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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

1.3 A revisão por fato superveniente no direito comparado

1.3.1 Corrente revisionista

Portugal não possuía dispositivo sobre o assunto no CC de 1867, determinando inclusive que “os contratos legalmente celebrados devem ser prontamente cumpridos [...]”283. Passou a possibilitar a resolução dos contratos de empreitada ao acrescentar um parágrafo único ao artigo 1401 do CC, através do Decreto nº. 19.126 de 1930. O atual Código de 1966284, embora consagre o princípio da liberdade contratual no artigo 405, o faz com muito menos rigor que o artigo 672 do antigo Código Civil Português285, conhecido como Código Seabra. Da mesma forma, ainda que expressamente preveja o princípio da irretratabilidade dos contratos, presente no artigo 702, e o princípio do cumprimento pontual, no artigo 406, o Código Civil vigente conta com uma visão mais social do direito e, além de diversas outras mudanças neste sentido, passou a adotar a cláusula rebus sic stantibus de forma exemplar na subseção “Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias”, em artigo 437 a 439, ao estabelecer:

Art. 437. (Condições de admissibilidade)

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não seja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2 Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

Art. 438. (Mora da parte lesada)

A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou. Art. 439. (Regime)

Resolvido o contrato, são aplicáveis à resolução as disposições da subsecção anterior.

283 Art. 702 do Código Civil Português de 1867.

284 Apresentado pelo então Ministro da Justiça, Prof. Antunes Varela, em 10 de maio de 1966. (SANTOS, Antonio de Almeida. A teoria da imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972. p. 25).

285 SANTOS, Antonio de Almeida. A teoria da imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

Conclui-se, portanto, que a legislação portuguesa não exige a imprevisibilidade do evento alterador286, razão pela qual diversos autores entendem que o Código teria adotado a teoria da base do negócio jurídico como fundamento para sua redação.287

A jurisprudência do Tribunal Supremo da Espanha, mesmo sem disposição legal, tem- se mostrado favorável à aplicação da cláusula rebus sic stantibus, principalmente depois da guerra civil espanhola.288 Embora admita a ausência de dispositivo normativo específico, Mario César Gianfelici, ao traçar a evolução da matéria do direito espanhol289, cita o art. 895 do Código Civil, afirmando tratar da Imposibilidad de pago, instituto que se aproxima da onerosidade excessiva.290 Interessante mencionar que a doutrina de língua espanhola dedica- se também muito à chamada “frustração do fim do contrato” que se aproxima da ideia de onerosidade excessiva. Conforme o mesmo supramencionado autor:

La frustración del fin del contrato constituye una figura que, en el sistema jurídico contractual, se ubica en un mismo plano que la imposibilidad sucesiva de la prestación (imposibilidad de pago) y la excesiva onerosidad sobreviniente. En efecto, todas ellas son supuestos en los que un contrato válidamente celebrado deviene ineficaz, en razón de que un cambio de las circunstancias imperantes al momento de la celebración del mismo incida en alguna de sus prestaciones.291

Desse modo, trata-se da revisão em função da impossibilidade de se atingir a finalidade comum do contrato e não uma finalidade particular, ou seja, de uma só das partes. Trata-se de prestação possível, porém inócua, eis que não há como alcançar o objetivo de

286 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 29-30. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por

incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 149, Nota 289 e p. 163-164. VENOSA, Silvio de

Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 469. RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 65-66.

287 O próprio artigo 252 do CC português fala em “base do negócio”. SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria

da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código civil. Lourenço Marques: Minerva Central,

1972. p. 67-68. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. - Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 38. Contudo, como veremos mais adiante, há controvérsias quanto ao fato de a teoria da base do negócio não exigir a imprevisibilidade.

288 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 162. SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 36. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. - Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 39.

289 O autor aborda ainda dos projetos que visam alterar o tratamento deste assunto na Espanha. GIANFELICI, Mario César. La frustración del fin del contrato. 1ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 143 a 154. 290 GIANFELICI, Mario César. La frustración del fin del contrato. 1ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p.

143.

