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Da relação interativa entre professores, no processo de validação,

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.3 FOLHAS E INTERAÇÃO

4.3.1 Da relação interativa entre professores, no processo de validação,

A etapa de validação do Projeto já foi detalhadamente apresentada anteriormente neste trabalho, do ponto de vista formal, ou seja, foi explicado como ela ocorre na escola primeiramente, no NRE e depois no DEB, nestas duas últimas instâncias também pelo Sistema Folhas. Essa etapa e a produção do texto escrito do Folhas constituem os dois núcleos do Projeto. Têm suas peculiaridades, acontecem cada uma ao seu tempo, mas, em conjunto, vão configurar o Folhas como proposta de formação continuada de professores. A validação não existiria sem a produção, não haveria o que validar evidentemente, e a produção sem validação cairia num vazio de formação. A produção caracteriza formação, como já discutido na Categoria 2. No Projeto, o processo formativo não se encerra na etapa da produção, ele tem continuidade na etapa da validação, porém com outras características. Nela, o professor-autor, além de exercitar a argumentação na defesa do seu texto, o reformula, isto é, continua o exercício de produção, agora acrescido das orientações sugeridas pelo validador, incorporando-as ao seu Folhas. Esse

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movimento de ir e vir do Folhas, do autor para o validador da disciplina, volta para o autor, reformulação pelo autor, nova validação, agora com o colega de uma das disciplinas da relação interdisciplinar, nova reformulação pelo autor, outra validação, dessa vez com o colega da disciplina da outra relação interdisciplinar, conduz o processo de formação na etapa da validação na escola. A validação, nesse momento, é presencial, face a face, então não há limite de vezes em que o professor-autor e validador trocam o Folhas em validação. A validação segue no NRE e por último no DEB, onde o autor pode ainda reformular por duas vezes seu Folhas, até que, ao final, possa ser publicado no Portal Dia a Dia Educação. Nesses dois momentos de validação, ela ocorre via Sistema Folhas.

Um ponto que merece atenção, antes de passar à análise da proposição, é o significado da palavra “validação”. Ela incorporou, no contexto do Projeto, e para os técnicos-pedagógicos do DEB, o significado de orientação e colaboração, além do dicionarizado. Validar, para os técnicos-pedagógicos do Departamento assumiu o sentido dado pelo contexto do Folhas, além de um processo que torna válido com correção ou concordância, o sentido de colaboração e de orientação.

Diante dessas considerações iniciais, passo à discussão da validação como processo essencialmente interativo e, por sê-lo, constituir os sujeitos envolvidos e formá-los.

Para introduzir essa proposição, aponto os desequilíbrios existentes entre a validação vista pelos técnicos pedagógicos do DEB, pelos professores-autores e pelos professores validadores de Folhas, no que diz respeito ao seu conceito. Como citei dois parágrafos antes, o conceito de validação no contexto do Projeto incorpora outros dois: colaboração e orientação. Essa incorporação reveste o processo de outras características importantes e que somam no processo formativo via Projeto. Os técnicos-pedagógicos do DEB tratam a validação antes como um processo de orientação e colaboração, que como um processo de avaliação, aprovação ou não do que foi escrito. O Folhas validado, dentro de todas as condições do processo de validação, acabará por ser publicado. Os técnicos-pedagógicos do DEB não tratam simplesmente de aprovar ou reprovar o Folhas. Tendo em vista a formação pelo Folhas, os técnicos-pedagógicos do DEB consideram que o processo todo de desenvolvimento da validação tem maior importância que a validação visando somente à publicação. Não julgam bom ou ruim um Folhas, sob quaisquer critérios, somente o fazem sob os critérios do Manual. Um Folhas será publicado se for

