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PARTE I – REVISÃO DOS CONTRATOS

1 EVOLUÇÃO: DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS À TEORIA DA

2.2 Teorias que fundamentam a revisão ou resolução do contrato por fato superveniente

2.2.2 Teorias extrínsecas

2.2.2.5 Fundamento na equidade e na justiça

Genuinamente brasileira, a teoria surgiu através dos ensinamentos de Arnoldo Medeiros da Fonseca, baseado em Bonecase449 e Paulo Carneiro Maia450, sendo que o último propõe que a própria noção de direito e equidade são suficientes para a fundamentação que se busca, não necessitando chegar até a moral. Por si só, argumenta o mestre, o sentimento de justiça proíbe-nos aceitar a destruição de um contratante pelo simples fato de ter sido atingido por alteração fática, cuja previsão não lhe podia ser exigida, e ainda acrescenta requisito que, posteriormente, veio a ser exigido pelo CC de 2002: o enriquecimento exagerado obtido de inopino, em decorrência do acontecimento posterior à celebração, pela outra parte, no contrato

444 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 32.

445 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 234-235. FIGUEREDO, Aécio Manoel de Sousa. Revisão do contrato. Curitiba: Juruá, 2004. p. 77 a 78. 446 MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Função social do contrato, boa-fé e bons costumes: nova crise dos

contratos e a reconstrução da autonomia negocial pela concretização das cláusulas gerais. In MARQUES, Cláudia Lima. A Nova Crise do Contrato: Estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 177. KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 32.

447 SILVA, Luis Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 3.

448 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 149.

449 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro. Forense, 1958. p. 231-232 e p. 244-245.

450 MAIA, Paulo Carneiro. Da Cláusula “Rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 1959. p. 197-210. Citado como criador desta teoria em conjunto do jurista Arnoldo Medeiros da Fonseca por Renato José de Moraes em MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 33.

em discussão, elemento este que, de acordo com Rogério Ferraz Donnini, já teria aparecido desde a Teoria da Pressuposição451. No mesmo sentido escreveu Ruggiero, que sustentava sua tese com base na necessidade de equilíbrio econômico nas relações contratuais.452 Criticada, da mesma forma que a boa-fé e a moral, pela subjetividade do termo equidade453, isto é, fundamentar a revisão por fato superveniente em uma delas certamente acarretará grande risco de não se definir coisa alguma.454 A subjetividade do conceito de equidade é tamanha que, como lembra o mestre Serpa Lopes, varia de acordo com as concepções filosóficas, pois, para os jusnaturalistas, aparece como um direito imutável, para os mais relativistas, dependeria do momento histórico. Há ainda aqueles que atribuem ao juiz a tarefa de definir este conceito455.

Sem dúvidas, a equidade deve ser levada em consideração no momento da revisão, pois, somente com ela se manterá o sinalagma contratual, instituto ligado à justiça comutativa, criada por Aristóteles456, o qual entendia que a justiça particular dividia-se em justo distributivo - que distribuía os ônus e vantagens entre as partes, regulando as relações entre Estado e cidadãos – e o justo comutativo – que regularia as relações privadas, subdividindo-se em sinalagmas voluntários e involuntários. Para os dois, o objetivo primordial é a justiça corretiva, mantendo a proporção que havia, permanecendo, assim, as prestações equilibradas.457 Passados vinte e cinco séculos, a humanidade ainda busca a melhor forma de atingir esta meta. Já entre os romanos dava-se importância ao tema. Celso concebia o direito como “a arte do bem e da equidade” (ius est ars boni et aequi).458 Portanto, nos contratos comutativos, a equivalência das prestações é, de fato, condição sine qua non.

451 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 38.

452 SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972. p. 31. FIGUEREDO, Aécio Manoel de Sousa. Revisão do contrato. Curitiba: Juruá, 2004. p. 78 a 79.

453 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. São Paulo: Leud, 1991. p. 151-153; KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 33.

454 SANTOS, Antonio de Almeida. A Teoria da Imprevisão ou da superveniência contratual e o novo código

civil. Lourenço Marques: Minerva Central, 1972. p. 33.

455 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953. v. 1. p.142. 456 ARISTÓTELIS. Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.

457 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A teoria da imprevisão e a incidência dos planos econômicos governamentais na relação contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. vol. 80, n. 670. ago. 1991, p. 41. MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 268-269. 458 Digesto 1,1,pr. (ULPIANO 1 inst.). apud AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo código civil brasileiro:

tramitação; função social do contrato; boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e; onerosidade excessiva. Revista Jurídica, São Paulo, v. 51, n. 308, p. 7-25, jun. 2003.

No que toca ao direito internacional privado, os princípios do UNIDROIT, as mais importantes normas deste ramo do direito, como já visto, elevaram a equidade ao grau de princípio junto da boa-fé.459

No direito brasileiro, não tendo sido consagrada no CC de 1916, apenas mencionada nos artigos 1040, inciso IV e artigo 1456, a equidade só veio a ser referida pela lei como forma de julgamento no Decreto 24.150 de 1934 que regulou as locações de fundo de comércio460. Maria Helena Diniz recorda o artigo 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, que, na visão da ilustre doutrinadora, ao obrigar o juiz a atender “aos fins sociais” da lei e as “exigências do bem comum” quando da aplicação da norma, estaria consagrando a equidade:

O atigo 5° está a consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso concreto. A equidade apresenta-se como a capacidade que a norma tem de atenuar o seu rigor, adaptando-se ao caso sub judice. Nesta sua função, a equidade não pretende quebrar a norma, mas amoldá-la às circunstncias sociovalorativas do fato concreto no instante de sua aplicação.461

Em três itens dedicados à equidade, o renomado jurista Miguel Maria de Serpa Lopes, em sua obra, bem refere a aplicação desta no momento da interpretação:

Um direito aplicado rigidamente pode determinar uma decisão iníqua, pelo que ao juiz cumpre estudar um modo de interpretação das leis que lhe dê um sentido menos rigoroso.462

[...]

a equidade, como função de interpretação da norma, independe de autorização legal, pois deve ser utilizada para coadjuvar a inteligência do dispositivo interpretando, de acordo com os dados sociológicos que o envolverem e a finalidade que tiver.463

Tendo optado pela classificação doutrinária disposta pelo professor Anísio José de Oliveira, e observando que este não abordou a integralidade das doutrinas existentes, passo agora a discorrer sobre aquelas que ficaram de fora da classificação do ilustre jurista.

459 SANTOLIM, César Viterbo Matos. Os princípios de proteção do consumidor e o comércio eletrônico no direito brasileiro. Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. n. 55, jul/set. 2005. p. 67.

460 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953. v. 1. p. 142. 461 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. – 10. ed. adaptada à Lei n.

10.406/2002 – São Paulo: Saraiva, 2004. p. 164.

462 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953. v. 1. p.141. 463 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953. v. 1. p.143.

2.2.2.6 Teoria baseada na Ideia de cooperação como princípio ínsito no próprio conceito de