• Nenhum resultado encontrado

Maria Tereza Grillo Pedroso de Albuquerque

O meu nome é Maria Tereza Grillo Pedroso de Albuquerque. Nasci em 28 de abril de 1950, no Alegrete – como dizem os gaúchos –, divisa do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai. Meus pais, já falecidos, eram Maria Medeiros Grillo e Jacomino Grillo.

Você é de origem italiana... Filha ou neta de imigrantes?

Neta; meus avós é que migraram, vindo para o Brasil. Mas eles não eram camponeses, não tinham ligação com a terra, como seus compatriotas, que formaram as colônias de Caxias e Bento Gonçalves. Provenientes de outra região na Itália, exerciam atividades comerciais. O passaporte do meu avô foi assinado pelo rei Victor Emanuel! ...1Chegaram por Buenos Aires, e cruzaram a fronteira em Uruguaiana, trazendo uma prole numerosa, só de filhas. Meu pai nasceu no Brasil, e foi trabalhar cedo, aos 13 anos de idade, devido à morte de meu avô. Praticou no comércio um ano, como se dizia, com gente também italiana, da família Papaleo, e logo montou o seu próprio negócio: um armazém de especiarias. Na época do Natal, havia filas para adquirir produtos importados da Itália, como vinhos, nozes e passas de uva em rama. Hoje, temos passas de uva soltas, com semente ou sem semente. As uvas em rama são diferentes... E o armazém progrediu e se transformou numa referência para aquisição de especiarias, principalmente as importadas.

A prosperidade permitiu que Seu Jacomino freqüentasse os salões da alta sociedade, onde ele e minha mãe se conheceram. Apaixonados, casaram-se. Uma jovem da aristocracia rural gaúcha e o filho de imigrantes italianos. Uma bonita história, pois viveram felizes até a morte de meu pai, aos 58 anos. Daí em diante, foi ela que assumiu a gerência dos negócios. Morreu aos 76 anos. Restamos eu e Fernando, meu irmão.

Um pai e uma mãe apaixonados e trabalhadores. Você fez seus primeiros estudos em Alegrete?

Exatamente. Aprendi a ler na escola pública, Grupo Escolar Demétrio Ribeiro, cuja diretora fez desta escola a primeira em qualidade de ensino primário Jamais esquecerei a Dona Ana Lauter. O ginásio, eu fiz no colégio das freiras, o Divino Coração de Jesus. Pensando em nos facilitar o ingresso no ensino universitário, meu pai comprou um apartamento na rua Duque de Caxias, em Porto Alegre. Fernando foi



339





Esta entrevista foi realizada por Angela de Castro Gomes na Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 16 de janeiro de 2007.

e a Norma Paz. Fomos “largadas” numa sala, atulhada de processos, que deveríamos ler... Um método de iniciação bem direto, digamos assim... Havia também algumas aulas, ministradas por auditores veteranos, e prática de rua, sempre na companhia de um colega mais experiente. Quem saiu comigo foi o Francisco Baldo, excelente pessoa. Breve, estávamos em condições de caminhar com as próprias pernas.

Para que zona de fiscalização você foi sorteada?

Os sorteios ocorriam a cada três meses. Baldo e eu começamos pela região entre a rua São Pedro e a avenida Farrapos, verificando as irregularidades e lavrando autos de infração. Assim, houve período em que se media o desempenho dos auditores: pelo número de autuações. Dá-se que, no meu entender, o Ministério do Trabalho deveria cumprir uma função social, e multar os empresários não resolveria nada. Em suma, a fim de amenizar meu desconforto, eu preferia conceder prazos para que o sujeito pagasse o salário atrasado, recolhesse o Fundo de Garantia etc.7Fazia o que era possível, na tentativa de

conscientizá-lo. Autuar, só em último caso.

Em conseqüência, minha posição no ranking foi sempre muito baixa. Por outro lado, fixei um perfil que chamou atenção de Regina Michelon,8reconhecida no mundo inteiro como uma autoridade na chamada mediação individual. Hoje aposentada, ela assumira, naquela ocasião, a responsabilidade de elaborar um plano piloto que encaminhasse essa experiência inovadora. Fiz parte de um grupo de colegas que, a partir de 1990, sob sua liderança, foi à luta, enfrentando todo tipo de resistência, até obter reconhecimento e conseguir que o método se expandisse para outros estados.

