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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

1.2 Histórico

1.2.1 Aparecimento no direito brasileiro e o problema de sua aplicação nos casos de

No Brasil, embora a doutrina trate do assunto há um considerável tempo, a revisão contratual por fato superveniente nunca foi bem recepcionada pela legislação, e menos ainda pela jurisprudência, nem mesmo na forma de teoria da imprevisão, modo mais restrito de aplicação da cláusula rebus sic stantibus.

Quanto aos estudiosos, alguns autores atribuem a um Parecer de 25 de setembro de 1919, de José Castro Magalhães, a primeira aparição da cláusula rebus sic stantibus no Brasil. No entanto, este texto a criticava.239 Jair Lins é considerado o primeiro defensor, pois em artigo de fevereiro de 1923, baseado no artigo 85 do CC/1916, diz que a parte de um contrato não admite toda e qualquer álea, especialmente se sua admissão caracterizar um “suicídio econômico”240. Foi seguido por Arnoldo Medeiros da Fonseca, cuja primeira publicação remonta a 1932241, reeditada com algumas modificações em 1943. No mesmo ano do

237 SILVA, Luis Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 108.

238 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 33.

239 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 129. Renato José de Moraes diz datar de 1920. MORAES, 2001, p. 89. 240 MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 91. RODRIGUES

JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 129. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 3. ed. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. 3. p. 140.

241 Para Rogério Ferraz Donnini a construção doutrinária sobre o tema no Brasil iniciou-se a partir desta obra. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 200. A última edição foi publicada em 1958: FONSECA, Arnoldo Medeiros da.

lançamento da monografia de Arnoldo Medeiros da Fonseca, Artur Rocha escreveu a respeito. Cáio Mário da Silva Pereira e Osvaldo de Carvalho Monteiro também foram pioneiros em apoiar a teoria, excluindo sua aplicação aos contratos aleatórios. Além deles, Noé Azevedo também figura como um dos primeiros a abordar a cláusula rebus sic stantibus no Brasil.

As leis, aos poucos, vêm relativizando a regra da obrigatoriedade dos pactos, já que a Lei 3.071, de 1° de janeiro de 1916, ou Código Civil de 1916, seguiu preceitos voluntaristas e liberais242 que inviabilizavam a aplicação da revisão por fato superveniente, e não poderia ser diferente já que seu projeto primitivo datava do século XIX, apresentado que foi em 1899.243 Márcio Klang cita como primeira aparição da cláusula rebus sic stantibus, na legislação pátria, a Lei 4.403, de 22 de dezembro de 1921, cujo artigo 1°, §3°, permitia a rescisão dos contratos locatícios por funcionários civis e militares removidos em virtude de suas funções. Para a maioria dos autores, foi o primeiro dispositivo legal que permitiu a rescisão de contrato de locação por funcionário público transferido, Dec. n. 19.573/31244, Fabiana Rodrigues Barletta trouxe uma síntese elaborada por Darcy Bessone, com base na obra de Arnoldo Medeiros da Fonseca, que traz todas as legislações de maior relevância, que possibilitaram, de uma forma ou de outra, a revisão por fato posterior a contratação:

a) Dec. n. 19.573, de 1931, permissivo da resolução ou revisão dos contratos de locação de prédios celebrados por funcionários civis ou militares, demitidos, removidos, ou cujos vencimentos houvessem sofrido redução de mais de 25% e, em cujo preâmbulo se fez expressa referência ao acolhimento, pelo Direito moderno, da cláusula rebus sic stantibus; b) o Dec. n. 20.632, de 1931, que autorizou a rescisão de contratos de locação de prédios ocupados pelo serviço de Correios e Telégrafos, em conseqüência da fusão destes serviços; c) o Dec. 24.150, de 1934, [conhecido como lei de luvas] que, regulando o instituto da renovação de arrendamento, para fins comerciais ou industriais, permitiu a revisão do preço depois de três anos de locação, se se alterarem as condições econômicas do lugar; d) o Dec.-Lei n. 4.598, de 1942; agora, também, os Decs.-Leis ns. 5169, de 1943, 6.739, de 1944, e 9.669, de 1946, proibitivo da cobrança de aluguéis superiores aos vigentes a 31 de dezembro de 1941 e permissivo da revisão dos contratos realizados posteriormente; e) o Decreto n. 23.501, de 1933 [conhecido como abolição da cláusula-ouro e de dívidas em moeda estrangeira], segundo o qual foi proibido o pagamento em ouro, disposição que alcançaria os contratos que o houvessem estipulado [o que, segundo Medeiros da Fonseca, envolveu revisão dos anteriores]; f) o Dec.-Lei n. 1.079, de 1939, que permite o pagamento de dívida hipotecária em papel-moeda nacional, ‘não obstante haver sido o respectivo valor expresso em ouro, ou em moeda estrangeira’; g) o Dec. n. 22.626, de 1933 [conhecido como lei contra a usura],

242 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no código civil e no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. XVIII.

