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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005071002566-

No documento 176rdj093 (páginas 132-144)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005071002566-

Apelantes - S/A Viação Aérea Rio-Grandense e outro e Multline Eletros e Eletrônicos Ltda.

Apelados - Os mesmos Relator - Des. Cruz Macedo Quarta Turma Cível

EMENTA

CIVIL E PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE TRANS- PORTE AÉREO DE CARGA. DESVIO DA MERCADORIA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. ALEGAÇÃO DA PRÁTICA DE FRAUDE DO CONTRATANTE DO SERVIÇO. SIMU- LAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DA CARGA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. ARTIGO 130 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE DEFESA DO POLO PASSIVO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA.

1. Não caracteriza cerceamento de defesa a decisão que indefere pedido de produção de prova testemunhal irrelevante para o deslinde da causa e cancela a audiência de instrução e julga antecipadamente a lide, com fundamento no artigo 330, I, do CPC, mormente se as testemunhas arroladas não são encontradas quando da sua respectiva intimação.

2. O contrato de transporte aéreo de carga constitui uma obrigação de resultado, sendo, portanto, dever da empresa transportadora conduzir a coisa ao seu destino e entregá-la ao destinatário no prazo ajustado ou previsto, sob pena de responsabilidade civil, nos termos do artigo 749 do CC/02.

3. A indenização deve ter como parâmetro o valor constante do conhecimento, máxime se há nota fiscal comprovando a expedição das mercadorias. Prevalência do artigo 750 do CC/02 sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. Precedentes jurisprudenciais.

4. Incumbe ao réu comprovar sua alegação de que o polo ativo da demanda simulou a contratação de transporte de carga para

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fins de se locupletar. Meros indícios de prova não são suficientes para infirmar o Conhecimento de Transporte Aéreo, notadamente se a própria transportadora expede aquele documento, anuindo com o que dele consta.

5. Não se vislumbrando o manifesto propósito da parte de alterar a verdade dos fatos ou praticar as condutas descritas no rol do artigo 17 do CPC, não se justifica a condenação por litigância de má-fé.

6. Recursos não providos.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Cruz Macedo - Relator, Alfeu Machado - Revisor e Sérgio Bittencourt - Vogal, sob a presidência do Desembargador Fernando Habibe, em negar provimento ao agravo retido interposto pela ré, maioria, negar provimento ao outro agravo retido, unânime e negar provimento a ambas apelações, unânime, de acordo com ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 03 de março de 2010.

RELATÓRIO

Trata-se, na origem, de ação de reparação de danos materiais ajuizada por MULTLINE ELETROS E ELETRÔNICOS LTDA. em desfavor de S/A VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE e VARIG LOGÍSTICA S/A, aduzindo, para tanto, que os réus não cumpriram o contrato de transporte consubstanciado na entrega de mercadoria adquirida em outra unidade da federação.

Na sentença às fls. 416/422, o pedido foi julgado procedente para condenar as rés a ressarcirem à autora a quantia de R$ 66.066,00 (sessenta e seis mil e sessenta e seis reais), o que equivale ao preço da mercadoria extraviada, com correção monetária a partir do desembolso e juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação. Face à sucumbência, as rés também foram compelidas ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre a condenação.

Insatisfeita com a condenação, a S/A VIAÇÃO AÉREA RIO- GRANDENSE apelou à fl. 458. Em suas razões (fls. 459/462), em suma, a primeira ré aduz que consta dos autos prova de que a autora simulou contrato de compra e venda de mercadoria, de modo que não haveria o que ser transportado para o Distrito Federal. Conclui sustentando que a postagem alegada fora um embuste, com o único objetivo de obter indenização junto à transportadora.

