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O professor que participa do Projeto Folhas vivencia um processo de

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.2 FOLHAS E PRODUÇÃO

4.2.4 O professor que participa do Projeto Folhas vivencia um processo de

Antes de proceder à análise da proposição, propriamente, entendo ser necessário retomar alguns pontos polêmicos, mas, também esclarecedores sobre o conceito de pesquisa.

Encontro em Beillerot (2006) algumas indicações bem importantes sobre o que é pesquisa. Inicia sua minuciosa análise estabelecendo o lugar comum da noção do termo,

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[...] é, ‘simplesmente’ aquele do esforço por encontrar um objeto, uma informação ou um conhecimento. [...] Trata-se de um esforço mental assim como de um esforço de ações, significando com isso que se exclui da pesquisa aquilo que é encontrado por acaso ou por intuição: nem toda descoberta poderá ser relacionada com a pesquisa. (BEILLEROT, 2006, p. 72)

O mesmo autor (2006) afirma que a noção de pesquisa “científica” é recente e que assim adjetivada, especifica uma pesquisa dentre outras. Cita as universidades como local onde co-habitam pesquisas de diferentes naturezas, no que se refere às pesquisas “científicas”. E passa a diferenciar o “estar em pesquisa” do “fazer pesquisa”. Como a expressão denota, “estar em pesquisa” indica um estado, e para Beillerot (2006) se aproxima de um trabalho reflexivo, que toda pessoa realiza, sobre as dificuldades que encontra tanto na sua vida pessoal quanto social. Agora, fazer pesquisa, para ele, impõe outros procedimentos, como “encontrar meios para uma objetivação de questões e de preocupações para poder estudá-las.” (BEILLEROT, p.73) Segue apresentando critérios mínimos para que um procedimento seja considerado pesquisa, com base no que concordam os autores de vasta literatura por ele consultada. De início, apresenta três condições mínimas que identificam uma pesquisa: i) que produza conhecimentos novos; ii) que seja conduzida com rigor de encaminhamento e iii) que os seus resultados sejam comunicados. Na seqüência, apresenta três outros critérios: iv) se relaciona à possibilidade da pesquisa introduzir uma dimensão crítica e reflexiva sobre suas fontes, seus métodos e seus modos de trabalho; v) é relativo à sistematização na produção dos dados; vi) a presença de interpretações enunciadas conforme teorias reconhecidas e atuais que contribuem para permitir a elaboração de uma problemática. Ilustra com exemplos de pesquisas que se enquadram e não se enquadram em todas as regras ou somente em algumas, e explica o que as desqualificam. Argumenta que não se pode desqualificar uma pesquisa porque não se enquadra em todos os critérios, mas também não se pode qualificá-la se não seguir os três primeiros critérios.

Minha intenção, ao mencionar os seis critérios estudados por Beillerot, não é enquadrar o Folhas neles, cotejar ponto a ponto o Projeto com os parâmetros de definição do autor - isso poderia ser objeto de outra pesquisa - porém a sistematização dos critérios feita por ele me auxilia a problematizar a proposição que enunciei e então passar à sua análise. Irei valer-me de algumas aproximações ao padrão exposto para defender o processo Folhas, vivido pelo professor-autor como processo de pesquisa.

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Uma questão inicial, a ser levantada, que não diz respeito diretamente ao estudo realizado por Beillerot, é a relativa à pesquisa, tomada como busca às fontes de consulta para a produção do Folhas, realizada pelo professor-autor. Vislumbrando a temática do seu Folhas, ele pensa sobre o que precisa para desenvolver o seu texto e se põe a procurar, nas fontes, as informações. Nessa ação, que à primeira vista parece banal, o professor-autor seleciona a fonte a ser pesquisada, delibera sobre o que é necessário ou não, adequado ou não, para o encaminhamento que pretende dar ao Folhas. E, hoje em dia, as fontes de informação são inúmeras e estão muito mais acessíveis aos professores em geral.

O contato com textos outros, que não os seus habituais, a necessária leitura deles para referenciar seu Folhas são, sem dúvida, ocasião real de estudo e desenvolvimento do professor-autor.

Na seguinte fala da Professora Roberta, é notável o seu processo de consulta às fontes de informação para a produção do Folhas:

Eu já tinha uma leitura feita dos artigos da Química Nova na Escola, já tinha um trabalho em cima disso. Diante da Química Nova na Escola, Super Interessante, alguns livros de Química Orgânica, Físico Química, então... Eu comecei com Físico Química e Química Orgânica para depois fazer as leituras na área de Biologia e em livros específicos também da Bioquímica e Educação Física para os exercícios [físicos], para ver a quantidade de calorias liberadas e depois eu fui para a escrita, mas primeiro mesmo eu parti dos artigos de revistas e periódicos. (ROBERTA - 3)

A professora demonstra empenho na realização da busca de informações nas fontes, devido à diversidade e quantidade de fontes pesquisadas. Igualmente a sua maneira de conduzir o processo de busca das informações se reveste de uma outra característica que é alternar momentos de escrever e de procurar, num processo preliminar de diálogo com os autores escolhidos.

