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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

3.2 O Código Civil de 2002

3.2.2 Projeto de Lei n°6960/2002 que visa alterar artigos do Código Civil de 2002

Conhecido como projeto Fiuzza - nome do deputado do PPB de Pernambuco recentemente falecido, autor deste Projeto de Lei - esta é uma bela obra que visava alterar diversos dispositivos do Código Civil de 2002, principalmente aqueles criticados, quando da entrada em vigor desta Lei, em função do seu “nascimento defasado”, tendo em vista que o Projeto de Código Civil que originou nosso atual código remonta ao ano de 1975.

Embora bem elaborado, alguns artigos da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, não acompanharam as evoluções da realidade, o que é natural no mundo do direito, onde a legislação sempre corre atrás dos fatos, por serem esses muito mais dinâmicos. Com o CC/2002 não haveria de ser diferente. Portalis, em discurso preliminar à apresentação do projeto do Código Civil Francês (Code Civil), discorre sobre esta dificuldade que o legislador enfrenta ao elaborar um código:

Por mais completo que possa parecer um código, nem bem está acabado e mil questões inesperadas se apresentam ao magistrado... O que cabe à lei é fixar, por grandes vistas, as máximas gerais do direito... cabe ao magistrado e ao jurisconsulto lhe dirigir a aplicação.697

No que toca à matéria desta dissertação de mestrado, como já visto, os artigos 478, 479 e 480 do atual Código Civil trazem ideias liberais oitocentistas que há muito já vêm sendo rejeitadas pelos doutrinadores e há algum tempo, já pelos legisladores, como o Código

694 SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972. p. 75-76.

695 SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972. p. 96.

696 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos e outras figuras jurídicas. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1978. p. 78.

697 FURET, François; OZOUF, Mona. Dicionário crítico da revolução francesa. Tradução Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p.499.

Português, por exemplo, ou mesmo por uma lei nacional, o CDC. Repisa-se aqui que, como se não bastasse a exigência do requisito da imprevisibilidade - apesar de plausível, já que a grande maioria dos textos legais do mundo a exigem – o legislador brasileiro força uma nova teoria ainda mais retrógrada, e cria um dispositivo legal que só se aplica quando a parte contrária lucrar com a onerosidade da outra.

Visando alterar a redação desatualizada desses artigos, o P.L. n°6960/2002 propunha que a nova redação - dentro do capítulo intitulado “Da revisão e da extinção do contrato” na seção I, denominada “Da revisão” - seja a seguinte:

Art.472. Nos contratos de execução sucessiva ou diferida, tornando-se desproporcionais ou excessivamente onerosas suas prestações em decorrência de acontecimento extraordinário e estranho aos contratantes à época da celebração contratual, pode a parte prejudicada demandar a revisão contratual, desde que a desproporção ou onerosidade exceda os riscos normais do contrato.

§ 1°. Nada impede que a parte deduza, em juízo, pedidos cumulados, na forma alternativa, possibilitando, assim, o exame judicial do que venha a ser mais justo para o caso concreto;

§ 2°. Não pode requerer a revisão do contrato quem se encontrar em mora no momento da alteração das circunstâncias;

§ 3°. Os efeitos da revisão contratual não se estendem às prestações satisfeitas, mas somente às ainda devidas, resguardados os direitos adquiridos por terceiros.

Art. 473. Nos contratos com obrigações unilaterais aplica-se o disposto no artigo anterior, no que for pertinente, cabendo à parte obrigada pedido de revisão contratual para a redução das prestações ou alterações do modo de executá-las, a fim de evitar a onerosidade excessiva.698

Na seção II, intitulada “Da resolução” o Projeto sugeria:

Art.474. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as prestações do contrato.

Art. 475. Requerida a revisão do contrato, a outra parte pode opor-se ao pedido, pleiteando a sua resolução em face de graves prejuízos que lhe possa acarretar a modificação das prestações contratuais.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação.699

Como se pode perceber, não apenas o texto como um todo é alterado para os moldes modernos da revisão por excessiva onerosidade, como é alterada inclusive a numeração destes artigos.700

698 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n. 6960/2002. Autoria: Sen. Ricardo Fiuzza. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/Prop_Detalhe.asp?id=56549> Acesso em: 10 dez. 2004. p.5.

699 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n. 6960/2002. Autoria: Sen. Ricardo Fiuzza. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/Prop_Detalhe.asp?id=56549> Acesso em: 10 dez. 2004. p. 5.

Em sua justificação, o Projeto de Lei observa que visa alterar o artigo 478 por optar pela resolução como regra; por ter a redação exigido a onerosidade excessiva destoando da finalidade básica da teoria da imprevisão, que é “socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual” citando, para tanto, Regina Beatriz Tavares da Silva. Diz ainda que redireciona o artigo 480 para o “parágrafo 2° do dispositivo matriz de revisão do contrato” em seção adequada. Critica a nominação do atual capítulo “Da Extinção do Contrato” já que este capítulo aborda inclusive a revisão contratual, acrescentando uma seção própria para a revisão a fim de melhor disciplinar a sua aplicação.701

Há que se criticar a previsão expressa da inaplicabilidade aos casos em que o contratante esteja em mora, da forma que foi feita. O projeto comete o mesmo erro de diversas outras legislações e até de doutrinadores que não especificam a mora a que se referem dando uma abrangência exagerada a este requisito. Conforme já foi frisado, a simples mora não pode desamparar o contratante onerado, pois para este já existem sanções como juros e multa. Caso a mora der causa ao evento extraordinário, estaremos dentro do requisito da ausência de culpa, e aí, sim, estará o contratante impossibilitado de valer-se da forma moderna da cláusula rebus sic stantibus. Há nesta parte do projeto uma involução da norma, em dissonância com o todo do texto que a aperfeiçoa.

Outro ponto que deve ser aqui relembrado, apesar de já abordado, é a nomenclatura deste instituto, pois caso tivesse vingado a proposta deste projeto, não mais seria necessária a imprevisibilidade do fato alterador das circunstâncias, levando-nos a rever a terminologia “teoria da imprevisão”. Buscou-se não adotar essa denominação ao longo deste estudo, contudo há quem entenda que tal nomenclatura está consagrada como a nova forma da cláusula rebus sic stantibus, e deve ser utilizada independentemente de seus requisitos. Nada obstante, discorda-se desta corrente. Se a lei não exige imprevisibilidade, não há sentido em chamar a teoria que fundamenta essa lei como “da imprevisão”. Entendemos que há uma teoria, criada pelos tribunais franceses, que leva este nome, bem como diversas outras teorias provenientes de outros países, Cortes, Tribunais, autores, etc., que possuem não apenas a nomenclatura, mas requisitos divergentes entre si. Basta estudar os requisitos exigidos e descobrir a qual pertence essa proposta de alteração da redação do CC, ou, ainda, descobrir

700 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 469-470.

701 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n. 6960/2002. Autoria: Sen. Ricardo Fiuzza. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/Prop_Detalhe.asp?id=56549> Acesso em: 10 dez. 2004. p. 33.

que não pertence a nenhuma, como concluiu-se a respeito do Código de Defesa do Consumidor.

Infelizmente - ao menos no que toca a revisão dos contratos – o Projeto Fiuzza foi arquivado. Contudo, ainda que não tenha sido aprovado, mister mencioná-lo diante das significativas melhoras que propôs ao texto do CC.