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A segunda ré também apelou (fl. 478). Nas razões recursais (fls. 479/498), inicialmente reitera os argumentos expendidos nos agravos retidos interpostos contra as decisões que, segundo seu entendimento, cercearam o seu direito de defesa. Ainda no âmbito preliminar, diz que o julgamento antecipado da lide não lhe oportunizou a devida dilação probatória, malferindo, pois, o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Quanto à questão de fundo, na mesma linha desenvolvida pela primeira ré, sustenta que o autor não realizou negócio jurídico de compra e venda de mercadoria que deu azo ao contrato de transporte. Articula ainda que a simulação apontada contaminou o contrato de transporte firmado entre os litigantes, o que afastaria a sua responsabilidade. Afirma que não atestou a ciência da quantidade, volume ou valor da carga, motivo por que incumbe à autora a demonstração do real envio do material alegado. Alinhava que as indenizações referentes ao transporte aéreo são regidas pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, o qual dispõe que a reparação de dano material deverá observar o limite de 3 OTNs por quilograma, notadamente porque a autora não arcou com o custo relativo ao prêmio do seguro do transporte da carga. Conclui requerendo que, na hipótese de não acatamento dos pleitos precedentes, que a indenização tenha como parâmetro os valores dos produtos (listados pela autora) praticados no mercado de Brasília/DF.

Contrarrazões às fls. 473/476 e 503/507. Em ambas, pede a apelada a condenação das rés na penas por litigância de má-fé.

Preparos regulares às fls. 463 e 499. É o relatório.

VOTOS

Des. Cruz Macedo (Relator) - Conheço dos recursos, presentes os

pressupostos de admissibilidade.

Para uma melhor compreensão da situação sub examine, faz-se mister uma rápida explanação da situação fática posta nos autos.

Em sua petição inicial, narrou a autora que em 02/12/2004 adquiriu da empresa SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda., localizada em Marechal Cândido Rondon/PR, mercadorias no valor de R$ 66.066,00 (sessenta e seis mil e sessenta e seis reais). No mesmo dia, contratou os serviços das rés para transportar, via aérea, os produtos do Paraná para o Distrito Federal. Entretanto, ao se dirigir ao Terminal de Cargas da Varig no Aeroporto Internacional de Brasília/DF, a autora não conseguiu retirar a mercadoria, mesmo de posse do Conhecimento Aéreo Nacional, documento que comprova o envio da mercadoria (fl. 16). Ante o alegado extravio, buscou a autora a reparação dos danos materiais suportados.

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Todavia, as rés sustentam que há diversas incongruências na versão apresentada pela autora, dentre as quais se destacam: “(i) alterações contratuais da

autora e da revendedora da mercadoria; (ii) declaração de aquisição e quitação da mercadoria passada por pessoa não integrante do quadro societário da revendedora; (iii) objeto social da autora diverso dos produtos adquiridos; (iv) envio das mercadorias antes da compensação do cheque dado em pagamento; (v) abertura de conta bancária pela revendedora da mercadoria 7 (sete) dias antes da realização da venda; (vi) distância entre a sede da revendedora da mercadoria e o local onde foi despachada superior a 450km; (vii) incapacidade econômica da revendedora-compradora para a realização do negócio; (viii) inquéritos policiais e auto de prisão em flagrante por fraudes perpetradas pelo Sr. Hugo Capelossa, revelando, sem sobra de dúvida, a ilicitude do objeto do contrato (compra e venda simulada)” (fl. 491).

Concluem asseverando que a autora, em verdade, forjou toda a negociação entabulada com a empresa SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda. com o fim último de obter a indenização postulada. Salientam que não é a primeira vez que o representante legal da autora, Sr. Hugo Capelossa, atua com vistas a receber semelhante indenização. Noticiam que já o indenizaram administrativamente em situação análoga. Observam, por fim, que o procurador da autora fora preso em flagrante delito ao tentar aplicar golpe com as mesmas características do caso vertente e que, inclusive, consta do inquérito policial a confissão de um dos comparsas (fls. 298).

Feito esse breve escorço, adentro na análise das questões recursais. AGRAVO RETIDO

Os agravos retidos interpostos pela ré VARIG LOGÍSTICA foram devidamente reiterados nas razões recursais, nos termos do artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil. Portanto, deles conheço.

