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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

2.1 Contextualização, finalidades e requisitos (elementos para a caracterização das teorias)

2.1.3 Requisitos

2.1.3.8 Aplicação anterior ao cumprimento integral de um dos contratantes e execução

Outro dos requisitos considerados por alguns julgados é o de que a aplicação somente se dará se for anterior ao cumprimento integral de um dos contratantes. Se uma das partes já cumpriu sua prestação integralmente, a outra não poderá exigir-lhe que reduza a onerosidade que lhe acomete, proveniente da obrigação ainda não cumprida. Contudo, salvo melhor juízo, parece que o cumprimento das prestações de um dos contratantes, mesmo que anteriormente ao do outro, não faz cessar a possibilidade da ocorrência de fato gerador de onerosidade excessiva. Ainda que se entenda que isso desfavoreça o pedido revisional, parece claro que não pode a parte ser impedida de revisar em virtude do não preenchimento dos requisitos para tal.377 Não se pode esquecer que o foco está na igualdade entre as prestações e na capacidade de cumpri-las com base no normalmente aceito para a álea inerente àquele acordo de vontades. O mesmo é aplicado para aqueles que consideram a execução parcial do contrato, isto é, que o contrato não tenha sido executado totalmente como um pressuposto para a aplicação da revisão ou resolução, pois pode muito bem aquele que sofreu prejuízo inaceitável buscar os valores que injustamente perdeu quando o contrato foi executado. Bem exemplifica Mário Júlio de Almeida Costa:

A celebra com uma empresa estrangeira, B, um contrato de aquisição de tecnologia industrial para o fabrico, no país, de certa especialidade farmacêutica; transmitida esta tecnologia e satisfeito o preço, ainda antes do início da laboração, a autoridade pública proíbe que se produza a venda, em todo o território nacional, do referido medicamento.378

Mesmo que o cumprimento de parte do contrato se dê depois de concretizada a situação alteradora “não está ele excluído da invocação quanto ao restante, pois o seu esforço inicial deve ser entendido como uma tentativa de manter-se fiel ao contrato”379

377 MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 199.

378 COSTA, Mário Júlio de Almeida: Direito das obrigações. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1984. p. 231-232. apud SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 38.

379 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 157.

Apesar de inúmeros autores, incluindo os grandes mestres Caio Mario da Silva Pereira380 e Orlando Gomes381, terem feito restrições à revisão, o STJ já decidiu no sentido de permitir a revisão mesmo que depois do cumprimento integral do contrato.

Juntamente com a imprevisibilidade e a vantagem exagerada para o outro contratante - que serão abordados junto às diversas questões polêmicas que serão levantadas no capítulo que visa criticar a teoria da imprevisão em sua forma clássica, e assim, manifestar avaliação negativa também quanto à sua aplicação no CC/2002 – estes são os requisitos mais citados pelas teorias de maior relevância, e é basicamente nos requisitos que cada teoria opta que se fará a diferenciação entre elas.

Importante frisar que, data máxima vênia, quanto menos requisitos a teoria que fundamenta a revisão exige, melhor o seu emprego, visto que atribuirá ao julgador maior mobilidade para aplicá-la ao caso concreto, distribuindo os prejuízos da forma que lhe pareça justo. Quanto maior a quantidade de pressupostos necessários à aplicação, maior o engessamento pela regra geral àquele que analisa o caso específico. Diante da grande dificuldade ao estipular critérios objetivos para definir a onerosidade excessiva, bastariam aqueles requisitos mínimos (como, por exemplo, a excessiva onerosidade causada por fato superveniente, a necessidade da prestação ser futura e a ausência de culpa) para garantir que esta não se torne a regra.

Matéria que ainda não foi abordada pela doutrina nacional diz com a possibilidade de revisões sucessivas, ou seja, se é ou não possível revisar, com base na onerosidade excessiva, um contrato que já fora modificado pelo mesmo motivo. Encarando esta situação, percebe-se que, em um contrato de execução futura, nada impede que mais de um obstáculo superveniente altere mais de uma vez as situações fáticas, assim como o restabelecimento do equilíbrio do contrato pelo juiz não impede que surja um novo estado das coisas382, salvo se o segundo pedido fundar-se no mesmo fato imprevisto que ensejou a primeira revisão, sob pena de agredir a coisa julgada.

380 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 3.ed. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. 3. p. 142.

381 GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 201. (Entretanto vale frisar que apesar de resringir a aplicação nesta passagem de sua obra “Contratos”, Orlando Gomes elaborou brilhante estudo sobre o tema não apenas no mencionado livro, mas principalmente em: GOMES, Orlando. Transformações

gerais do direito das obrigações. 2ª ed. aum. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980.)

382 SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão: Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989. p. 117-119.

Da mesma forma, os doutrinadores brasileiros ainda não chegaram a discorrer a fundo quanto à aplicação aos contratos pretéritos, já que a lei que trata deste tema é recente, não tendo obrigado, ainda, os tribunais a se manifestarem quanto a isso. A lei não exige que a imprevisão trazida nos artigos do atual Código Civil seja aplicada somente aos contratos cuja alteração do estado das coisas se dê após a entrada em vigor da Lei 10.406 de 2002, portanto posteriores a 11 de janeiro de 2003. A princípio, é de se acreditar que se considerará aplicável a lei vigente no dia da celebração do contrato, já que embasados nela, as partes expuseram suas vontades ao firmarem o acordo. Neste sentido, é o caput do art. 2035 do CC de 2002.383 Contudo, não se mostra absurdo o argumento que tome em conta que não se deve proibir a aplicação da Teoria da Imprevisão “em homenagem ao respeito devido ao que por elas foi efectivamente querido”384, tendo em vista que exatamente contra essa imutabilidade dos contratos que a teoria da imprevisão e as demais teorias vão de encontro. O que de fato se sabe é que o artigo 478 do CC/2002 não repele expressamente a sua utilização aos contratos de pretérito, mas também não especifica a quais se aplicaria. Corrobora este entendimento o § único do supramencionado art. 2035 do CC385.