291 GIANFELICI, Mario César. La frustración del fin del contrato. 1ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 19.

ambas as partes. Diferencia-se da revisão por onerosidade excessiva porque não exige que haja onerosidade exacerbada da prestação de uma das partes.292

Na Itália, o Código Civil promulgado por decreto de 25 de junho de 1865 foi fortemente influenciado pelo modelo francês e, portanto, não cogitou do instituto da resolução por onerosidade excessiva, e menos da revisão com este fundamento. No entanto, no início do século XX, quando ainda não havia dispositivo a respeito no CC italiano, as Cortes já admitiam a aplicação da cláusula rebus sic stantibus nos casos de calamidades. Como já mencionado, este país foi o primeiro a adotá-la legalmente através do Decreto-Lei nº. 739/15. Em 1942, embora mantivesse o princípio de que “o contrato tem força de lei entre as partes”293, aparece a cláusula rebus sic stantibus no atual Código Civil, vigente desde 21 de abril de 1942, em artigo 1467294:

Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risioluzione del contrato, com gli effetti stabiliti dall’art. 1458. La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell’alea normale del contrato.

La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modificare equalmente condizioni del contrato. 295

Texto esse que foi a principal base para o legislador brasileiro, eis que foi praticamente reproduzido pelo CC de 2002.

292 FRANTZ, Laura Coradini. Bases Dogmáticas para Interpretação dos artigos 317 e 478 do novo Código

Civil Brasileiro. Dissertação de Mestrado (Livre Docência) – Programa de Pós Graduação em Direito,

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2004. p. 73 a 76. 293 Art. 1372 do Códice Civle: “Il contrato há forza di legge tra lê parti. [...]”.

294 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25-28. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por

incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 149. Nota 289. OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 78-79. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 259-265. SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 40. RODRIGUES

JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 63-64. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. - Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 39.

295 “Nos contratos de execução continuada, periódica, ou seja, de execução futura, se a prestação de uma das partes tornou-se excessivamente onerosa em conseqüência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode demandar a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no art. 1458.

A resolução não pode ser demandada se a onerosidade superveniente entra na álea normal do contrato.

A parte contra qual é demandada a resolução pode evitá-la oferecendo uma modificação equitativa das condições do contrato.” (tradução livre)

Apesar de não haver disposição expressa em seu primeiro e único Código Civil, aprovado pelo Reichtag, promulgado em 1896, entrando em vigor a partir de 1° de janeiro de 1900 – chamado de Bürgerliches Gesetzbuch, ou BGB –, a Alemanha sempre teve forte tradição em adotar a teoria da base do negócio jurídico por meio de sua jurisprudência, como veremos mais adiante, valendo-se dos §§ 157, 275, 306, 315, 343, 812 e principalmente da boa-fé, conceito forte entre os juristas daquele país, presente no § 242.296 Desde a reforma de 2002 que inseriu o § 313, o BGB passou a adotar expressamente a teoria da base do negócio, livrando-se da marca do individualismo que o texto original do Código trazia.

O Código Federal das Obrigações Suíço de 1881, revisado em 1911, assim como o Código Civil Helvético de 1907 não comportam a revisão por fato superveniente, entretanto, a Suíça é considerada país integrante da corrente revisionista visto que o Código Civil determina, em seu artigo 2°, que todos os direitos e deveres devem ser exercidos em conformidade com a boa-fé, possibilitando, assim, que a jurisprudência admita a revisão por fato superveniente face ao desequilíbrio ocasionado, da mesma forma que a Alemanha fazia antes da reforma do BGB de 2002.297 Além destes, os julgadores suíços comumente valem-se dos artigos 163, 269 e 352 do mesmo Código Civil.298

De idêntica forma agiu a Hungria, que depois de sofrer com a crise inflacionária posterior à grande guerra de 1914, viu-se obrigada a rever os contratos por meio da jurisprudência da Corte Suprema Húngara (Curia Regia). Posteriormente, veio a adotar a cláusula rebus sic stantibus de forma expressa na legislação299, mesmo que o atual CC húngaro de 1977 afirme, em artigo 200, I: “las partes son libres de determinar el contenido del contrato”, e que “pueden, de común acuerdo, derogar las disposiciones que lo gobiernan,

296 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 23-25. OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 77-78. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 248-252. SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 35. RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos

contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 59-62. CAENEGEM, R.