Regina Michelon era delegada regional?

Não, ela era auditora fiscal. Casara-se com um jornalista, Celito De Grandi, e, ele sim, foi delegado regional, de 1975 a 1978. Trabalhava na área de negociação coletiva, que naquela época se limitava a acertar a data-base das categorias. O Estado tinha, então, um poder enorme, e os sindicatos, muito pouco ou nada.

O projeto funcionava a partir de um plantão de informações e triagem, que recebia o trabalhador, ouvia a sua história – questões complexas, às vezes, outras, nem tanto... – e fazia o encaminhamento ou para a fiscalização, ou para as assessorias jurídicas dos sindicatos, ou, ainda, para o Serviço de Mediação dos Conflitos Individuais do Trabalho que lavrava uma denúncia. Quando os auditores percebiam que o problema poderia ser resolvido, sem que a que a fiscalização fosse acionada para averiguações, eles encaminhavam o trabalhador queixoso ao nosso setor, onde atuávamos sob o regime de dedicação exclusiva, evitando que os papéis se confundissem – o do fiscal e o do mediador. Éramos 8 pessoas. Frequentemente, as questões eram solucionadas mediante um simples telefonema ou uma carta; quando muito, uma reunião. Isso dependia do teor da reclamação e a escolha do procedimento a seguir era realizada segundo critérios estabelecidos já na criação do serviço. De um jeito ou de outro, só

anotávamos o que fosse indispensável à compilação de resultados – uma exigência de Regina... “Se não



341

estudar no Colégio Anchieta, distante duas quadras, e eu, no Sévigné, onde minha mãe já fora interna e que era bem defronte do apartamento. No Sévigné terminei o ginásio e cursei o Normal. Adorei!... Cumprida a licenciatura, entreguei o diploma a meu pai e fiquei cismando se seria aquilo, apenas... Meu irmão formara-se em medicina, e eu resolvi fazer direito. Optei pela PUC,2cujo vestibular não exigia latim, e passei. Entrei para faculdade em 1970, o segundo ano da vigência do AI-5.3

Administrado pelos irmãos maristas,4o campus da avenida Ipiranga era longe da cidade; um lugar maravilhoso, cercado de árvores. Estudei Direito Constitucional com o Paulo Brossard,5e Direito do Trabalho com o Barata.6Um luxo. Dois anos antes da formatura, casei-me com um juiz, recém nomeado para a comarca de Tapes, na região metropolitana de Porto Alegre. Eu vinha de ônibus para a faculdade, um percurso de 114km, na ida e na volta. Chegava em casa às três da tarde, enquanto meu marido ainda estava em audiência, e ia dar conta dos afazeres domésticos. Véspera de prova, eu dormia no

apartamento adquirido por meu pai, para poder estudar.

Vida de mulher não é fácil... E o interesse pelo Direito do Trabalho, surgiu na faculdade ou não?

Não. Tirei meu diploma em dezembro de 1974, mas estava impedida de advogar porque meu marido era o único juiz da comarca. Nos anos seguintes, ele foi promovido, e fomos morar em Guaíba e, depois, em São Borja. Já se passara uma década, quando fiquei grávida. Eu lia muito, participava de atividades culturais etc. Um dia, encontrei uma ex-colega de faculdade na fila de um supermercado, e através dela fiquei sabendo que o Ministério do Trabalho abrira concurso para auditor fiscal. Bingo!

Isso foi em que ano, Maria Tereza?

Entre 1984 e 1985. Estudei, ao mesmo tempo, para o concurso de Procuradora do Estado, indo às aulas de um cursinho preparatório, que me garantiria um título. Um dia antes do início das provas, porém, minha filha teve que ser hospitalizada. Resultado: passei no concurso da Procuradoria e perdi na prova de títulos. Mas foi uma benção! Eu estou muito melhor como auditora do que estaria como Procuradora do Estado. Só que fui obrigada a prestar três concursos!... No primeiro, me saí bem, mas eram poucas vagas e não botei muita fé. Pedi a meu marido que fosse olhar a lista dos aprovados, e ao voltar do trabalho, ele me disse: “Foi triste!... Aqui no estado, só passou uma candidata”. – “Ah, é?... Quem foi?” – “Tu”. Minha alegria durou pouco, pois o concurso acabou sendo anulado por fraude. Alguém, em Brasília, soubera com antecedência do gabarito. Senti-me injustiçada, impotente e sem estímulo. Mesmo assim, resolvi prestar um segundo concurso, também anulado: um bloco de provas apareceu sem lacre. Enfim, na terceira tentativa, dentre 14 aprovados, eu passei em sexto lugar. Tomei posse no dia 14 de abril de 1985. Na época, o concurso era feito já com a opção das localidades e eu, em decorrência da vida familiar, escolhi Porto Alegre, mesmo sabendo que as dificuldades seriam maiores, pelo número de vagas para a capital. Durante o estágio probatório, conheci duas colegas, que se tornaram amigas: Maria Clara Soares



