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PEDIDO DE VISTA

No documento 176rdj093 (páginas 144-151)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

PEDIDO DE VISTA

Des. Sérgio Bittencourt (Vogal) - Cuida-se de apelações interpostas

pela S/A Viação Aérea Rio-Grandense e Varig Logística S/A, em recuperação judicial, contra a r. sentença que julgou procedente o pedido formulado nos autos da ação de indenização por danos materiais movida em seu desfavor por Multline

Eletros e Eletrônicos Ltda., para condená-las a ressarcir a autora em R$ 66.066,00,

correspondentes ao valor das mercadorias adquiridas por essa última e transportadas pela segunda ré, que foram objeto de extravio.

Pugna a segunda recorrente, em suas razões, pelo exame dos agravos retidos interpostos em face das decisões exaradas no despacho saneador e na audiência de instrução, bem como argui preliminar de cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide. No mérito, ambas as apelantes repetem os argumentos expostos em contestação, insistindo que o contrato de transporte celebrado entre as partes é nulo, por ilicitude do objeto, eis que simulada pela autora a operação de compra e venda dos produtos supostamente adquiridos e transportados. Pedem, alternativamente, a fixação da verba indenizatória com base no Código Brasileiro de Aeronáutica, de acordo com os limites previstos em seu art. 262, ou a redução do

quantum arbitrado pelo juízo singular em valor compatível com o de mercado.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos agravos retidos interpostos pela segunda apelante.

Insurgiu-se, no segundo agravo retido, contra a r. decisão proferida na audiência de instrução, que indeferiu os pedidos de intimação pessoal da testemunha Roberto Queiroz, e de substituição da testemunha Hugo Capelossa, por Paulo César Godói, formulados pela segunda ré (fls. 363/364).

Ao manifestar-se sobre a produção de provas, a segunda apelante pugnou pela oitiva de Roberto Queiroz, informando que o mesmo compareceria à audiência independentemente de intimação (fls. 163/164). Portanto, se o contexto fático mudou, em face da alegada - e não provada - rescisão do contrato de trabalho da referida testemunha, seu empregado na época dos fatos, impunha à ora agravante requerer sua intimação dez dias antes da audiência, nos termos do art. 407 do CPC. Porém, nada fez, operando-se, assim, a preclusão.

Em relação à pretendida substituição da testemunha arrolada, por outra, bem asseverou o i. juiz singular que tal medida seria possível apenas nas hipóteses

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elencadas no art. 408 do CPC, ou seja, em casos de falecimento, de enfermidade, ou de mudança de endereço, situações diversas dos autos.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido interposto às fls. 363/364.

Passo ao exame do primeiro agravo retido (fls. 313/317), interposto em face da r. decisão interlocutória que indeferiu o pedido de depoimento pessoal do proprietário da SOS Descartáveis Kist e Lima, e de compeli-lo a apresentar as notas fiscais de aquisição dos produtos revendidos à autora, prolatada nos seguintes termos (fls. 308/311):

“Contudo, indefiro a oitiva de IVANIR KIST, porque desnecessária a sua oitiva e, assim, não tem sentido a expedição da carta precatória para simplesmente ele revelar a forma de pagamento, assim como causará prejuízo ao processo, ante o fato de ser cristalino o seu inte- resse na causa.

Indefiro, ainda, a intimação da parte autora para trazer aos autos registros financeiros e contábeis sobre a transação celebrada, porquanto é ônus do autor produzir prova dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos alegado pelo réu.

Acontece que na fase de especificação de provas o autor nada reque- reu.

Pelo mesmo fundamento, afasta-se a hipótese de compelir a empresa SOS descartáveis Kist e Lima Ltda. de apresentar as respectivas notas fiscais de aquisição dos equipamentos revendido à autora.”

Não há falar em cerceamento de defesa quanto ao indeferimento das provas orais requeridas, eis que o depoimento pessoal de Ivanir Kist, testemunha arrolada pela ora agravante, em nada acrescentaria à solução da lide, pois revendeu à autora, por meio da SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda, os produtos médico- hospitalares elencados na nota fiscal de fls. 17, despachados para Brasília por meio do transporte de cargas da segunda ré, como se verifica à fl. 16. Patente, aliás, seu interesse em não prejudicar a si próprio ou à apelada, valendo lembrar que a recorrente insiste que simularam o negócio de compra e venda das mercadorias extraviadas.

Diversamente, o indeferimento da intimação da apelada e da empresa SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda. para apresentarem, respectivamente, os registros financeiros e contábeis referentes ao aludido negócio, e as notas fiscais relativas à aquisição das mercadorias revendidas à primeira pela segunda, cerceou o direito de defesa da ora agravante.

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Com efeito, ficou impedida de comprovar, por meio dos documentos requeridos, a alegada simulação do negócio jurídico perpetrado entre a recorrida e a empresa acima nominada, concernente à compra e venda das mercadorias transportadas pela segunda apelante, que foram extraviadas de seu terminal de cargas. Por óbvio, incumbe à autora, e não à segunda ré - que não pode fazer prova de fato negativo - demonstrar, por meio da documentação pertinente, a regularidade da transação dos produtos adquiridos da SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda.