C. Van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução Carlos Eduardo Lima Machado; revisão Eduardo Brandão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 218-224.

297 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 30-31. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 253-256. MAIA, Paulo Carneiro. Da Cláusula “Rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 1959. p. 98-102.

298 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 62-63.

299 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 2252-253. SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 42.

salvo que la ley establezca lo contrario”300, este é um país que admite a revisão por fato superveniente.

Na Polônia, embora o artigo 189 reforce a regra do pacta sunt servanda, há previsão expressa da cláusula rebus sic stantibus no artigo 269 do Código das Obrigações, promulgado em 27 de outubro de 1933, e que entrou em vigor em 1 de julho de 1934301:

Quando, em conseqüência de acontecimentos excepcionais, tais como guerra, epidemias, perda total de colheitas e outros cataclismos naturais, se a execução da prestação acarretar dificuldades excessivas ou ameaçar uma das partes com uma perda exorbitante, que os contraentes não poderiam prever ao tempo da conclusão do contrato, o tribunal pode, se entender necessário, segundo os princípios da boa-fé e tomando em consideração os interesses das partes, fixar o modo de execução, o montante da prestação ou mesmo decretar a resolução do contrato.

O Código Civil Grego de 1940, em artigo 388, admite a revisão ou resolução caso haja mudanças imprevistas das circunstâncias302, tendo adotado a teoria da base objetiva no texto legal.303

Quanto ao Direito Comunitário, pode-se citar o projeto preliminar do Code Européen des Contrats, onde os artigos 43, primeira parte; 97, primeira parte; e 157, terceira parte, preveem maneiras de solucionar o inadimplemento por meio da renegociação. Também o art. 1107 do texto dos Princípios do Direito Europeu do Contrato pode ser referido, uma vez que trata do dever de colaboração, entendendo-o como fundamentado no dever de boa-fé. Tudo baseado na atenuação da obrigatoriedade dos pactos face ao tom humano, equânime e solidário das relações contratuais fruto da mudança dos postulados que embasam a teoria contratual pós-moderna.304

300 ALTERINI, Atílio Aníbal. La tutela de la parte debil del contrato en el nuevo Codigo Civil brasileño. Disponível em: <http://alterini.org/tonline/to_aaa9.htm>. Acesso em: 17 fev. 2006.

301 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 31. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 256-258. SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito

brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 40.

302 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 6. ed. rev., ampl. e atualizada com colaboração do professor Semy Glanz, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e com referência ao Projeto de Código Civil. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983. p. 166.

303 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatasky, 1976. p. 41. Nota 47. 304 BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz, LIMA, Clarissa Costa de. Tratamento do crédito ao consumo na

América Latina e superendividamento. In MARQUES, Cláudia Lima, CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (coord.) Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e Crédito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 87 a 90.

Tratando-se de países não europeus, vale comentar as legislações latinas, como a Argentina305, que desde o Código Civil de 1964, aperfeiçoado pelo Proyecto de Unificación de 1987306, comporta a revisão expressamente no artigo 1198 §2°307:

En los contratos bilaterales conmutativos y en los unilaterales onerosos y conmutativos de ejecución diferida o continuada, si la prestación a cargo de una de las partes se tornara excesivamente onerosa, por acontecimientos extraordinarios e imprevisibles, la parte perjudicada podrá demandar la resolución del contrato. El mismo principio se aplicará a los contratos aleatorios cuando la excesiva onerosidad se produzca por causas extrañas al riesgo propio del contrato. No procederá la resolución si el perjudicado hubiese obrado con culpa o estuviese en mora. La otra parte podrá impedir la resolución ofreciendo mejorar equitativamente los efectos del contrato.