totalmente informal, voluntária, mas que expunha a pessoa do trabalhador. Por isso, antes de tudo, nos preocupávamos em perguntar se o tal Fulano aceitava que o seu nome fosse mencionado. No limite, ele estaria correndo o risco de demissão, e precisava estar consciente disso.

Acaso existiam reclamações tipicamente femininas?

Muito frequentemente!... Em Porto Alegre, há ruas inteiras ocupadas pelo pequeno comércio, onde a empregada se confunde com a esposa, a ex-mulher ou a namorada do dono da loja. De repente, embora tenha assinado a sua carteira, o sujeito deixa de pagar salário... Surgem brigas, desmancha-se o vínculo afetivo, e a questão termina caindo em nossas mãos.

Mauro de Azevedo Moura, médico do trabalho, delegado em 1998, foi quem redigiu a primeira cartilha do Ministério do Trabalho sobre assédio moral. Ele nos ajudou muito em casos de discriminação contra indivíduos soropositivos. Atualmente, essas questões são tratadas pelo Núcleo de Combate à Discriminação.9

Há casos de homens submetidos a assédio moral?

Na maior parte dos casos, a parte constrangida é a mulher, principalmente durante a gestação e no período de aleitamento, quando tem direito a momentos livres. As questões que envolvem a maternidade ainda não foram superadas, infelizmente, não só no mundo do trabalho, mas também pelo conjunto da sociedade. Por outro lado, existe uma tese que relaciona o assédio moral ao desenvolvimento de algum tipo de doença. Pouco antes de falecer, Mauro estava escrevendo a respeito disso, focando uma senhora, empregada de um conselho regional profissional – não lembro qual a profissão – que ao retornar da licença, deparou-se com sua sala inteiramente vazia. Exercendo um cargo de responsabilidade, alocaram- na numa espécie de depósito, de onde o ar-condicionado fora retirado, deixando o vão aberto... Suas reclamações de nada adiantaram, e, nesse meio tempo, ela desenvolveu um câncer de mama. De fato, as mulheres são muito mais vulneráveis, e correm riscos enormes de estresse e depressão.

Essa experiência de mediação individual durou até quando?

Cerca de três anos. Foi um sucesso, indiscutivelmente. Mas dependia do delegado, e sempre sofreu muita contestação apesar dos resultados alcançados. Em 1993, ao retornar das férias, fui comunicada sobre o encerramento do projeto. O que restou?... Por falta de gratificação ou disposição mesmo, ninguém mais se dedica à mediação individual. Eu, por exemplo, estou na chefia de Relações do Trabalho; é a área com que me identifico. Se voltar à fiscalização, obviamente, vou tentar mediar os conflitos. Para mim, não existe nada mais eficiente.

Foi, portanto, uma experiência localizada e curta, apesar de bem sucedida!?

Não. O projeto foi implantado em todas as delegacias. Regina viajou por todo o Brasil, levando aquela bandeira. Na Bahia e em São Paulo, tentou-se a mesma coisa, não sei se formalmente, como na DRT do

Maria Tereza Grillo Pedroso de Albuquerque



343

apresentarmos resultados, o trabalho não irá adiante”. Enfim, conseguimos solucionar 80% das demandas que nos chegaram às mãos! O padrão internacional de resolução ótima é 75 %.

Um índice fantástico. Mas você mencionou resistências: de quem?

