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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

2.1 Contextualização, finalidades e requisitos (elementos para a caracterização das teorias)

2.1.3 Requisitos

2.1.3.5 Execução distribuída no tempo

O pacto, incontroversamente, deve ter sua execução distribuída no tempo. Não é possível àqueles em que se cumpra em uma única prestação, que tenham, portanto, exaurimento em um único momento, o que impede a aplicação aos contratos instantâneos.366

362 SILVA, Luis Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 114.

363 SIDOU, J M Othon. A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p. 86.

364 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 156-157.

365 SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972.p. 94.

366 Embora se concorde com Clóvis do Couto e Silva no sentido de que toda relação obrigacional seja um “sistema de processos” (COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatasky, 1976. p. 6.), em contratos instantâneos estes processos se dão em um único momento o que impede que a ocorrência de um fato superveniente à contratação e anterior a execução impossibilite seu cumprimento.

Questão relevante é a da definição do tempo mínimo necessário entre a criação do acordo e o fato imprevisto. Quanto a isso, Renato José de Morais assim se pronuncia:

Na prática, não se estão exigindo prazos demasiado longos, pois os julgadores têm aceitado inúmeras vezes a revisão de contratos que se desenvolvem em períodos mais curtos, desde que comprovada a existência de grave desigualdade de prestações..367

Ademais, este aspecto não pode ser regulado de forma genérica, pois difere, dependendo da espécie de contrato em apreço.

Portanto, não chega a ser necessário significativo lapso temporal entre a formação e a execução do contrato, mas que ambas não se sobreponham, para que entre elas ocorra uma alteração das circunstâncias fáticas. É o caso dos chamados “contratos cativos de longa duração”, denominação de Claudia Lima Marques, ou “contratos relacionais”368, conforme nomenclatura proveniente do common law, criada por Ian Macneil369 e trazidos para o Brasil por Ronaldo Porto Macedo Júnior370, ou ainda “contratos múltiplos”, “serviços contínuos”, “relações contratuais triangulares”, “contratos de serviços complexos de longa duração”, etc.371, denominações, todas, que representam a mesma situação. Essa questão está expressa no atual texto legal, logo no início do artigo 478 do Código Civil, quando aduz: “Nos contratos de execução continuada ou diferida [...]”. Fica claro que a prestação deve ser periódica (trato sucessivo ou execução continuada) ou, mesmo que só haja uma prestação, esta deve estar afastada da contratação para que seja dependente do futuro. Segundo Barletta, existem diversas classificações para as prestações não imediatas:

As prestações duradouras classificam-se em divididas, fracionadas ou repartidas, se seu cumprimento se efetua em parte, em momentos temporais distintos, com seu preço pago em parcelas. As duradouras podem ser também continuativas, contínuas

367 MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 179

368 MACNEIL, Ian. The relational theory of contract: selected works of Ian Macneil. Edited by David Campbell. London: Sweet & Maxwell, 2001.

369 "A chamada teoria dos contratos relacionais está associada sobretudo ao nome de Ian Macneil. É de se notar, contudo, que se por um lado este autor merece o reconhecimento por ter elaborado uma sistematização abrangente desta teoria, por outro o seu trabalho, como ele próprio reconhece, é fruto do desenvolvimento de trabalhos empíricos e teóricos de juristas que desde há muito já vinham trabalhando na mesma direção e chegando a resultados muito próximos dos seus" MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos Relacionais

e Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 121-122.

370 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

371 LIMA, Clarissa Costa de. Reflexões sobre a resolução do contrato na nova teoria contratual. In MARQUES, Cláudia Lima. A Nova Crise do Contrato: Estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 521.

ou de execução continuada, quando a prestação consiste numa ação ou numa abstenção que se prolonga ininterruptamente, como ocorre na obrigação do locador de assegurar ao locatário o uso e gozo do bem locado.

Existem ainda as prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo, as quais, embora seu conteúdo efetue-se em parte como as prestações divididas, fracionadas ou repartidas, não consistem em uma única prestação fracionada em si como estas últimas. As prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo dizem respeito a uma mesma relação obrigacional, que é composta de diversas prestações, como ocorre na obrigação do locatário de pagar ao locador o aluguel.

As prestações que se enquadram nessa classificação serão objeto de revisão contratual quando sua excessiva onerosidade decorrer de fatores posteriores à formação do contrato, pois as obrigações instantâneas, que se realizam num só momento, não têm tempo para resultar excessivamente onerosas por motivos supervenientes.372

Para que se possa revisar por entender-se que o vínculo obrigatório fica subordinado ao estado dos fatos vigentes à época da contratação, este estado deve, necessariamente, ser diverso quando da execução, e se o contrato já estava desequilibrado desde a sua formação, trata-se de caso de lesão, dolo ou erro.373

Este requisito é unânime entre os juristas. Contudo, unânime também é o entendimento de que não é suficiente para legitimar a revisão, porque não pode um contrato ser revisado pelo simples fato de ser de execução continuada ou diferida.