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Sobre o Procedimento de Desenhos-Estórias: fundamentação teórica

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 55-57)

O procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) foi idealizado, em 1972, por Walter Trinca (1997) como meio de auxiliar a ampliação do conhecimento da dinâmica psíquica no diagnóstico psicológico. É uma técnica de investigação clínica da personalidade, que tem por base os desenhos livres e o emprego do recurso de contar estórias com finalidade de obter informações sobre a personalidade dos sujeitos, em aspectos que não são facilmente detectáveis pelas entrevistas psicológicas nos moldes tradicionais. O D-E tem sua fundamentação baseada nas teorias e práticas da psicanálise, das técnicas projetivas e da entrevista clínica.

Quando o Procedimento de Desenhos-Estórias foi desenvolvido, destinava-se a sujeitos que estivessem entre os cinco e quinze anos de idade. Com o desenvolvimento de trabalhos e pesquisas, foi possível expandir o uso desse procedimento a sujeitos de qualquer faixa etária e de ambos os sexos. O Procedimento de Desenhos-Estórias tem seu uso consolidado em todas as faixas etárias, podendo ser utilizado em sujeitos “normais”, neuróticos, psicóticos, tanto para o conhecimento da dinâmica interna e focos de conflito, quanto para auxiliar em um planejamento ou em uma intervenção terapêutica. Trinca (1997, p. 23) esclarece ao afirmar que

O procedimento de Desenhos-Estórias revela a particularidade de facilitar a expressão de aspectos inconscientes relacionados a pontos focais de angústias presentes em determinado momento ou em determinada situação de vida da pessoa. Muitas vezes, verifica-se na situação atual detectada pelo D-E uma reinscrição de angústias pregressas, que são indicadas por focos profundos fomentadores de perturbações. Nesse caso, a função principal do D-E não é realizar um inventário horizontal e extensivo da personalidade, e sim um exame vertical e intensivo de certos pontos nos quais se representam como fatos selecionados, os focos conflitivos e as situações emergentes.

O Procedimento de Desenhos-Estórias consiste na realização de uma série de cinco desenhos-livres, sendo solicitado ao sujeito, após a realização de cada desenho, para elaborar uma estória referente àquele desenho. A estória passa por uma fase de inquérito e recebe um título. Os desenhos podem ser cromáticos ou não. Unidade de produção é o conjunto formado pelo desenho livre, a estória, o inquérito e o título. Pretende-se conseguir cinco unidades de produção em uma sessão de sessenta minutos e, caso isso não for possível, deve-se recorrer a uma outra sessão, sendo avaliado o material obtido nas duas sessões.

O Procedimento de Desenhos-Estórias fundamenta-se, essencialmente, nas seguintes proposições formuladas por Trinca (1997):

• Ao completar ou estruturar uma situação incompleta ou sem estruturação, o indivíduo pode revelar seus esforços, disposições, conflitos e perturbações emocionais.

• Quando o indivíduo é posto em situações de associar livremente, essas associações tendem a se voltar para setores nos quais a personalidade é emocionalmente mais sensível.

• Frente a estímulos com pouca estruturação ou até mesmo incompletos, ocorre uma tendência de o sujeito realizar uma organização pessoal de respostas, desde que para isso tenha liberdade de composição.

• Quanto menos diretivo e estruturado for o estímulo, maior será a probabilidade do aparecimento de material pessoal e significativo. • No atendimento psicológico, crianças e adolescentes se comunicam

preferencialmente por desenhos e fantasias aperceptivas.

• Mesmo nos contatos inicias, havendo setting adequado, o indivíduo pode comunicar aquilo que o levou a procurar ajuda.

Ao realizar determinadas seqüências em repetição de provas gráficas e temáticas, ocorre um fator de ativação dos mecanismos e dinamismos da personalidade, levando à maior profundidade e clareza. Trinca (1997) supõe que, na primeira unidade de produção do D-E, a indicação a respeito dos temas conflitivos são vagas e gerais. Na segunda e terceira unidades de produção, os temas anteriormente enunciados são melhor caracterizados. Nas unidades seguintes, o conflito é aprofundado e realçado.

O Procedimento de Desenhos-Estórias não é um teste psicológico e sim uma técnica de investigação da personalidade. Não se restringe a nenhuma configuração avaliativa dada a priori. Privilegia a relação humana e os fenômenos resultantes do encontro entre psicólogo e paciente. Trinca (1997, p. 37) faz a seguinte reflexão sobre esse procedimento:

A liberdade concedida pelo espaço em branco do papel, a presença receptiva do psicólogo, a continência mental, a possibilidade do paciente se comunicar simbolicamente, a linguagem simples e direta, o uso de construções metafóricas, que se apóiam em metáforas de imagens, permitem abrir um espaço interior imenso. O mundo interior descobre um canal de comunicação pouquíssimo freqüentado pelos recursos habituais da mente. Contando com tais possibilidades, que o D-E oferece, o psicólogo vai em busca do caminho mais direto e eficaz para compreender o que o seu paciente tem a comunicar [...]

Desde sua criação em 1972 até os dias atuais, esse instrumento já passou por várias ampliações e expansões, como o alargamento da faixa etária, citado anteriormente. Com sua ampla utilização na clínica psicológica e o desenvolvimento de pesquisas científicas,

o Procedimento de Desenhos-Estórias deixou de ser somente um meio auxiliar no processo diagnóstico, para ser utilizado também na realização de um diagnóstico breve, de um diagnóstico complementar, como forma de entrevista; follow up (acompanhamento e seguimento de processos psíquicos); instrumento básico de pesquisa qualitativa; instrumento auxiliar ao contato e à compreensão dos processos psicológicos; objeto de estudo com finalidades de validação; instrumento para levantar características comuns de grupos específicos; objeto de análise comparativa.

O Procedimento de Desenhos-Estórias surgiu há vinte e cinco anos como resultado de pesquisa, cujo objetivo era verificar a validade de um novo instrumento de investigação clínica. A intenção do autor, nessa época, foi introduzir um instrumento de investigação clínica, destinando-se à apreensão de conteúdos mentais com objetivos diagnósticos. De modo surpreendente, o Procedimento de Desenhos- Estórias não permaneceu em seu percurso limitado à condição de instrumento de avaliação diagnóstica utilizado em consultórios. A simplicidade e a eficiência desse material conquistaram não só os profissionais de saúde, que tratam diretamente com pacientes de consultórios, ambulatórios, instituições etc., como atraíram, também, a atenção dos pesquisadores acadêmicos. Estes investiram maciçamente na utilização do Procedimento de Desenhos-Estórias para a condução de grande número de programas de pesquisas, nos níveis de mestrado e de doutorado. A sua introdução nas universidades trouxe à luz outras características inerentes ao instrumento. A clínica psicológica tem se beneficiado dos resultados advindos das pesquisas realizadas, numa realimentação saudável, em que se acumulam acréscimos importantes à compreensão do funcionamento mental (TRINCA, 1997, p. 47).

A escolha do Procedimento de Desenhos-Estórias justifica-se ao possibilitar fácil e eficiente acesso ao material latente, proveniente do psiquismo infantil. Por ser de simples aplicação e constituir-se de atividades que fazem parte do mundo infantil, o D-E é aceito com facilidade pelas crianças. Além disso, esse instrumento, segundo pesquisa realizada por Mázzaro (1982), propicia uma situação em que as defesas são desmobilizadas, favorecendo a emergência de conteúdos inconscientes profundos.

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 55-57)