Porque foi assim, eu fiz várias leituras e fui anotando o que mais me chamou a atenção e dessas anotações eu comecei escrever. E então tinha momentos que rendia bastante, escrevia bem, muitos outros momentos que ficava parada e voltava às leituras novamente, para jornais, revistas. (ROBERTA - 4)

Essa professora, em particular, já tinha, antes de conhecer e produzir um Folhas, uma postura própria de abordar os conteúdos da Química nas suas aulas. Já adotava uma atitude investigativa em suas aulas, como se pode deduzir das suas palavras:

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Eu preparava as aulas diante das questões que eu levantava com os alunos. Através de questionamentos com o conteúdo eu via os conceitos que eles tinham, na linguagem deles e através daquela linguagem eu elaborava os conceitos daquela aula teórica ou prática mesmo ou partia duma prática e ia para os conceitos teóricos, mas primeiro usando a linguagem deles. Depois eu, com o tempo, produção de textos, cruzadinhas e gibis, aí eu procurava atualizar, atualizar não, modificar a linguagem comum, coloquial, com a linguagem mais elaborada. Mas isso é por causa de um processo, do grupo de estudo lá da universidade que a gente tem há anos. A gente já tinha esse costume. (ROBERTA - 5)

Assim, deduzo que a produção dos seus Folhas pode ter sido mais fácil do que seria para outro professor que não tivesse tido a sua experiência com pesquisa, ainda que difusa.

A professora Roberta se encontra num local privilegiado com relação ao acesso a informações, discussões e pesquisas de Química e de ensino de Química, como se pode notar pelo seu depoimento na fala 5, acima. Porém, todos os outros professores do Estado, e em especial os que participam do Projeto, podem contar com as Bibliotecas das escolas, já mencionadas, com acesso à rede internet também pelas escolas onde atuam e com o Portal Dia a Dia Educação. Além dessas fontes de pesquisa, contam com os exemplares da Coleção Explorando o Ensino, distribuídos pelo MEC às 32 sedes dos NRE do Paraná. Da coleção, dois volumes são destinados à Química.

Retomando os três primeiros critérios estabelecidos por Beillerot, estes sim necessários e suficientes para a pesquisa, de acordo com o autor, passo a examinar o Folhas sob a sua luz.

Escolho a ordem inversa. Inicio pelo terceiro critério que autoriza a pesquisa, o qual, de início, me parece mais próximo do Folhas, se considerar semelhanças. Esse critério trata do respaldo dado à pesquisa pela sua comunicação. Para Beillerot (2006, p. 75) “não haveria pesquisa caso não houvesse o objetivo de comunicar, de uma maneira ou de outra, os resultados daquilo que se encontrou”.

O objetivo primeiro da comunicação da pesquisa seria socializar os resultados encontrados.

Para o Folhas, a comunicação referida seria análoga à publicação na rede internet, via Portal Dia a Dia Educação, ao qual todos os professores estaduais têm acesso, depois de esgotadas as etapas de validação e o Folhas ser publicado. Os professores-autores têm, naturalmente, o objetivo de comunicar a sua produção, afinal, quem escreve, o faz para que a leiam, quem produz um Folhas, quer que o

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seu Folhas seja lido. Têm, além disso, o desejo que o seu Folhas seja publicado, como posso entrever na fala de Marcos.

Eu tinha aquela esperança, “puxa eu podia publicar!”. Eu podia publicar, eu tinha aquela esperança assim. Não estava tão ruim assim. Eu sei que não estava no formato ideal. Mas também não estava tão ruim assim. (MARCOS - 65)

E é objetivo do Projeto que um bom número de produções seja publicado, circule no Sistema Folhas e que elas sejam acessadas pelos professores, respeitadas as restrições do formato, para garantir que o texto produzido e consultado seja de fato um Folhas. Decorre, daí, uma grande importância reservada à validação no processo Folhas, já mencionada antes e que certamente será abordada novamente adiante neste trabalho.