O primeiro agravo retido às fls. 313/317 impugna a decisão interlocutória às fls. 308/311 que indeferiu: a) a oitiva do Sr. Ivanir Kist, representante da empresa SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda.; b) a intimação da autora para trazer aos autos registros financeiros e contábeis sobre a transação celebrada; e, c) a apresentação das notas fiscais, por parte da SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda., de aquisição dos materiais revendidos à autora.

Como bem destacado pelo douto juízo do conhecimento original, desnecessária a oitiva do Sr. Ivanir Kist, afinal é inerente o seu interesse na causa, não parecendo minimamente crível que testemunhasse em seu desfavor e da autora. Ademais, com residência em outra unidade da federação, o seu testemunho demandaria a expedição de carta precatória, o que fatalmente prejudicaria o andamento do processo.

Quanto aos demais indeferimentos, impende observar que, em verdade, postulava a ré que o autor produzisse prova contra si mesmo, o que efetivamente não

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se coaduna com sistema processual pátrio. Tem-se ainda que não constitui obrigação do autor produzir prova de interesse exclusivo do réu.

Nessa linha, é ônus do réu produzir provas dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos alegados pelo autor (artigo 333, II, do CPC), sendo certo que o acolhimento do pedido da ré necessariamente inverteria o comando da citada norma.

Quanto ao segundo agravo retido, interposto durante a audiência de instrução (fls. 363/364), também sem razão o apelante.

É que ao arrolar a testemunha Roberto Queiroz, a segunda apelante atestou que ela compareceria independentemente de intimação, fls. 163 e 304.

O motivo alegado pela ré para o não comparecimento daquela testemunha, rescisão do contrato de trabalho entre ambos, não se sustenta, porquanto não acostou aos autos prova da sua assertiva. Ademais, o rol de testemunha foi apresentado em 26/09/2007 e a audiência foi designada em 23/04/2009 para o dia 04/06/2009, sendo possível presumir que a ré teve bastante tempo hábil para requerer a intimação pessoal nos termos do artigo 407 do CPC, ou seja, até 10 (dez) dias antes da audiência. Entretanto, manteve-se inerte.

Assim, restou precluso o direito de a segunda ré requerer a intimação daquela testemunha.

O pedido de substituição da testemunha Hugo Monteiro Capelossa por Paulo César Godói também não merece guarida, afinal a justificativa do pleito não se insere nas hipóteses previstas no artigo 408 do CPC, verbis:

“Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antece- dente, a parte só pode substituir a testemunha:

I - que falecer;

II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III - que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça”.

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO aos agravos retidos. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA

Sustenta a segunda ré que houve cerceamento de defesa, uma vez que houve indeferimento de provas reputadas imprescindíveis e julgamento antecipado da lide.

As questões referentes ao indeferimento das provas e da oitiva da testemunha Ivanir Kist foram analisadas acima, quando do exame dos agravos retidos interpostos, razão por que despiciente maiores digressões sobre esses tópicos.

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Assim, de ordinário, cabe avaliar se o julgamento antecipado da lide restringiu o direito de defesa do polo passivo da demanda.

As testemunhas arroladas pela defesa não compareceram à audiência de instrução designada para o dia 04/06/2009. Em virtude disso, nova audiência fora designada para o dia 27/08/2009. Todavia, a mesma acabou sendo cancelada e levado a efeito o julgamento antecipado da lide e, para tanto, o douto juiz sentenciante assim se manifestou às fls. 418/419:

“De início, cumpre explicitar as razões que motivaram este juízo a can- celar a audiência de instrução e promover o julgamento antecipado. Em que pese este juízo ter deferido o depoimento pessoal do representan- te da autora e a oitiva de testemunhas, verifico que os réus requereram na fase de especificação de prova, tão-somente, o depoimento pessoal de Hélio Silva Fernandes, representante da autora, da oitiva das testemu- nhas Roberto Queiroz, este com comparecimento independentemente de intimação, de Hugo Monteiro Capelossa de Ivanir Kist.

Com relação ao depoimento da testemunha ROBERTO QUEIROZ, os réus não foram diligentes em trazer a testemunha para prestar de- poimento em audiência. Na decisão saneadora houve indeferimento da oitiva da testemunha Ivanir Kist.

