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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

2.1 Contextualização, finalidades e requisitos (elementos para a caracterização das teorias)

2.1.1 Contextualização

Feito o apanhado histórico, passa a ser possível compreender o fato de que a sociedade vem percebendo, que, em acordos de execução diferida ou continuada, a vontade inicial, manifestada antes de acontecimento imprevisto, causado sem culpa de nenhuma das partes, pode causar injustiça, em sendo executada sem alterações que busquem restabelecer o equilíbrio do pacto.

Diversas foram as teorias criadas visando solucionar o problema proposto - mais adiante serão analisadas. Neste item, o objetivo é contextualizar as teorias-chave desta pesquisa, assim como apresentar os diversos elementos necessários para a aplicação da revisão contratual.

Primeiramente, para melhor compreensão, parece ser de suma importância clarear uma questão um tanto conturbada entre todos os autores lidos que trataram da teoria da imprevisão especificamente. Alguns fazem certa confusão de conceitos, outros optam por se referir à teoria da imprevisão como uma das tantas teorias que trata da questão do desequilíbrio do contrato causado por fato superveniente, sendo esta caracterizada por ter a “imprevisibilidade do fato superveniente” como requisito básico, e há ainda aqueles que fazem referência a esta teoria como uma evolução da clássica cláusula rebus sic stantibus, considerado-a como a união de todas as teorias que visam revisar ou resolver os contratos pela ocorrência de fato posterior à contratação, afirmando que as demais teorias fundamentam esta, à qual se referem como a “versão moderna” da mencionada cláusula medieval, como se as demais não o fossem. Entretanto nenhum aborda esta questão e poucos expressam de forma explícita o conceito pelo qual veio a optar.

Para fins de melhor interpretação, deixa-se claro, desde já, que a teoria da imprevisão será tratada no mesmo nível das demais teorias, diferindo-se das outras tão-somente pelos elementos que exige para sua aplicação e não como sendo a única nova roupagem da Cláusula rebus sic stantibus, até porque, proveniente desta cláusula, todas as teorias são. Menos por considerar que ela contém as demais teorias, como de regra ocorre, fazendo com que os autores se refiram à teoria da imprevisão como se estivessem se referindo a todas as teorias que se destinam ao estudo da revisão dos pactos por fato superveniente que venha a acarretar a impossibilidade subjetiva na sua execução. Isto é, como se a teoria da pressuposição, da vontade marginal, as teorias da base do negócio, do erro, entre outras que voltarão a ser mencionadas oportunamente, estivessem contidas naquela, inclusive utilizando a teoria da imprevisão e a Cláusula rebus sic stantibus como sinônimos, como o faz Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos331 que expressa este ponto de vista no próprio título de sua obra. Outros deixam isso claro no título dos capítulos de seus respectivos livros ou nos próprios textos como Márcio Klang332, Otávio Luis Rodrigues Júnior333, Arnoldo Wald334, Anísio José de Oliveira335, entre tantos outros.

Para contextualização deste instituto do Direito Civil, é interessante expor uma visão ampla das matérias próximas ao objeto deste estudo, a fim de localizá-lo em meio ao vasto mundo dos contratos.

Atendo-me à extinção dos contratos, recordo que um acordo de vontades pode ir a termo com o seu cumprimento, isto é, da execução de suas prestações - o que de regra ocorre – ou, excepcionalmente, por causas que acarretem a extinção anormal do contrato, que se dá quando as prestações do pacto firmado não podem ou não devem ser realizadas em virtude de ocorrência que atinja sua validade ou eficácia antes, durante ou depois da formação do acordo. A extinção anormal por causa anterior ou concomitante à celebração acarreta a anulação, no caso de nulidade, vício de vontade ou vício oculto; ou sua rescisão, nas hipóteses

331 SANTOS, Regina Beatriz da Silva Papa dos. Cláusula “Rebus sic stantibus” ou Teoria da imprevisão:

Revisão contratual. Belém: Cejup, 1989.

332 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

333 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002.

334 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 6. ed. rev., ampl. e atualizada com colaboração do professor Semy Glanz, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e com referência ao Projeto de Código Civil. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983.

das demais causas anteriores à formação do contrato; já a extinção anormal por causa superveniente (portanto depois da formação do contrato) provoca a dissolução por resolução ou resilição.336

A primeira forma de dissolução dá-se pelo inadimplemento da(s) obrigação(ões) a que uma das partes se obrigou, com possibilidade de imputação de culpa aos causadores. Assim, esta pode se dar voluntária (culposa) ou involuntariamente. Quando voluntária a inexecução, a outra parte passa a se desobrigar no todo (exceptio non adimpleti contractus) ou parcialmente (exceptio non rite adimpleti contractus) além do retorno ao status quo ante com eventual ressarcimento de prejuízos.