O componente crítico da pesquisa, fundamental para que seja justificada como tal, deriva do terceiro critério. No que diz respeito ao Folhas, esse componente está evidente no processo de validação, desde quando é deflagrado, quando da validação entre os colegas na escola, continua presente e notável no desenvolvimento das etapas de validação até a última delas, que acontece no DEB. Pela validação, o professor-autor submete seu texto à crítica do colega validador já na escola, depois aos colegas dos NRE e por fim aos colegas no DEB, como já comentado anteriormente nesta dissertação. Há, ainda, à disposição do professor que acessar um Folhas do Sistema, um espaço para inserir seus comentários que pode ser usado para sugestões de outros encaminhamentos para aquele texto, sanar dúvidas, para críticas, para questionamentos sobre a temática. Se usado intensamente pelos professores, o espaço dos comentários configura uma rede de informações sobre os múltiplos aspectos dos Folhas e amplifica a participação e discussão dos professores. Assim, os professores têm ao seu dispor mais uma fonte de pesquisa para a atividade pedagógica e mais um canal de comunicação com os colegas, ainda que indireta.

Seguindo a minha análise, passo ao segundo critério adotado por Beillerot (2006, p.74) para legitimar a pesquisa, qual seja a necessidade de um método para pesquisar e que ela tenha um encaminhamento rigoroso.

A palavra rigor sugere exatidão, precisão, rigidez. Palavras que adjetivam o formato do Folhas. O formato do texto é prescrito no Projeto. O professor-autor não pode escrever um texto que tenha outras particularidades. Por isso, para produzi-lo,

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o professor-autor deve seguir as orientações ditadas no Manual de Produção. Algumas delas já comentadas anteriormente neste trabalho.

As determinações quanto ao formato vão regular a maneira como o professor- autor desenvolve o texto escrito sobre o conteúdo químico escolhido para o Folhas. O formato como que condiciona o conteúdo, palavra aqui considerada o duplo contrário à forma, no sentido de lhe estruturar o desenvolvimento.

Agora, a maneira como o professor-autor vai olhar o seu objeto de estudo no Folhas (conceito químico, no caso), fica a seu critério, ou seja, como vai problematizá-lo, como vai se aproximar dele, como vai pesquisá-lo, enfim. Esse estudo não vai prescindir de um método ou uns métodos combinados. O professor- autor pode servir-se do método de análise, de síntese, de comparação, ir do particular para o geral e fazer o movimento inverso, ao desenvolver o conceito escolhido para o Folhas.

No Folhas escrito por mim, para exemplificar, trato, entre outros pontos, de como a estrutura microscópica dos materiais influencia as suas propriedades macroscópicas. Em dado momento do texto, faço uma comparação entre os fenômenos da cristalização e da vitrificação para compreender o que está em jogo nas estruturas do cristal e do vidro e as suas características. Utilizo o método comparativo para desenvolver o conceito de cristalização e de vitrificação, e também relacioná-los às propriedades dos dois materiais.

Não que o formato garanta que o professor-autor, ao se debruçar sobre seu objeto de estudo, o explore com o rigor metódico exigido nas pesquisas convencionais, quer as da ciência química, quer as do seu ensino, mas ele assegura relativa disciplina ao processo de pesquisa instaurado na produção do Folhas. Ele certamente vai possibilitar a superação entre o “saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos”, nas palavras de Freire (2005, p.31)

Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se aproximando-se

de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. FREIRE (2005, p.31) [grifo meu]

Em outros termos, ele afirma que o desejo ingênuo de conhecer um objeto é superado pelo conhecer com método e com base epistemológica. Também aí reside

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o processo formativo do professor-autor de Folhas. No Folhas, o professor-autor desenvolve metodicamente o conteúdo químico escolhido. E quando desenvolve o conceito ao seu modo, estabelecendo as próprias relações conceituais, inescapavelmente está vivenciando um processo que, além de formá-lo, constituí-lo pesquisador dos conhecimentos da Química, contribuirá para a sua formação de professor de Química.

O primeiro critério instituído por Beillerot, que autoriza uma pesquisa, é a construção de conhecimentos novos. Este, dentre os dois outros, é considerado pelo autor o mais difícil de ser cumprido (2006, p.74). Beillerot considera novo, nesse seu escrito, um conhecimento que é “admitido como tal pela comunidade mais autorizada para sustentar um julgamento desse tipo”.