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escrito dentro das condições que constam do Manual de Produção. É de suma importância que os outros validadores, seja na escola, no NRE, também considerem a validação desse modo, isto é, dêem a importância devida ao processo de validação, não supervalorizando a publicação, porque do contrário, o professor- autor, ao ver seu Folhas “julgado”, muito provavelmente vai abandoná-lo já depois da primeira validação. Como já expus, o professor da Rede Estadual, via de regra, não tem oportunidade de produzir escritos da natureza do Folhas, os quais, sob um olhar apurado, expressam sua prática pedagógica. Ele também não está habituado a ter o seu fazer pedagógico apreciado de outras maneiras. Isso o coloca numa posição desconfortável, suscetível quando o seu Folhas é submetido à crítica no/pelo processo de validação. Os cinco professores entrevistados demonstram, em situações e de maneiras diferentes, seu desagrado pela crítica à sua produção, uns mais veladamente que outros.

O professor Marcos pondera sobre a validação, fala da posição de validador, pois já validou Folhas, e em seguida expõe sua opinião:

Eu já vi muitas pessoas que vieram comentar “ah se eu o meu Folhas fosse validado, o meu..e falassem que não estava bom, nunca mais eu iria, eu iria fazer um Folhas na minha vida”. Várias pessoas já.., mas não. “Não, eles [DEB] querem muita coisa!”, e não, não é assim também... Eu tentei incentivar. Então, eu vejo que as pessoas acabam não aceitando a critica. Então, a validação, realmente, hoje eu entendo que a validação é importante, e ela te criticar, se não, não vai te ajudar em nada. Então, realmente é preciso ter a critica. Mas a gente não gosta. Pessoalmente, como eu

falei pra você, quando eu vi, o parecer lá do meu Folhas, as pessoas que leram tinham colocado que não era pra ir pra publicação. Eu fiquei meio arrasado. (MARCOS - 85)

Ana, ao falar sobre sua dificuldade em compreender o que era o Folhas, quando foi apresentada a ele, juntamente com outros professores, se manifesta assim:

E aí fomos ter aquela reunião com você. Você foi muito polida.... Está bom. Mas não é bem isso que é o Folhas... Nossa, mas foi doído, muito doído. [...] Então aquelas orientações que vocês passaram pra nós, naquela primeira reunião, teria sido muito válido se nós tivéssemos feito....um tipo de oficina, sabe. E aí sim, porque a partir daí, que eu fui entender realmente o que eu tinha que fazer. O que era o Folhas... (ANA -

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Argumento que a validação, para o professor-autor, é também escrever de um jeito, depois escrever de outro. Ana concorda e complementa:

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Foi doído, porque eu achei que estava muito dez. Não, está muito bom, mas não é

isso exatamente que é o Folhas. Mas aí vocês foram falando, foram mostrando e depois eu fui entendendo... e disse, não, mas elas realmente têm razão, porque o conteúdo [...] que eu ia trabalhar, é...não estamos...com aquilo que tinha feito. Eu tinha feito [trazido para o texto] uma receita, e da receita eu estava trabalhando, o que era ácido e base. Mas, eu estava trabalhando, por exemplo, com o fermento, que é o bicarbonato de sódio...e, mas eu não consegui encaixar a teoria ácido-base ali dentro...trabalhar com a fruta, a farinha, estava indo mais pro lado dos compostos orgânicos. Não estava indo pro conteúdo que eu tinha que trabalhar [para responder o problema]. [...] Daí eu reformulei e passei a ver, bom, eu vou trabalhar com esse conteúdo, então assim, eu posso trabalhar dessa maneira. Então eu posso encaixar, aí foi, depois a dor passou.(ANA – 85 - 86)

João aceita as críticas, as considera pertinentes, mas ressalva que devem vir de um validador que conheça o Folhas e modifica o texto escrito em nome delas, como diz:

Como eu falei, se a pessoa está por dentro do Folhas, se ela fizer criticas, e você observar e olhar o seu Folhas e realmente ver que aquelas criticas são validas, você não tem porque ter alguma coisa, algum outro sentimento em relação a pessoa. Se você aceitou seriamente e você observou que estava, que poderia ser mudado mesmo. Agora, muitas vezes quando é uma pessoa que faz a critica e você vê que não tem fundamento, você não aceita. Isso já aconteceu comigo, comigo, e com meus colegas também. Muitas coisas realmente, quando voltaram os meus Folhas, eu aceitei, eu observei que era verdade. Só que em outros aspectos... (JOÃO - 82)

