• Nenhum resultado encontrado

Ao experienciar o processo Folhas, o professor-autor supera a condição

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.2 FOLHAS E PRODUÇÃO

4.2.2 Ao experienciar o processo Folhas, o professor-autor supera a condição

Ao empreender uma breve incursão na literatura que trata de currículo em geral, observa-se, para iniciar as discussões sobre o tema, a seguinte questão que diz respeito à conceitualização de currículo. Afinal, o que é currículo?

95

J. Gimeno Sacristán, educador espanhol e especialista em currículo, menciona impressões globais que, tal como imagens, lhe trazem à mente o conceito de currículo e expõe algumas:

[...] o currículo como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um ciclo – nível educativo ou modalidade de ensino é a acepção mais clássica e desenvolvida-; o currículo como programa de atividades planejadas, devidamente seqüencializadas, ordenadas metodologicamente tal como se mostram num manual ou num guia do professor; o currículo como resultados pretendidos de aprendizagem; o currículo como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; o currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas – como é o caso da formação profissional-; o currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da mesma. (SACRISTÁN, 2000, p.14)

Decorrem dessa intenção de conceituar currículo, algumas outras questões que também, notadamente, acompanham os pesquisadores do assunto: para que serve o currículo? A quem serve? Que tipo de indivíduo forma?

Outra definição de currículo encontro em Veiga Neto (1997, p. 60) , parafraseando Williams: “a porção da cultura – em termos de conteúdos e práticas (de ensino, de avaliação, etc.) – que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é trazida para a escola, ou seja, é escolarizada.” Ao ser escolarizada, essa “porção da cultura”, que é uma seleção de saberes a serem ensinados, que são organizados, “forma” um determinado tipo de sujeito/indivíduo. Essa seleção de saberes organizados que deve compor um currículo suscita algumas questões:

[...] o que eles ou elas devem saber? Qual conhecimento ou saber é considerado importante ou válido ou essencial para merecer se considerado parte do currículo? [...] o que eles ou elas devem se tornar? [...] Por que esse conhecimento e não outro? (SILVA, 2000, p. 14-16)

A tarefa de conceituar currículo, a levar em conta todas essas questões, é complicada, dado o significado social e político desse “documento”, na acepção que lhe atribui Silva (2000). Segundo o autor, além de constituir uma orientação pedagógica sobre o conhecimento a ser desenvolvido na escola, veicula um discurso político que pressupõe um projeto de futuro para a sociedade que o produz. Além disso, para Silva (2000, p.12): “um discurso sobre currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo ‘tal como ele realmente é’, o que efetivamente faz é

96

produzir uma noção particular de currículo. A suposta descrição é, efetivamente, uma criação”. Sendo assim, na visão de Silva (2000), não se pode considerar currículo apenas um conjunto de objetivos, métodos e conteúdos necessários para o desenvolvimento dos saberes escolares, mas muito mais que a simples descrição, a construção de uma identidade. Forma-se a identidade do aluno, da escola, da sociedade, do professor.

Em obra já citada, A Formação Inicial e Continuada de Professores de Química: Professores/Pesquisadores, Maldaner (2003) analisa, profundamente e sob muitos aspectos, o significado formativo da produção de um programa de ensino da disciplina de Química para os anos finais da Educação Básica. Esse é o objeto da pesquisa publicada no livro, em outra circunstância mencionado neste trabalho, porém, ao convidar as professoras pesquisadas a elaborarem um programa de ensino, paralelamente as ajuda a produzirem currículo de maneira intencional e explícita. Mesmo que não tivessem consciência disso, as professoras o fazem, constroem currículo, na mais exemplar acepção da expressão. Na visão de Silva (2000) atribuíram uma identidade ao programa de ensino de Química.

O Folhas, tomado como proposta de formação de professores, promove, a partir da participação do professor na produção do seu texto, construção e desenvolvimento de currículo. Depois, na veiculação desse material entre os validadores e expansão dela pela rede de computadores, um currículo possível toma corpo. O professor não produz currículo só para ele. Agora, no contexto do Projeto, quem atribui identidade ao currículo é ele, professor, uma prerrogativa interessante do ponto de vista pedagógico, pois dessa forma está “contribuindo para superar soluções técnicas ou as soluções produzidas fora do contexto de sua aplicação, que mais criam problemas do que os resolvem em situações concretas”. (MALDANER, 2007, p. 226)

O professor, em situação concreta, é quem protagoniza a produção do currículo pela via do Projeto, não aplica um currículo produzido por outros ou segue orientação curricular contida em normas legais, que como afirma o autor logo acima citado (MALDANER, 2007), supõem todos os desafios resolvidos à custa da execução estrita das suas prescrições.

Em se tratando, especificamente, dos conteúdos que compõem o currículo, pode-se dizer que uma uniformidade quer ser instalada a partir desses documentos, o que é louvável de um lado, pois, por lei, assegura aos alunos igualdade de acesso

97

aos conhecimentos importantes em cada área de conhecimento, mas, de outro, restringe a liberdade de escolha do professor, que fica preso às seqüências, listas de conteúdos específicos, sempre firmadas em todos os lugares onde o currículo é escrito: livros didáticos, planos de trabalho docente, documentos de orientação curricular em diferentes âmbitos, etc.

O Folhas, nesse particular, permite ao professor-autor, na produção, constituir currículo, quer dizer à medida que vai optando por um ou outro conceito a ser explorado no texto, desenvolvendo-o à sua maneira, romper com aquelas seqüências mencionadas, estabelecendo as suas relações entre os conteúdos e conceitos. Isso constitui fator que contribui para a formação.

Uma amostra dessa potencialidade do Folhas pode ser evidenciada na seguinte fala do Professor João, em que expressa os motivos pelos quais aderiu ao Projeto :

[...] E o segundo aspecto foi realmente fazer algo diferente. (JOÃO – 23) Diferente em que sentido? (BELMAYR)

De escrever, formular conceitos, de procurar um, novos aspectos dos conceitos [...]

(JOÃO – 24)

Por este pequeno trecho, extraído da entrevista do Professor, entendo que ele nota a possibilidade que o Folhas lhe concede de, primeiramente, escolher o conteúdo que quer trabalhar, e, depois, desenvolver o conceito ou os conceitos explicitados por aquele conteúdo, da forma que considera apropriada.

Ao pensar num número elevado de Folhas de determinado conteúdo, explorando de maneiras diversas um mesmo conceito, arrisco dizer que esse fato, como que autoriza, ao longo do tempo, aquele conteúdo, a concorrer para integrar o currículo. Dessa forma, também o professor coloca-se, pelo Projeto, como produtor de currículo e não simples aplicador dele.