Quando a inexecução for involuntária, o contratante deixou de cumprir sua obrigação por motivos alheios à sua vontade, havendo assim a extinção anormal em virtude de fato superveniente caracterizado pela total impossibilidade, chamada impossibilidade objetiva, a qual o devedor não podia evitar, como o caso fortuito e a força maior. Salvo raras exceções, restitui-se o status quo desobrigando as partes de responsabilidades. Não entra aqui a onerosidade excessiva já que esta é apenas um óbice ao cumprimento do pactuado, não se referindo, por conseguinte, à inexecução por impossibilidade, mas sim por extrema dificuldade.337 Essa diferença deve-se à distinção entre impossibilidade absoluta - quando o cumprimento é impossível para todos – e impossibilidade relativa – “quando falta ao devedor meios para prestar; tem aí o significado de insolvência (‘Unvermögen’)”338. Percebe-se, nas palavras do mestre Clóvis do Couto e Silva o quanto os institutos da falência pessoal (insolvência) e revisão contratual por onerosidade excessiva (impossibilidade relativa) estão intimamente ligados.

A resolução difere da anulação, apesar de semelhantes, essa é modo de dissolução que apenas reconhece que o negócio é defeituoso, seja por incapacidade de um dos contratantes, por vício do consentimento ou atingindo a um dos elementos do artigo 104 do

336 GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 188-189; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97; DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 167-168; COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como

processo. São Paulo: Bushatasky, 1976. p. 121.

337 GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 197-199.

CC, sempre dirá respeito a causas anteriores ou contemporâneas à sua formação, enquanto a resolução trata com causas supervenientes339.

A resilição é uma espécie de contrato que tem como objetivo dar cabo a outro contrato, portanto, de forma expressa, os pactuantes declaram seu desejo de não mais manter o vínculo contratual. Pode ser bilateral (distrato) ou unilateral (denúncia), sendo que a última sofre algumas restrições pelo Código Civil Brasileiro de 2002, em artigo 473.

Pode-se, ainda, extinguir o vínculo em decorrência da morte de um dos contratantes caso o contrato seja intuito personae340.

Percebe-se que em nenhum deles se encaixa a proposta das teorias provenientes da cláusula rebus sic stantibus, onde um contratante anseia pelo cumprimento de sua prestação, contudo por fato imprevisto, não absolutamente impossível de se realizar, mas que o onerará de forma inaceitável, não cumpre ao que se comprometera.341

Mais especificamente, esta onerosidade excessiva que vem, por obra do acaso, a ocorrer, acarreta, para alguns, a resolução do contrato, posicionando-se, portanto, entre a resolução por inexecução voluntária e a resolução por inexecução involuntária.342 Contudo, como veremos no próximo capítulo, esta é uma visão errônea. Apesar de não ter sido a visão adotada pelo capítulo que trata da extinção do contrato por onerosidade excessiva no CC/2002, o que a maioria dos doutrinadores vem percebendo é que a excessiva onerosidade é na verdade, antes de mais nada, causa de revisão contratual, atuando subsidiariamente como forma de resolução, posto que somente se for impossível o cumprimento é que se deveria apelar para a resolução. Em não sendo o caso, deve-se conceder ao Estado, através do Poder Judiciário, a autoridade de intervir na economia do acordo de vontades a fim de reajustar suas bases, como corretamente faz o artigo 317 do CC de 2002, com a observância dos artigos 884 (enriquecimento injusto), 422 (boa-fé) e 421 (fim social do contrato) do mesmo diploma legal.

339 GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 197-202.

340 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. atual. de acordo com o novo código civil (Lei 10.406/2002). São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3: direito das coisas. p. 155.

341 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 74–79.

342 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88.

Vale lembrar que esta causa de dissolução não se opera de pleno direito, exigindo sempre a decretação mediante sentença judicial, competindo ao juiz verificar se realmente houve ou está havendo excessiva onerosidade, assim como o nexo causal entre esta e o fato superveniente ao qual se atribui a responsabilidade da oneração. Esta decisão produzirá efeito retroativo entre as partes343, não obstante, esta retroatividade não é a mesma dos casos de anulabilidade (ex nunc)344, tendo em vista que, no caso da revisão, as cláusulas revisadas eram válidas em sua origem. O efeito retroativo será aplicado desde a ocorrência da inesperada circunstância desencadeadora da enorme onerosidade, restituindo o equilíbrio a partir do momento em que ele foi perdido.345 Diante disso, ao devedor restam as seguintes posições: entendendo que não poderá deixar de cumprir a prestação, pois do contrário quedaria inadimplente, deverá informar expressamente de sua dificuldade ou promover ação revisional, o que lhe legitima a, por ora, deixar de realizar a prestação; ou, ainda, permanecer inerte aguardando para alegar a onerosidade excessiva em defesa contra ação de adimplemento ou resolução proposta pelo credor.346