A Professora Elisa, no item de fala 7, apesar de manifestar sua opinião em desagrado à crítica, a toma como um desafio, e parece não dar importância exagerada a ela, o que é possível notar pela sua fala: “Daí eu apostei nisso, falei

assim, eu vou escrever, mas o que vou receber de crítica nesse sentido!” (ELISA, 7)

Ela supõe que irá receber críticas sobre a linguagem na qual vai escrever o seu Folhas, como se pode constatar ao lermos na íntegra o item de fala 7 da Professora, que se encontra no arquivo pessoal da pesquisadora.

Roberta, ao comentar sobre o cuidado que os validadores devem ter ao escrever o Parecer de Validação, também expressa seu sentimento com relação às críticas que o seu Folhas recebeu quando da validação: “Poucos professores

escrevem, não têm costume de escrever e a hora que vão comentar alguma coisa acabam magoando até. Agora, como para mim, eu sendo avaliada, eu acho assim, a cicatriz de mágoa já passou ” (ROBERTA, 16). Nesta última frase, interpreto que a

professora quer dizer que a mágoa que a crítica lhe causou, passou, cicatrizou. Posso refletir sobre a razão desses sentimentos representados nas falas dos professores, ao verem seus Folhas em validação, com base em situações

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avaliativas vividas no tempo em que ainda eram estudantes. Certamente viveram processos de avaliação marcados pela ênfase em critérios classificatórios para a promoção dos alunos. Avaliação essa que, além de classificatória, assumia caráter apropriado e definido pelo adjetivo “ferreteadora”, usado por Chassot, (1995, p. 138), para mim emblemático e inesquecível. Por isso, penso que esses professores carregam consigo a marca dessa concepção de avaliação, que ainda hoje é preponderante na escola.

Os sentimentos expressos pelos professores entrevistados são, de certa forma, inerentes a um processo avaliativo na relação pedagógica professor-aluno, mas no caso de um processo formativo como o Folhas, podem vir a atrapalhá-lo, desfigurá-lo e prejudicá-lo.

De fato, os sentimentos desgosto, “dor”, desconfiança, mágoa, provocação, que a validação inspira nos professores-autores entrevistados, a configura como momento-situação impregnado de interação entre os sujeitos envolvidos no processo.

Contudo, o processo de validação é parte de um processo formativo de professores, considerados profissionais no contexto do Projeto. Assim sendo, esses sentimentos não cabem no processo, devem ser superados e substituídos por outros mais próprios de uma relação entre profissionais.

Daí a necessidade de prescrever certos procedimentos relativos à validação, como a sua vinculação direta e restrita aos princípios descritos no Manual de Produção e, anteriormente, ao Roteiro de Validação, para evitar essas alterações que podem desvirtuar a validação no processo Folhas.

Uma situação que ilustra muito bem as distorções às quais faço referência acima, e corrobora a necessidade de o processo de validação ser orientado, encontro na fala do Professor João. Para retratá-la, transcrevo um longo trecho da sua entrevista, em seqüência, sem as minhas intervenções:

Já um aspecto negativo do Folhas que eu acho, é quando você faz um Folhas e muitas vezes, [...] ele deve passar por várias pessoas para aprovação, e muitas dessas pessoas...acho que não estão bem preparadas para avaliar um Folhas. Está faltando critérios desde cima até embaixo. E, eu vejo material bom, muitos bons Folhas, que não foram aprovados, coisas muito boas, isso constitui até.... pena, porque todo mundo sai perdendo. (JOÃO - 45)