Os favorecidos é que divulgavam o projeto porque, internamente, havia algumas resistências a uma nova perspectiva de resolução de conflitos, dentre as quais a possibilidade de que estivéssemos

“transacionando”os direitos dos trabalhadores. Seguíamos à risca um manual de orientação, editado por Regina, onde cada um de nós estava retratado (havia, por exemplo, um desenho da Maria Tereza), e também um texto que distinguia direito controverso e direito incontroverso. Esses conceitos eram fundamentais para nós. Nas situações claramente evidenciadas, em que não cabia discussão, buscávamos esclarecer as partes sobre a legislação aplicável, sem nenhuma possibilidade de composição. Tratava-se apenas de cumprimento de legislação. Quando se tratava de algo sem discussão, alertávamos o empregador para que pagasse. Um aviso prévio expresso, que muitas vezes ele não fizera, até por ignorância, embora também existisse má-fé. Em geral, conseguíamos regularizar a situação, no máximo, em três dias, o que atendia perfeitamente o nosso objetivo. Contudo, a concessão do prazo implicava (mas não excluía) o acompanhamento. Se não houvesse o cumprimento do combinado, o processo seria entregue à fiscalização, que lavraria o competente auto de infração. Já o direito controverso, por outro lado, era o território por excelência da mediação. O empregado fora mandado embora ou não? “O senhor disse que eu devia ir para casa”. – “Não, eu não disse. Tu que não apareceste”. As questões duvidosas eram nosso maior desafio, e a solução dos conflitos, nossa realização mais intensa.

Você mencionou casos que se resolviam por telefone...

Retenção de carteira do trabalho, por exemplo. Muitos trabalhadores nos procuravam com essa queixa: tinham deixado o documento em mãos do patrão, sem ao menos pedir recibo. Inicialmente, lhes dávamos uma lição: “Como é que o senhor entrega a carteira sem nenhuma declaração escrita que o comprove? E agora, se o patrão negar? Não se pode fazer isso, não”. Enfim, não se tratava de nada complicado. Tínhamos um modelo de carta na qual informávamos ao empregador que a retenção de documentos (posse de coisa alheia) constituía contravenção penal, e solicitávamos a devolução do documento pertencente ao senhor Fulano de Tal, indevidamente retido, conforme declaração do próprio reclamante. Ao final, nos colocávamos à disposição, indicando nossos telefones. Nesses casos, a solução era imediata. O mesmo ocorria quando o trabalhador vinha manifestar seu descontentamento por não ter recebido aviso de férias. Pegava-se o telefone e se falava com o empregador, diretamente: “Então o senhor não sabe que precisa entregar o aviso por escrito com 30 dias de antecedência? E fazer o pagamento dois dias antes do início do período de descanso?” – “Não tem problema, eu entrego amanhã mesmo”. Simples assim. O trabalhador ia embora, ciente de que se a história não se resolvesse, ele deveria voltar em sete dias. Não voltava!... Detalhe importante: a mediação individual era um processo sem ônus para nenhuma das partes,

MINISTÉRIO DO TRABALHO: UMA HISTÓRIA VIVIDA E CONTADA



Você disse que voltou à fiscalização?

Por um bom período, sim, até ser lotada na seção de Relações do Trabalho, dedicada à mediação coletiva de conflitos rurais e urbanos, cuja chefia assumi em março de 2003, nomeada pela nova delegada, Neuza Maria Azevedo. No Rio Grande do Sul, o ajuizamento dos dissídios era quase uma questão cultural, mas não sem negociações prévias, promovidas pela DRT, conforme determinava uma instrução normativa do TST.11Montava-se o cenário de três reuniões às quais o sindicato patronal sequer comparecia... Minha nomeação coincidiu com a revalorização do setor, que deixou de ser um mero cartório. Atualmente, não nos limitamos a acompanhar a formalização de acordos e convenções coletivas. Após o registro desses instrumentos no Ministério do Trabalho, somos responsáveis pela análise do mérito do que quer que tenha sido negociado, e havendo irregularidades ou ilegitimidade das partes, mesmo antes da denúncia ao Ministério Público, podemos propor outra negociação.

Após o registro, as convenções têm plena eficácia entre as partes e contra terceiros. Vocês não estariam intervindo em atos jurídicos perfeitos?