243 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 46.

244 Luís Renato Ferreira da Silva comenta que o primeiro dispositivo seria o Decreto 19.371/31 sobre o mesmo assunto do Decreto 19.573 do mesmo ano. (SILVA, Luis Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 117).

limitativo dos juros e modificativo das condições de pagamento das dívidas garantidas, aplicável a contratos celebrados anteriormente; h) a legislação sobre reajustamento econômico- Dec. n. 23.533, de 1933; Dec. n. 23.981, de 1934; Dec. n. 24.233, do mesmo ano; Dec.-Lei n. 150, de 1937; Decs.-Lei ns. 1.172, 1.230 e 1.888, de 1934; Dec.Lei n. 2.157, de 1940; i) Dec.-Lei n. 4.759, de 1942, concessivo de moratória; j) Dec.-Lei n. 4.171, de 1942, sobre os juros dos empréstimos a serem realizados pelas sociedades de economia coletiva; k) Dec.-Lei n. 4.294, de 1942, ‘que dilatou o prazo de vencimentos dos débitos dos profissionais adquirentes de veículos motores de passageiros e de carga’; l) Dec.-Lei n. 4.638, de 1942, relativo à rescisão de contrato de trabalho celebrado com súditos das nações com as quais o Brasil rompeu relações diplomáticas, ou se encontra em estado de beligerância.245

Afora a primeira tentativa de regulamentação legislativa elaborada por Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, foi o anteprojeto do Código das Obrigações, apresentado ao então Ministro da Justiça, Dr. Francisco Campos, em 21 de janeiro do ano de 1941, que, em artigo 322246, adotou a cláusula rebus sic stantibus, mas terminou por não vingar.247 Da mesma forma não foi promulgado o Anteprojeto de Código das Obrigações de 1963, publicado no Rio de Janeiro pelo Departamento de Imprensa Nacional, em 1964, e revisado em 1965, de autoria de Caio Mário da Silva Pereira, que, em Título V, “Contratos”, Capítulo II, “Cessação da Relação Contratual”, Seção IV, “Resolução por onerosidade excessiva”, artigos 358 a 361248, previa a aplicação da cláusula rebus sic stantibus nos moldes da versão italiana, disposta no artigo 1467 do CC daquele país, possibilitando somente a resolução, ao contrário do anteprojeto anterior que previa a modificação do cumprimento da obrigação.249 A Constituição Federal de 1969 também é

245 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no código civil e no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64-65.

246 “art. 322. Quando por fôrça de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da conclusão do ato, opõe-se ao exato cumprimento desta dificuldade extrema com prejuízo exorbitante para uma das partes, pode o juiz, a requerimento do interessado, e considerando por equanimidade a situação dos contraentes, modificar o cumprimento da obrigação, prorrogando-lhe a termo, ou reduzindo-lhe a importância.”

247 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 74. RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 150. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código

civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 73. KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 46-47.

248 “Art.358.Nos contratos de execução diferida ou sucessiva quando, por força de acontecimento excepcional e imprevisto ao tempo de sua celebração, a prestação de uma das partes a tornar-se excessivamente onerosa, capaz de gerar para ela grande prejuízo e para a outra parte lucro exagerado, pode o juiz, a requerimento do interessado, declarar a resolução do contrato.

A sentença, então proferida, retrotrairá os seus efeitos à data da citação da outra parte”

“Art. 359. A resolução do contrato poderá ser evitada, oferecendo-se o réu, dentro do prazo de contestação, a modificar com equanimidade o esquema de cumprimento do contrato.”

“Art. 360. Aos contratos aleatórios não tem aplicação a faculdade de resolução por onerosidade excessiva.” “Art. 361. Não se dará, igualmente, esta resolução nos contratos em que só uma das partes tenha assumido

obrigação, limitando-se o juiz, nesse caso, a reduzir-lhe a prestação.”