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O exemplo é de um Folhas que eu auxiliei, muito bom, sobre, falava sobre encurtamento muscular, de Educação Física, alicerçado à Química e tal, contextualizado. Mas eu vi aquilo lá cheio de observações que eu particularmente não concordei. Acho que eu tive esse problema de encurtamento muscular. E graças, e por causa disso, por esse Folhas, por estar me envolvendo nesse Folhas que eu procurei, acertei e quase consegui resolver esse problema particular meu. (JOÃO -

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Por causa desse Folhas. (JOÃO - 48)

Desconhecia, e daí por causa de um Folhas... e esse Folhas não foi aprovado. Acho assim, peca muito em relação a isso. (JOÃO - 49)

Neste caso, noto que o Professor lamenta o Folhas não validado por tratar-se de um Folhas que proporciona esclarecimento ao leitor sobre o problema físico de encurtamento muscular, ajudado pela sua própria condição de ter tido este problema físico na adolescência. Mas, lembro que isso não é critério para validar o Folhas em questão, apesar de configurar uma finalidade social, indiscutivelmente elogiável dele. Critérios como este, isoladamente, não considerados outros mais relevantes, que dizem respeito ao formato e também ao que dizem as Diretrizes Curriculares das outras disciplinas envolvidas na relação interdisciplinar, não podem se constituir razão para validar ou invalidar um Folhas.

Outra situação, em que noto uma distorção na forma de encarar a validação, evidencio na fala da Professora Roberta, quando lhe pergunto se prefere a posição de “validada” ou de validadora: É mais confortável [a posição de “validada”] e você

não cria inimizade. (ROBERTA, 17). Nem a preocupação da Professora em criar

inimizades e nem as possíveis inimizades devem compor o quadro de uma validação de Folhas. É necessário que a relação entre os dois professores que participam do processo seja estritamente profissional, isto é, quando da validação as argumentações não podem levar em conta a relação de amizade. O validador, que é também um professor, e também professor-autor de Folhas em outro momento, não pode ser benevolente na validação em nome da amizade. As argumentações não podem ser levadas para o lado pessoal, como se diz. Da sua parte, o professor- autor precisa encarar as críticas sobre o seu texto dirigidas somente ao conteúdo do Folhas e, o validador, por sua vez, não pode deixar por menos, tem de apontar o que considera equivocado em termos conceituais, inadequado do ponto de vista do formato do Folhas, inapropriado quanto à uma abordagem pedagógica particular. O validador estaria sendo condescendente e enganando o seu colega, se assim não o fizesse.

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Igualmente, não se pode admitir, no processo, que em nome de uma inimizade, o professor-validador seja tendencioso na validação e com isso prejudique o professor-autor. Tendo em suas mãos, para validar, um Folhas com todos os requisitos bem explorados, de acordo com o Manual de Produção, elabore um parecer invalidando-o. Essa segunda situação é potencialmente mais rara de acontecer, pois o professor-autor dificilmente convidaria um professor que, segundo sua suposição, não aceitasse ser validador do seu Folhas por diferentes motivos. E, mesmo que uma situação dessas ocorresse, seria pouco provável que o convidado aceitasse ser validador.

O validador também precisa indicar caminhos para o professor-autor trilhar, ao apontar os equívocos conceituais, o formato inadequado ao Folhas, a abordagem pedagógica inapropriada, para citar três motivos pelos quais um Folhas pode ser invalidado. Nessa ação de apontar caminhos, se encontra o processo formativo do validador que, em diálogo com o professor-autor, argumenta, sugere, pergunta, alega, replica, cede, especula, justifica, concorda, discorda, demonstra, sinaliza, concilia. Enfim, acima e em cima de todas essas ações, os dois, professor-autor e professor-validador, refletem sobre o que está sendo discutido. Sem dúvida, um exemplar processo formativo sob dois aspectos, considerando a reflexão sobre a reflexão na ação, no contexto das idéias de Schön e considerando o conceito de significação para Vigotski, dois teóricos discutidos amplamente no Capítulo II.

4.3.2 O espaço pedagógico da escola é ambiente privilegiado de formação