, eles prefiram procurar o sindicato, mas, no início da década de 1980, criavam-se filas na DRT, para fazer denúncia. Mantínhamos um plantão diário, com dois fiscais pela manhã e dois à tarde, além do plantão de rescisão de contratos. Muitos chegavam temerosos ao balcão. “Doutora, é o seguinte: eu trabalho numa empresa, mas a minha carteira não está assinada, e não estão me pagando direito.” – “Onde é que o senhor trabalha?” – “Ah, isso não posso dizer”. Eu tinha de jurar que seria um túmulo. “O senhor pode confiar. Relaxe... Porque sem saber onde é a empresa, como é que poderei tomar alguma providência para que o seu salário seja pago, a sua carteira, assinada? Vou ter de seguir o senhor?”

Deixa estar que vocês tinham de desenvolver umas tantas estratégias de abordagem e de convencimento do próprio trabalhador!

Há colegas que dizem, brincando, que o fiscal do Trabalho casa, batiza, faz tudo...

No caso, vocês escutavam as denúncias quase como os padres: em segredo de confissão.

Exatamente. Era nossa obrigação. Eles tinham medo e precisavam acreditar em nós. Mas, aos poucos, os sindicatos assumiram a responsabilidade de promover as rescisões e, de nossa parte, estabelecemos que atenderíamos somente àqueles trabalhadores sem nenhuma entidade. 1984 foi o ano das Diretas Já!6 Entre 1985 e 1987, a Seção Sindical procurou fortalecer os sindicatos que, afinal, ganharam autonomia com a Constituição de 1988. Hoje em dia, nem sei se ainda existem seções sindicais – devem ter sido extintas. Era uma instância da DRT à época das intervenções, quando o Ministério do Trabalho possuía algum controle remanescente sobre os sindicatos. Os trabalhadores também adquiriram um nível de consciência política maior e passaram a procurar as entidades de classe, diretamente. Sem dúvida, tudo isso sinalizava uma confiança muito maior na própria DRT.

Quem sucedeu a Maria José?

Depois da Maria José, o Collor juntou o Ministério do Trabalho com o da Previdência, e a DRT passou à chefia de uma “diretora”. Foi um período rápido e muito confuso, durante o qual eu também deixei a