A propósito, ensina o mestre Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, 41ª edição, editora Forense, pp. 387/388, verbis:

Quando o réu contesta apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do autor, todo o ônus probatório recai sobre este. Mesmo sem nenhuma iniciativa de prova, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade do fato constitutivo do seu pretenso direito.

Actore non probante absolvitur reus.

Assim, dou provimento ao agravo retido de fls. 313/317, e acolho a

preliminar de cerceamento de defesa, para cassar a r. sentença singular e determinar

o retorno dos autos à vara de origem para regular prosseguimento do feito, com o deferimento da prova documental pleiteada pela segunda apelante.

Vencido, prossigo.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

A segunda apelante repete, em preliminar, que a r. sentença é nula, insistindo que teve cerceado seu direito de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, pois o indeferimento das provas orais e documentais requeridas impossibilitou-a de comprovar suas assertivas. A questão já foi devidamente apreciada em sede de agravo retido, mostrando-se, assim, desnecessária examiná-la novamente.

Oportuno salientar, no tocante à oitiva das outras testemunhas arroladas pela defesa, deferida pelo juízo a quo, que não foi possível intimá-las. O endereço de Hélio Silva Fernandes, representante legal da autora, estava incompleto (fl. 358). Hugo Monteiro Capelossa, que também figurou como seu representante legal, não foi encontrado nas três oportunidades em que foi procurado (fls. 380, 382 e 431).

O depoimento das demais testemunhas foi determinado, de ofício, pelo juiz singular. Robson Ricardo da Silva não residia no local indicado (fl. 360). Omar Ely Luducvichack, devidamente intimado (fl. 378), não se fez presente em audiência, motivo pelo qual foi expedido mandado de condução coercitiva. Não foi possível, porém, sua condução, eis que se mudou do endereço fornecido nos autos (fls. 391 e 424). Paulo Hércules Capelossa deixou de ser intimado nas duas vezes em que foi procurado, a primeira porque estava viajando, e a segunda por não mais residir no endereço diligenciado (fls. 388 e 429).

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Vale lembrar, a propósito, que a segunda apelante admitiu ter transportado as mercadorias discriminadas na nota fiscal de fl. 17, destinadas à autora, que as adquiriu da empresa SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda, fato, aliás, demonstrado no documento acostado à fl. 16, denominado “conhecimento aéreo nacional”. Afirmou, inclusive, que guardou, no dia 3/12/04, os produtos transportados em um cofre no galpão de sua empresa, retirados do terminal de cargas por uma pessoa autorizada pela apelada em 7/12/04. Ressalvou, porém, que houve extravio do comprovante de entrega dos mesmos.

É sabido, ademais, que a decisão sobre a necessidade ou não da especificação de provas é do juiz, que pode tomar a iniciativa de determinar a coleta daquelas que julgar necessárias, bem como dispensar as que em nada acrescentariam à resolução do litígio, mostrando-se, pois, desnecessária a prova oral requerida.

No mérito, as apelantes reportam-se aos termos da contestação. Sustentam que as alterações contratuais da autora e da SOS Descartáveis Kist e Lima Ltda., a declaração de aquisição e quitação das mercadorias firmada por pessoa estranha ao quadro societário dessa última, o objeto social da apelada, diverso dos produtos comprados, seu envio antes da compensação do cheque dado em pagamento, a abertura de conta bancária da revendedora das mercadorias sete dias antes da transação, a distância entre sua sede e o local do despacho dos produtos, a incapacidade econômica delas na realização do negócio, a existência de inquéritos policiais e do auto de prisão em flagrante de Hugo Capelossa, representante legal da recorrida, por cometimento de fraudes, demonstram cabalmente a simulação do negócio de compra e venda noticiado nos autos.

Tais alegações, por si sós, não afastam o dever das apelantes de indenizarem à apelada, que provou os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 333, I, do CPC. Instruiu a exordial com a nota fiscal relativa à compra das mercadorias nela elencadas (fl. 17), pelo preço de R$ 66.066,00, demonstrando, ainda, que foram transportadas pelas rés, como se infere do “conhecimento aéreo nacional” por elas expedido, emitido em 2/12/04 (fl. 16).

As recorrentes, aliás, não negaram o transporte das mercadorias até o destino indicado pelo remetente, tanto que salientaram em suas peças defensivas que as alojaram em uma área denominada cofre, no dia 03/12/04, localizada no galpão da empresa, em razão do valor da carga. Noticiaram, ainda, que uma pessoa apresentou autorização firmada por Hugo Capelossa, representante legal da apelada, para a retirada das mercadorias reclamadas, efetuada em 7/12/04. Informaram, porém, que o comprovante de entrega dos produtos foi extraviado, mas demonstrariam, posteriormente, que a destinatária os recebeu.

As rés, porém, não trouxeram aos autos qualquer documento hábil a comprovar a suposta entrega das mercadorias destinadas à autora. Não se

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desincumbiram, pois, de provar a existência de fato impeditivo, modificativo, ou extintivo do direito desta última, ônus que lhes cabia, a teor do art. 333, II, do CPC.

