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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

1.1 Autonomia da vontade, conceito clássico de contrato e sua interpretação, e o dirigismo

1.1.4 Interpretação contratual

Para que se possa interpretar corretamente um texto, seja ele uma lei ou um contrato, deve-se fixar o verdadeiro sentido da manifestação de vontade.93 O antigo artigo 85 do CC de 1916 – que dava margem para a aplicação da rebus sic stantibus pela jurisprudência – foi ratificado pelo artigo 112 do Código Civil de 2002, que determina: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da

89 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais. Revista de

Direito Renovar, n. 18. Rio de Janeiro, Renovar. set-dez. 2000. p. 11.

90 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais. Revista de

Direito Renovar, n. 18. Rio de Janeiro, Renovar. set-dez. 2000. p. 12.

91 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 3 e 4. 92 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 23.

93 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.223.

linguagem”, bem como o artigo 113 do mesmo Código, que estabeleceu a boa-fé e os costumes para nortear a interpretação dos negócios jurídicos.94

O art. 112 do CC confirma o disposto “na célebre lição de Pothier” quando este afirma que “se deve buscar nas convenções a intenção comum das partes contratantes, e não o sentido gramatical dos termos”.95

Essa interpretação pode ser feita de forma restrita, para o caso de o contrato ter se valido das expressões corretas, ou seja, condizentes com o que de fato queriam, por mais gerais que sejam, ou extensiva, para o caso do acordo dizer menos do que aquilo que os contratantes quiseram dizer, estendendo suas manifestações. Pode-se, ainda, dividir a interpretação em dois tipos: subjetiva e objetiva. A primeira visa desvendar a vontade real das partes. Os artigos supramencionados são um exemplo desta forma interpretativa. Este tipo, por buscar a intenção comum dos contraentes, é denominado princípio de investigação da vontade real (voluntas spectanda). Já a interpretação objetiva tem por finalidade aclarar o sentido das declarações equivocadas, obscuras, incertas ou imprecisas. É subsidiária, pois só é aplicada caso a subjetiva não cumpra sua função. Trata-se de uma forma de interpretação diversa das normas interpretativas comuns porque não visa a esclarecer o sentido da vontade das partes, mas apresentar uma acepção hipotética da vontade tida por ambígua. É norteado, principalmente pelo princípio da boa-fé, da conservação dos contratos e da “extrema ratio” (menor peso e equilíbrio das prestações).96

A própria boa-fé objetiva, por meio de sua função hermenêutica, visa “quebrar a frieza das noções positivistas e egoísticas da autonomia da vontade no domínio do contrato [...] de modo a compatibilizá-la com os anseios éticos do meio social em que o contrato foi ajustado.”97 Assim se buscava compreender as lacunas ao interpretar a vontade declarada à inteligência, segundo a vontade hipotética das partes, de acordo com os “padrões morais dominantes no meio social ao tempo do ajuste negocial.”98

94 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 450-451.

95 TEPEDINO, Gustavo José Mendes. Novos princípios contratuais e a teoria da confiança: A exegese da cláusula to the best knowledge of the sallers. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 377, jan/fev, 2005. p. 241. 96 GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 222-229.

97 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 25. 98 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 26.

O maior problema de um contrato interpretado através da visão clássica, baseada na autonomia privada, é que se esquecem todos estes ensinamentos e inevitavelmente se congela a vontade manifestada, sem que necessariamente as circunstâncias ao seu redor se mantenham idênticas ao momento da declaração, acarretando a chamada atipicidade diacrônica, que vem a ser “a alteração no tempo de realidade histórico-social ou da situação pressuposta pela norma: a realidade ou situação relevante no tempo do caso é diferente da que foi pressuposta no tempo da norma”.99

Ainda no que toca à hermenêutica contratual, mister salientar que a interpretação de acordo com a boa-fé já foi muito bem resumida em alguns parágrafos que ensinam a integrar este princípio a um pacto. Falo do artigo 131 do já revogado Código Comercial (Lei n°556 de 25/06/1850) que brilhantemente determina como os contratos devem ser entendidos:

art.131 Sendo necessário interpretar as cláusulas de um contrato a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:

1 - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa -fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;

2 - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas;

3 - o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato;

4 - o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras;

5 - nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.”

A hermenêutica integradora é o método que possibilita a correta relação entre o conteúdo do contrato e a boa-fé, sendo que estes institutos se ligam tão fortemente que muitas vezes “quando se pensa estar fazendo interpretação integradora, em realidade o que se realiza é a aplicação do princípio da boa-fé.”100

99 NEVES, Castanheira António. Metodologia jurídica. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 181.