Hoje, através da Lei 17.771, alterou-se a redação do artigo 1.198 em função da forte influência que sofrera pelo Código Italiano, passando a dispor neste artigo: “Nos contratos bilaterais comutativos e nos contratos unilaterais onerosos e comutativos de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das partes se tornar excessivamente onerosa por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte prejudicada poderá demandar a resolução do contrato.”308 Mas o CC Argentino, mesmo depois de substituído, em 1964 por um código que inseria a cláusula rebus sic stantibus” continuou sendo considerado pelos juristas daquele país como extremamente voluntarista, como se percebe da leitura das Recomendaciones da Cuartas Jornadas Sanjuaninas de Derecho Civil, na Comisión 4 que tratava da Interpretación econômica del contrato, pois na 1° recomendação diz: “En el Código Civil argentino, en su redacción originaria, el contrato se muestra, preponderantemente, como una categoría jurídica basada en el voluntarismo.” Percebe-se nestas mesmas recomendações que estes juristas não apenas constataram o extremo voluntarismo do texto legal como ainda trouxeram a solução na recomendação de número 20:

305 ITURRASPE, Jorge Mosset; FALCÓN, Enrique M; PIEDECASAS, Miguel A. La frustración del contrato

y la pesificación. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2002.

306 FLAH, Lily R.; SMAYESKY, Mirian Colab. Teoria de la inprevision: aplicación y alcances, doctrina, jurisprudência. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 130-131.

307 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 35-36. DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no novo

Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 150.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 468. RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 69. Curioso que Ruy Rosado de Aguiar Junior fala no artigo 1108 do CC argentino , quando todos os demais falam em 1198. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 149. Nota 289. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 138.

308 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 161.

“El princípio de autonomía de las partes, en la confección y exteriorización del contrato, ha de coordinarse con los princípios de justicia contractual y buena fe.”309

No México, apenas dois dos vinte e nove códigos estaduais admitem expressamente a cláusula rebus sic stantibus.

O Uruguai trata da cláusula rebus sic stantibus no artigo 1291 do Código Civil da República Oriental,310 que estatui: “todos (os contratos) devem executar-se de boa-fé, e por conseguinte obrigam, não só no que neles se expressa, porém em todas as consequências que segundo sua natureza sejam conformes à equidade, ao uso ou à lei.”311

Nas demais legislações alienígenas latinas, prevalece o princípio da obrigatoriedade dos pactos.312

No Egito, o CC de 1949 admite a revisão em casos em que, sem se tornar impossível a obrigação, tenha se transformado em excessivamente onerosa no art.147, alínea 2.313

Por fim, cabe mencionar o direito internacional privado, que conta com normas próprias e inclusive prevê uma figura própria para a revisão dos contratos por fato superveniente: a chamada cláusula de hardship, que faz o papel da revisão por onerosidade excessiva, reequilibrando os pactos firmados em torno de questões internacionais.

O comércio internacional vale-se, principalmente dos princípios do UNIDROIT, L’Institut internacional pour l’unificacion du droit prive (Instituto internacional para a unificação do direito privado), que traz na sessão 2, do capítulo 6, a regulamentação para o

309 FLAH, Lily R.; SMAYESKY, Mirian Colab. Teoria de la inprevision: aplicación y alcances, doctrina, jurisprudência. Buenos Aires: Depalma, 1989. p.129- 130

310 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 70.

311 Tradução de Rogério Ferraz Donnini. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e

no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 36.

312 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 36.

313 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991p. 80; FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 265-266; SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 42.

hardship.314 Esta sessão prevê, junto com a obrigatoriedade do contrato, o conceito e os efeitos deste instituto.315 A cláusula de hardship busca proteger o equilíbrio contratual quando a execução de um contrato torna-se excessivamente onerosa por uma situação alheia à vontade das partes, eis que nem todos os países reconhecem a teoria da onerosidade excessiva ou uma de suas equivalentes.316 Assim, toda a contratação internacional será realizada com o amparo desta previsão, garantindo que, independentemente dos países de orígem de cada contratante, se proteja aquele que foi acometido por fato superveniente.