249 SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989, p. 49. RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos

contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 152. DONNINI, Rogério

citada em decorrência de seu artigo 167, II, que se valia da expressão “equilíbrio econômico e financeiro”.250 Houve ainda outro Anteprojeto, em 1972. Publicado neste mesmo ano pelo Departamento de Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, a obra, atribuída a Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Agostinho de Arruda Alvim, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, traz a resolução por onerosidade excessiva nos artigos 474 a 476251, que foram integralmente reproduzidos no Projeto de Código Civil de 1975 que culminaria no nosso atual Código Civil252. Pode-se mencionar ainda a Lei 2.699, de 1955, que permitiu o reajuste dos aluguéis de imóveis pagos por entidades filantrópicas253; a Lei 6.649, de 16 de maio de 1979, que permitiu a atualização do valor do aluguel de locação residencial celebrada antes de fevereiro de 1967, em artigo 53; a Lei 6.698, de 15 de outubro de 1979, que, em seu artigo 25, §4° e 5°, estendeu a possibilidade de revisão dos aluguéis a todas as residências após cinco anos de vigência do contrato254; a Lei 6.899, de 8 de abril de 1981, visava reequilibrar a economia brasileira que sofria com os mais altos índices de inflação já vistos no Brasil255, através da atualização monetária, pois passou a ser mais vantajoso não pagar as dívidas no vencimento e discuti-las em juízo, onde a quantia referente à dívida seria devolvida sobre o valor nominal acrescido de juros de 1% ao mês, isto é, a lei passou a manter íntegro o valor originário das dívidas até o seu efetivo pagamento256; a Lei do Inquilinato – Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991 - que em artigo 19 dispõe sobre a revisão dos valores dos aluguéis257 e destina um capítulo exclusivo para a ação revisional de aluguel (arts. 68 a 70 desta lei), e o Código de Defesa do consumidor, em artigo 6°, V, que será

1999. p. 73-74. KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 49.

250 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 57.

251 “Art. 474. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

Os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação.

Art. 475. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 476. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

252 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 51-52. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa

do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 167, Nota 3 e p. 169, Nota 10.

253 NETTO, J.R. Vieira. O risco e a imprevisão: duas tendências no âmbito da responsabilidade civil. Curitiba. Juruá, 1989. p. 143.

254 SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 42-43.

255 A taxa de inflação alcançava 120% ao ano e a de desvalorização monetária cerca de 200% ao ano.

256 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 60-61

257 “Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.”

melhor abordado em um capítulo próprio.258 Até o CC de 2002, os defensores da cláusula se viam obrigados a realizar verdadeira ginástica hermenêutica para comprovar que o CC de 1916, mesmo que não permitisse expressamente a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, não disporia de dispositivo que a afastasse259, bem como deixava margem para sua aplicação. Para isso, citavam os seguintes artigos: 85, 401, 762, I e II, 924, 954, II e III, 1058, 1059, 1060, 1091, 1092 (2ª parte), 1131, 1190, 1205, 1214, 1246, 1250, 1383, § 1°, 1399, 1453, 1499, todos do antigo Código, ou mesmo na Lei de Introdução ao Código Civil, em artigos 4° e 5°.260

Finalmente, depois de apresentado em 12 de junho de 1972, ser encaminhado como projeto à Câmara dos Deputados em 1975, aprovado na Câmara Federal em 1983, publicado em redação final (só sofreu mudanças na numeração: de 474 a 476 para 477 a 479) e remetido ao Senado em 12 de julho de 1984, o Código foi aprovado em 16 de dezembro de 1997, que, de volta à Câmara, alterou a numeração de seus artigos para 478 a 480, mas sem qualquer modificação no texto desde 1972, sendo finalmente aprovado o Projeto de Código Civil 634- B, de 1975, tornando-se a Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, ou Código Civil de 2002, que adotou a teoria da imprevisão261 literalmente262, como era de se esperar depois de ter-se escrito tanto e tão bem sobre o tema.263 Um ano antes, pode-se citar, ainda, o artigo 1°, II264 da Medida Provisória n. 2.172-32/2001, que trazia a matéria em seu texto.265 Ainda em

258 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no código civil e no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.

259 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 44.

260 MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 278-279. SILVA, Luis Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 115. OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 89. SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou

Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 39-40. RODRIGUES JUNIOR, Otávio

Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 130. KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 53-55.

261 Ou da onerosidade excessiva como querem alguns. Importa é que o CC de 2002 passou a permitir a resolução por fato superveniente.

262 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 153-154.

263 SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 65.

264 “nos negócios jurídicos não disciplinados pelas legislações comercial e de defesa do consumidor, lucros ou vantagens patrimoniais excessivos, estipulados em situação de vulnerabilidade da parte, caso em que deverá o juiz, se requerido, restabelecer o equilíbrio da relação contratual, ajustando-os ao valor corrente, ou, na hipótese de cumprimento da obrigação, ordenar a restituição, em dobro, da quantia recebida em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido.”