O fato de Hugo Capelossa, representante legal da autora, ter sido preso em flagrante no aeroporto internacional de Brasília pelo crime de estelionato quando tentava despachar produtos diversos dos declarados em nota fiscal, e já ter sido indenizado pelas apelantes em situação semelhante à destes autos, não faz presumir a alegada fraude nem afasta o direito da apelada de ser indenizada pelo extravio das mercadorias, já que, repito, não provaram sua entrega à destinatária.

Da mesma forma, não há falar em simulação do negócio de compra e venda pelo simples fato da recorrida, que atuava no comércio varejista de máquinas, aparelhos e equipamentos eletroeletrônicos de uso doméstico e pessoal, ter adquirido os produtos médico-hospitalares transportados pelas recorrentes, diversos de sua atividade empresarial, mostrando-se irrelevante, de igual modo, as alterações promovidas em seu contrato e objeto social.

Outrossim, as apelantes, que já haviam indenizado o representante legal da autora em situação semelhante à dos autos, conforme elas próprias noticiaram, deveriam atestar a quantidade, o volume e o valor das mercadorias descritas na nota fiscal de fl. 17, adquiridas por R$ 66.066,00, valor declarado no conhecimento aéreo de fl. 16, antes de transportá-las. Porém, nada fizeram, argumentando, equivocadamente, que era ônus da apelada provar o envio dos produtos discriminados.

Devem, assim, responder por suas próprias desídias, e arcar com os prejuízos suportados pela autora, ressarcindo-lhe a importância postulada na inicial. Inviável, a propósito, a fixação da verba indenizatória nos limites previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica, devendo ser aplicada, no caso dos autos, a regra inserta no art. 750 do Código Civil, que restringe a responsabilidade do transportador ao valor constante do conhecimento.

Confiram-se, por oportuno, precedentes do Eg. Superior de Justiça e deste Col. Tribunal de Justiça:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Transporte aéreo. Carga. Voo nacional. A companhia aérea responde pelo valor integral do dano causado no transporte aéreo de mercadoria. Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido.” (Resp. 262152/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, julgado em 23/11/2000, DJ 26/8/2002). “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - DIREITO CIVIL - EXTRAVIO DE MERCADORIAS POR EMPRESA

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DE TRANSPORTE AÉREO - PREVALÊNCIA DO CDC E CC SOB A CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO BRASI- LEIRO DE AERONÁUTICA - INDENIZAÇÃO TARIFADA - DESCABIMENTO - SEGURADORA - SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO SEGURADO - POSSIBILIDADE - AR- TIGO 786 DO CC - SÚMULA 188 DO STF - QUANTUM INDENIZATÓRIO - VALOR DESEMBOLSADO PELA SEGU- RADORA - ARTIGO 750 DO CC - SENTENÇA MANTIDA. 1. A tese de que a tarifação da indenização decorrente do extravio de carga por companhia de transporte aéreo, prevista em lei especial, haveria de prevalecer sobre disposições do Código de Defesa do Consumidor, não merece acolhida, haja vista os parâmetros estabe- lecidos por reiterada jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, de onde extrai-se que o transportador aéreo responde integralmente pela perda de cargas. 2. Conforme assegura o artigo 750 do CC, a responsabilidade do transportador limita-se ao valor constante do conhecimento de transporte. Havendo neste, expressa referência às notas fiscais relativas à mercadoria transportada, o valor nelas constante determinará o quantum a ser ressarcido em virtude do desaparecimento da carga transportada.3. (Omissis). Apelação Cível desprovida.”(APC 2005.01.1.133419-2, Rel. Des. ANGELO PASSARELI, 2ª Turma Cível, julgado em 11/02/2009, DJ 18/02/2009, p. 42)

Por fim, não houve a litigância de má-fé imputada às apelantes pela autora em contrarrazões, eis que ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 17 do CPC.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações. É o voto.

Des. Cruz Macedo (Relator) - Senhor Presidente, com a devida vênia,

mantenho o voto proferido no sentido de negar provimento a ambos os agravos retidos e, em consequência, afastar o alegado cerceamento de defesa, uma vez que pretende o apelante, com o pedido de requisição de documentos, que a ré produzisse prova contra si mesma, o que é inviável em face do nosso sistema processual. Portanto, obrigar a parte a apresentar documentos fiscais não se coaduna com o sentido da garantia assegurada aos litigantes.

Assim, Senhor Presidente, mantenho o voto proferido quanto aos agravos retidos, em que neguei provimento a ambos.

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No mérito, mantenho o voto escrito, que nega provimento ao recurso. Então, Senhor Presidente, estou negando provimento aos agravos e aos recursos.

Des. Alfeu Machado (Revisor) - Senhor Presidente, também estou

negando provimento aos agravos e a ambas as apelações.

DECISÃO

Agravo retido da Varig Logística desprovido. Maioria. O outro agravo retido também foi desprovido, por unanimidade. Apelações desprovidas. Unânime.

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