Exato; desde que seja identificado um desvio de mérito, podemos agir. Trabalhamos por amostragem, uma vez que, anualmente, são formalizados cerca de 2.300 acordos e convenções coletivas, no Rio Grande do Sul. Pois bem, examinando 300, constatamos ilegalidades em 70%. E como nenhuma agenda comportaria tantas reuniões, em parceria com a comissão sindical consultiva - integrada por representantes dos sindicatos de trabalhadores, federações, centrais e chefias da fiscalização e relações do trabalho, além do gabinete da DRT, com o apoio irrestrito da Delegada Neusa Azevedo - organizamos encontros, com participação das entidades envolvidas. Nelas mostrávamos, de forma bem didática, cláusula por cláusula, cada artigo da legislação que fora violado. A fim de evitar o constrangimento de alguém, na platéia, não identificamos quem cometera os erros, e propusemos um prazo variável – entre 15 dias a um mês – para que tudo fosse solucionado. Mais tarde, em Brasília, na presença do hoje Secretário Executivo, à época Secretário de Relações do Trabalho Adjunto, Marco Antônio de Oliveira, relatei a experiência a todos os colegas que exerciam a mesma chefia que eu, e recebi muitos elogios. De fato, fomos pioneiros. Hoje, nosso índice de ilegalidade situa-se em 20%. Há questões pontuais que permanecem controvertidas, por exemplo, a contribuição assistencial, a redução dos períodos de estabilidade e até a redução dos intervalos destinados às refeições. Mas o procedimento administrativo prévio à denúncia ao Ministério Público já vem sendo adotado por todas as delegacias, tendo inclusive previsão expressa na Instrução Normativa que trata da matéria.

Esse procedimento, como você o chama, certamente pode levar à diminuição do número de dissídios.

Correto. Segundo a legislação, o registro de um instrumento tem validade entre as partes três dias após o depósito. No entanto sua eficácia está condicionada ao registro que depende de análise formal12e só a partir daí, do registro, é que se pode analisar o seu conteúdo, para regularizar aquilo que foi negociado



345

Rio Grande do Sul... Em Porto Alegre, o nosso serviço tornou-se muito conhecido, e o retorno da sociedade foi grande. A clientela cresceu tanto, que os sindicatos vieram a nós, na expectativa de resolver as suas pendências com as empresas. No auge da atividade, recebíamos de dez a quinze entidades por dia!...

Foi um momento estratégico, pois, no início dos anos 1990, os sindicatos estavam prontos para a interlocução.

Com certeza. Além disso, Regina conhecia as lideranças, fizera contato com elas quando chefiava a seção de mediação coletiva, e isso nos permitiu estabelecer com os sindicatos uma relação de parceria. Eles reclamavam o descumprimento de cláusulas acertadas em convenção coletiva, estipulando o direito à creche, por exemplo, ou da aplicação de castigos, algo que hoje se enquadraria, perfeitamente, como assédio moral. Imagine!... Uma empregada, ao comunicar seu estado de gravidez, era desligada da função. Sem poder mandá-la embora, o empregador a deixava ociosa, constrangida. Ele a induzia claramente a pedir demissão, para se livrar do pagamento do período de licença.

O Sitramico também nos procurava com muita freqüência,10denunciando as empresas que, maliciosamente, acusavam os trabalhadores de terem provocado lesões em si próprios. Dá-se que o empregado acidentado tem direito à licença de três a quatro meses, para tratamento, mais um ano de estabilidade. Não raro, quando o período de estabilidade estava próximo do fim, o empregador demitia o empregado, apostando na lentidão da justiça. A sentença de reintegração viria somente quando o prazo da estabilidade tivesse decorrido – e apenas uma indenização seria devida. Um cálculo preciso e terrível. A falta de registro, já naquela época, era uma questão permanente. O indivíduo trabalhava um mês, dois meses – na área rural, até dois anos!... – sem carteira assinada, e acabava mandado embora de mãos abanando. Conformado, inconsciente dos seus direitos, vinha a nós, dizendo só estar interessado no pagamento. Precisávamos alertá-lo: “Imagine a importância que isso terá daqui a dez anos!” Frente a frente com o antigo empregado, ficava difícil para o empregador dizer que sequer o conhecia... Formalizado o vínculo, acertava-se o pagamento do aviso prévio, férias etc. Ou seja: antecipávamos a Justiça do Trabalho.

O término desse experimento foi uma grande perda, e não apenas para você...

Para os trabalhadores e para a instituição. Hoje, a fiscalização de rua se impôs, e persegue metas nos mais diferentes campos, desde a repressão ao trabalho escravo, passando por recolhimento do Fundo de Garantia, formalização de vínculo etc. Então, se o trabalhador procurar o plantão de informações, para