265 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. atual. de acordo com o novo código civil (Lei 10.406/2002). São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3: direito das coisas. p. 159.

trâmite de aprovação, havia o Projeto de Lei n° 6.960 de 2002, conhecido como Projeto Fiuzza, que visava ampliar e alterar a forma de aplicação do capítulo da resolução por onerosidade excessiva.266

Embora a jurisprudência seja, até hoje, muito atrelada ao pacta sunt servanda, o primeiro julgado a se referir às teorias revisionistas foi uma sentença do então juiz Nelson Hungria267, da 5ª Vara Cível do Rio de Janeiro, em 27 de outubro de 1930, entre o Dr. Carlos de Castro Pacheco (autor) e a Província Carmelitana Fluminense (ré).268 De maneira surpreendentemente precursora, o ilustre jurista admitiu que se resolvesse uma promessa de compra e venda com base na equidade e nos princípios gerais do direito, referindo-se à tese do Geschäftsgrundlage, visto que o valor atribuído ao objeto do contrato – terreno de propriedade do autor - alterou radicalmente (duplicou) nos dezoito anos que se passaram entre a contratação e a execução, devido a mudanças imprevisíveis, quais sejam, os empreendimentos realizados pela prefeitura do Município do Rio de Janeiro, já que o então prefeito, Carlos Sampaio, arrasou o Morro do Castelo e valorizou a zona em que se localizava o imóvel. A sentença foi reformada em sede recursal pela 4ª Câmara da Corte de Justiça do Distrito Federal, em acórdão unânime que teve como Relator o Des. Alfredo Russel, datado de 5 de abril de 1932, e confirmado em embargos julgados em 6 de julho do mesmo ano, pela 3ª e 4ª Câmaras em sessão conjunta.269 Em 22.11.1935, o STF manifestou-se pela primeira vez sobre o assunto, rechaçando a aplicação da teoria, vencendo o voto do Min. Costa Manso no sentido de que “a construção de doutrinas jurídicas, não expressamente reveladas na lei positiva, jamais poderá ferir a letra da lei”270. Em 1938, o STF manifestou-se sobre o assunto, destacando-se o voto do Ministro Eduardo Espínola.271, em Recurso

266 Esse assunto será mais bem detalhado na abordagem a ser feita ao final desta primeira parte da dissertação. 267 Assim como ele os demais juízes de primeira instância do antigo Distrito Federal, como Emanuel Sodré e

Candido Lobo passaram a adotar esta posição inovadora. (WALD. Arnoldo. O princípio “pacta sunt servanda”, a teoria da imprevisão e a doutrina das dívidas de valor. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 22, n. 64, p. 386-394, jul. 1995. p. 389).

268 Revista de Direito, 100, p. 178.

269 MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. XXI; SILVA, 2001, p. 117; OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 71-72; SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da

imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 43; PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 3.ed. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. 3. p. 140; MÓRO, Sandra Maria. Revisão judicial de contratos. São Leopoldo, 1996. p. 29.

270 ESPINOLA, Eduardo. A cláusula rebus sic stantibus no Direito contemporâneo. RF. set. 1951 Apud MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A teoria da imprevisão e a incidência dos planos econômicos governamentais na relação contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. vol. 80, n. 670. ago. 1991, p. 44.

271 ESPÍNDOLA, Eduardo. Revista dos Tribunais, n. 116, p.224 apud MORAES, Renato José de. Cláusula

Extraordinário que confirmou os embargos julgados pelas Câmaras Cíveis Conjuntas do Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1934, onde, pela primeira vez, um tribunal brasileiro manifestava-se favorável à aplicação da cláusula rebus sic stantibus.272 A partir de então, raras foram as decisões neste sentido. Somente em 1987, em julgado datado de 12 de março, uma decisão admitiu revisar um contrato por fato superveniente à sua celebração. Em discussão sobre a revisão prevista pelo artigo 31 da Lei de Luvas, então vigente, o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul - em sede de apelação, haja vista que considerada pelo juízo de primeiro grau como carecedora de ação - deferiu o pedido da locadora que pleiteou a modificação do valor do aluguel, mesmo que não transcorrido o prazo de três anos exigido pela referida lei para a proposição da ação revisional cabível, visto que, se assim não fosse, o valor tornar-se-ia insignificante.273 Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, a aplicação da cláusula rebus sic stantibus passou a ser mais frequente.

Apesar de a jurisprudência ter, por volta de 1950, começado a aplicar a revisão, o fez sob a forma de teoria da imprevisão, o que impossibilitava a aplicação aos contratos desequilibrados em função da inflação, dada a previsibilidade desta. Por um longo período o Brasil sofreu com uma economia instável e uma inflação que corroía as diversas moedas, vendo-se o Estado obrigado a implantar reformas a fim de contê-la, por meio da edição de atos governamentais de intervenção radical na economia, tais como “Planos Cruzado I, Cruzado II, Bresser, Brasil Novo e [...] Plano Collor II”.274 Como não podia ser diferente, os contratos dessa época restaram desequilibrados por inúmeras vezes quando os índices da