Já o depoimento do representante da autora e da testemunha Hugo Capelossa, de nada elucidará a lide, pois essas pessoas têm inegável interesse no presente processo.

Veja que as demais testemunhas admitidas na decisão de saneamento não foram a requerimento das partes, mas por livre iniciativa deste juízo.

Acontece que a única testemunha que poderia, eventualmente, eluci- dar a questão da entrega da mercadoria, as rés deixaram de trazê-la tempestivamente.”

De fato, o testemunho do sócio da autora e do seu procurador Hugo Capelossa não contribuiria para o deslinde da questão a despeito do aduzido pela segunda ré, porquanto induvidoso que eles não iriam se autoincriminar, ainda mais se considerarmos que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, consoante exegese do artigo 5º, inciso LXIII da CF/88.

Pontua-se ainda que Paulo Hércules Capelossa, Omar Ely Luducvichack e Robson Ricardo da Silva eram testemunhas do juízo, ou seja, não foram requeridas pelas rés. Logo, não podem alegar cerceamento de defesa, pois elas mesmas, quando da especificação de provas, não consideraram relevantes as respectivas oitivas.

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Por oportuno, convém observar que as rés não indicaram endereço atualizado da testemunha Robson Ricardo da Silva, inviabilizando a sua intimação, segundo certidão à fl. 412.

Além disso, constata-se que as testemunhas Omar Ely Luducvichack, Paulo Hércules Capelossa, e Hugo Monteiro Capelossa não foram intimadas para a audiência por erro ou insuficiência dos dados constantes dos autos, conforme certidões às fls. 424, 429 e 431, o que, de qualquer sorte, inviabilizaria a produção da prova perseguida pelas rés. Vale dizer, nenhuma das testemunhas arroladas compareceriam à audiência por falta de intimação, apesar dos esforços envidados pelos meirinhos.

Sob tal perspectiva, afigura-se escorreito o posicionamento esposado Magistrado a quo, no sentido de julgar antecipadamente a lide, considerando a inviabilidade da produção da prova testemunhal e a suficiência do conjunto probatório para o deslinde da questão.

Por fim, o artigo 130 do Código de Processo Civil e o Princípio do Livre Convencimento motivado autorizam o juiz a indeferir as provas que entenda inúteis ao deslinde do processo, desde que fundamente adequadamente sua decisão, o que ocorreu. In casu, a parte interessada não conseguiu demonstrar a necessidade das oitivas.

Portanto, REJEITO a preliminar. MÉRITO

De início, merece destaque o seguinte trecho da contestação da ré S/A VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE à fl. 30, verbis:

“De sorte a apurar o extravio da mercadoria reclamada pelo Sr. Hugo na forma do expediente de fls. 19, a ré acionou sua Gerência de Segurança para que promovesse o minucioso levantamento fático e apuração de responsabilidade do episódio, inclusive no propósito de identificar eventual envolvimento de seus funcionários.

Tal preocupação quanto ao eventual envolvimento de funcionário(s) no episódio prende-se ao fato de que ocorreu o extravio da via de conhecimento de transporte que acompanha a mercadoria e que comprova a sua entrega ao destinatário, documento igual ao juntado às fls. 16.

Impõe-se frisar também que, considerado o valor declarado da merca- doria, a mesma foi alojada em área denominada ‘cofre’ no galpão da empresa e constam nos anexos registros de movimentação de carga, o ingresso da mesma no ‘cofre’ aos 03-12-04 e sua saída aos 07-12-04, levando a ré a firmar sua convicção de que efetivamente a carga foi

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transportada, recebida e entregue sem que se possa demonstrar docu- mentalmente, contudo, que tenha sido entregue.

Na oportunidade processual adequada se fará prova de houve a entrega da carga”.

Prosseguindo, à fl. 34, atesta que “no dia 07-12-04, o Agente de Cargas

Roberto Queiroz retirou a carga do cofre para entrega ao cliente. Tudo registrado em livro”.

Vê-se também que em mensagens internas (fls. 93/94) as rés apuravam a

“quebra de procedimentos por funcionários da VARIGLOG”.