A afirmação de Beillerot me leva a supor que, para o Folhas e a pesquisa que ele envolve, o conhecimento a ser adjetivado como novo é prioritariamente o “conhecimento de professor”, pois a comunidade que o admitirá novo, ao descobri-lo e apropriar-se dele, é a de professores, sejam colegas de escola, validadores na escola, nos NRE e do DEB, professores leitores dos Folhas, no LDP ou no Portal Dia-a-Dia Educação. Conhecimento de professor, que engloba os saberes da ciência de referência a qual lhe serve de base e os saberes do seu ensino. O “conhecimento de professor”, de Química, aqui em particular, a que me refiro, é o conhecimento desenvolvido quando da produção do Folhas, quando o professor- autor articula os conceitos químicos ali abordados ao sistema mais amplo de conceitos químicos e o faz tendo em vista uma relação pedagógica. Reafirmo que esta é assegurada pelo formato prescrito pelo texto, principalmente quando exige que seja escrito em interlocução com o aluno.

Diante disso, algumas questões encaminham minha análise: o Folhas produz conhecimentos novos? O professor-autor de Folhas produz conhecimentos novos? Se sim, em que momentos produz conhecimentos novos? Da resposta a elas, decorre a classificação do Folhas quanto a natureza relacionada à pesquisa ou não, ainda de acordo com Beillerot (2006, p. 74).

Entendo que já pelo caminho da problematização, isto é, quando, a partir da formulação do problema do seu Folhas o professor-autor, ao mesmo tempo, vislumbra possibilidades de encaminhamento para ele. Precisamente nessa ação estará produzindo conhecimento de professor inédito. Este pode ser até mesmo

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inédito para si, mas será julgado novo ou não, afirmo, com base novamente em Beillerot (2006, p. 74), pela comunidade de professores leitores daquele Folhas.

O professor-autor também estará produzindo conhecimento novo quando, ao formular o problema, o faz de modo a “fisgar” o aluno para a leitura do seu Folhas. O leitor, o aluno, se sentirá fisgado para a leitura do Folhas na medida em que o problema lhe disser respeito, fizer parte do seu dia a dia, constituir seu interesse. Essa outra relação contextual, quer dizer a recontextualização do conceito trabalhado no Folhas, pode ser inédita também.

Mais do que produção de conhecimentos novos, ou de outro modo, conhecimentos novos produzidos, no Folhas tem-se “conhecimento em construção”, expressão que empresto de Soares, (2006, p. 94). E afirmo que importa mais o professor-autor de Folhas vivenciar processos de produção de conhecimento que produzir conhecimentos novos, para efeito de sua formação.

Professor João percebe que pode participar de processos de produção de conhecimento com a autoria de Folhas e sua aplicação e manifesta sua satisfação ao viver essa experiência:

É como eu falei pra você, acho que em todas as matérias tem que procurar resgatar o prazer, o lado prazeroso de você estar em uma sala de aula, de você fazer algo diferente, que você está se reconstruindo dia após dia. Isso realmente o Folhas possibilita. Possibilita que você, você construa o conhecimento [químico] de várias maneiras, todo o dia, toda, toda a sua aula pode ser construída. O conhecimento da forma que você achar mais interessante. (JOÃO - 57)

Diria que, mais do que produzir conhecimentos novos e vivenciar processos de produção de conhecimentos, é a consciência da outra ou da nova compreensão que o professor-autor terá do seu objeto de estudo que provoca maior satisfação.

O professor-autor, pelo Projeto, vivencia processos de produção de conhecimento na produção do Folhas, como já discuti, e na validação, como irei discutir, na seqüência.

Apesar do Folhas aproximar-se dos três critérios suficientes e necessários para a pesquisa, o que mais o autoriza, a meu ver, se constituir ação de pesquisa é justamente o fato de que o professor escreve tendo como interlocutor o aluno, se coloca como aluno, assume o papel dele. Nessa inversão de papéis reside, também, a atitude investigativa do professor. O professor, como investigador, busca

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caminhos, indicações de como vai ensinar tal conceito, como vai expressar na escrita o desenvolvimento do conceito escolhido para trabalhar no texto, mas também tem de supor como o aluno pode aprender. Assim, ao tomar distância do seu objeto de estudo, olhá-lo de duas posições, da posição do professor e da posição do aluno, na produção do Folhas, o professor-autor não faz pesquisa nos padrões convencionais, mas exercita pesquisa, se coloca em atitude de pesquisador da situação de ensinar e da situação de aprender.

O exercício exemplar de pesquisa do professor-autor acontece quando o professor-autor coloca em ação o seu Folhas em aula, na medida em que o acompanha a aprendizagem e o desenvolvimento do seu aluno, quando observa porque ele apresenta dificuldade ou facilidade num ponto e noutro não. O professor- autor pode muito bem dar sua aula com o apoio do próprio Folhas produzido. Isso coroaria o processo, pois ele poderia pesquisar como seus alunos aprendem com o seu Folhas. Esse professor estaria efetivamente pesquisando sua própria prática, expressa pelo texto do seu Folhas.