Esclarece-se que a ré VARIG LOGÍSTICA S.A apresentou idêntica contestação às fls. 53/74, reproduzindo todas as alegações da outra demandada.

Enfim, da simples leitura do excerto acima, resta evidente que as rés assumiram que foram contratadas para realizar serviço de transporte aéreo para a autora e que lhes foi entregue a mercadoria. Atestam, inclusive, que, em razão do valor postado, os produtos, quando chegaram à Brasília/DF, foram guardados em um local com maior segurança, consoante registros internos.

Logo, não há dúvida acerca da existência do contrato entabulado entre os litigantes. Também inexiste objeção ao fato de que os produtos foram despachados, cuja destinatária era a autora.

Corroboram essas conclusões o Conhecimento Aéreo Nacional acostado à fl. 16 (por cópia).

Disseram as rés ainda que entregaram os objetos transportados à autora e que provariam tal fato.

Entretanto, assim não fizeram. Aliás, verifica-se que as próprias apelantes identificaram falhas nos seus procedimentos internos, suspeitando até mesmo da conduta de seus funcionários. Além disso, como já esposado, acusam a autora de fraudar a contratação do serviço de transporte.

A propósito, conforme consignado no relatório, expendem as rés uma série de conjecturas que buscam desqualificar a atuação da autora no episódio, dentre os quais sobressaem: “(i) alterações contratuais da autora e da revendedora da

mercadoria; (ii) declaração de aquisição e quitação da mercadoria passada por pessoa não integrante do quadro societário da revendedora; (iii) objeto social da autora diverso dos produtos adquiridos; (iv) envio das mercadorias antes da compensação do cheque dado em pagamento; (v) abertura de conta bancária pela revendedora da mercadoria 7 (sete) dias antes da realização da venda; (vi) distância entre a sede da revendedora da mercadoria e o local onde foi despachada superior a 450km; (vii) incapacidade econômica da revendedora- compradora para a realização do negócio; (viii) inquéritos policiais e auto de prisão em flagrante por fraudes perpetradas pelo Sr. Hugo Capelossa, revelando, sem sobra de dúvida, a ilicitude do objeto do contrato (compra e venda simulada)” (fl. 491).

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Entretanto, como bem anotado na r. sentença fustigada, as rés não conseguiram comprovar a alegada fraude, seja de simulação no envio, seja no recebimento da mercadoria, ônus que lhes competia. Sobreleva notar também que há suspeita de condutas impróprias de funcionários da transportadora, de maneira que não há garantia sequer de que não foram eles os responsáveis pelo extravio da mercadoria, ao invés da autora, como querem fazer crer as apelantes.

Enfim, as hipóteses levantadas pelas rés não se transmudaram para o mundo concreto. Trouxeram aos autos meros indícios de prova, incapazes de elidir a sua responsabilidade civil, sendo forçoso considerar, então, a presunção de inocência da autora em toda a avença ora em análise. Nem mesmo a prisão em flagrante do procurador da autora, tentando aplicar golpe em situação que se aproxima da descrita nos autos, na versão apresentada pela segunda ré, tem o condão de macular as suas assertivas autorais, nos termos do artigo 5º, LVII, da CF/88. Significa dizer, temos que partir do pressuposto da lisura de comportamento da demandante, ante a carência de prova a infirmar a sua narrativa, sem olvidar ainda que ela aportou provas do contrato entabulado e da real expedição da carga, fatos, inclusive, confirmados pelas rés.

Ademais, ainda que comprovada a conduta ilícita naquela situação (fls. 284/299), é defeso ao juiz presumir que também tenha o Sr. Hugo Capelossa, procurador da autora, agido em desconformidade com o ordenamento nas circunstâncias em que se pautou o pedido de indenização.

É importante, neste ponto, trazer os ensinamentos do renomado jurista Humberto Theodoro Júnior, que assim esclarece:

“Não há um dever de prova, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigan- te assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. No dizer de Kisch, o ônus da prova vem a ser, portanto, a ‘necessidade de provar para vencer a causa’, de sorte que nela se pode ver uma imposição

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