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Sobre a puberdade e a adolescência: Considerações

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 50-55)

Um dos objetivos deste trabalho é verificar se existem indícios de adolescência precoce nas crianças latentes estudadas. Para tanto, se faz necessário conhecer as características intrínsecas a esse momento do desenvolvimento humano. Acredito ser importante começar este percurso expondo as diferenças entre puberdade e adolescência. De acordo com Aberastury & Knobel (1971), Levisky (1998), Outeiral (2003) a puberdade é um processo decorrente de transformações biológicas enquanto a adolescência é um processo fundamentalmente psicossocial. Sendo a adolescência um processo psicossocial ela terá diferentes particularidades de acordo com o ambiente social, econômico e cultural em que o

adolescente vive. Esses autores apontam o início da puberdade por volta dos 10 ou 11 anos de idade. Sobre o início da adolescência Outeiral (2003, p.3-4) faz uma importante observação:

Observo, por exemplo, nesses mais de 30 anos de trabalho com a adolescência, que ocorre um número cada vez maior de “adolescentes” antes mesmo do surgimento das características físicas da puberdade. Com freqüência, pensamos que há uma seqüência na qual a adolescência sucede (ou ao menos é concomitante) à puberdade. Mas, no cotidiano, constatamos, cada vez mais, que crianças de 7,8 ou 9 anos, com um corpo ainda infantil, adotam uma “postura adolescente”: em suas festas buscam criar um “clima”de pouca luz, não querem adultos na sala, dançam com sensualidade;enfim, nessa idade se mostram bastante mais precoces que seus irmãos mais velhos (ou a “outra geração”). Provavelmente, estimuladas pelo ambiente, estas crianças adolescem mais cedo, pois, como vimos, adolescência é um fenômeno fundamentalmente psicológico e social.

Essa constatação feita por Outeiral nos convida a pensar e a investigar essas possíveis mudanças entre o fim da latência e o começo da adolescência. Não podemos esquecer, como os próprios autores colocam, que a adolescência é um processo que terá diferentes características de acordo com a cultura e o meio social e econômico em que vive o adolescente. Dessa forma, é importante destacar que Outeiral faz uma observação a partir de sua experiência clínica no Sul do Brasil. Dessa forma, vale a pena questionar se em outras regiões do Brasil, como no Nordeste, por exemplo, poderia ser observada essa abreviação no início da adolescência.

Apesar das diferenças regionais, existem elementos comuns a todo o processo do adolescer. A adolescência é caracterizada como um período de transição da identidade infantil para a identidade adulta. O jovem, nesse percurso em direção ao mundo adulto, passa por intensas transformações e reestruturações no nível egóico, cognitivo, psíquico, corporal. Aberastury e Knobel (1981) colocam que ao longo da adolescência o jovem precisa se desfazer de aspectos infantis e elaborar “lutos” provenientes destas perdas. Dentre esses lutos os autores destacam:

● Luto pelo corpo infantil perdido: uma série de transformações corporais começam a acontecer. Surge um sentimento de impotência frente a essas transformações que, ao mesmo tempo que são desejadas são, também, temidas. ● Luto pelo papel e identidades infantis: a criança vive perdas relacionadas a

sua condição infantil que será substituída por outros aspectos em cujos alicerces estão a agressividade e os impulsos sexuais. A entrada na vida adulta é temida e desejada. Temor frente ao novo, a novas responsabilidades, novos objetos de amor.

● Lutos pelos pais da infância: Os pais da infância eram perfeitos e idealizados. No entanto, ao longo da adolescência o jovem vai descobrindo que seus desejos e idéias são, muitas vezes, diferentes dos desejos e idéias dos seus pais. Sente remorso e culpa por se ver diferente dos pais. Sente medo de perder o amor dos pais, ao mesmo tempo, que precisa contestá-los para buscar a sua identidade e se diferenciar deles.

● Luto pela bissexualidade infantil: Neste momento do desenvolvimento o adolescente irá consolidar a sua identidade sexual que começa a se organizar desde o nascimento. Freud (1905) postulou que todo ser humano porta aspectos masculinos e femininos independente do sexo anatômico. Assim com o desenvolvimento corporal, isto é, com surgimento dos caracteres secundários, da primeira menarca, da ejaculação começa a se impor ao adolescente a escolha por um objeto de amor fora do âmbito familiar.

Nesse momento de busca por novos objetos de amor, por novos modelos de identificação, pela consolidação de uma sexualidade genital adulta o adolescente começa a se afastar dos seus primeiros objetos de amor – os pais. O adolescente vai reviver de forma mais intensa os conflitos relacionados ao complexo de Édipo. A intensidade da angústia vivenciada pelo adolescente vai depender dos seus aspectos constitucionais e da sua história biográfica, isto é, da qualidade de suas experiências infantis, das relações afetivas primárias, do meio em que ele vive e do modo de resolução de suas relações triangulares.

O ego do adolescente encontra-se fragilizado, inundado por todos esses novos sentimentos e sensações. Para defender-se desses sentimentos e angústias o ego adolescente utiliza-se de mecanismos de defesa maníacos como a negação, a onipotência, cisão e idealização, diferentemente, o ego da criança na latência tem a repressão, a sublimação e os mecanismos obsessivos como principais mecanismos de defesa. Sobre esses sentimentos característicos do processo do adolescer Levisky (1998, p. 95) afirma:

O adolescente, ao ser tomado por esse turbilhão de transformações, passa a se sentir estranho. Não consegue compreender o que está acorrendo consigo. Impulsos sexuais e agressivos até então desconhecidos, chegam à sua percepção. A observação de si mesmo, o contato corpóreo com um companheiro, mesmo um simples roçar, causam sensações novas, prazerosas, mas temidas, tidas como proibidas. O sexo oposto começa a despertar interesse. Antes simples companheiros de brincadeiras que, com o início da adolescência, transformaram-se em parceiros de um jogo pueril, mas erotizado.

Esse autor ressalta também que no início da adolescência pode haver tanto uma intensificação das defesas maníacas por parte do ego como uma tentativa de prolongar o período de latência. O ego pode sofrer uma regressão defensiva diante das angústias

emergentes dessas transformações abruptas e incontroláveis decorrentes das pressões instituais agressivas, destrutivas e sexuais.

No período de latência, ego e superego se unem na busca de um objetivo comum levando em consideração as exigências da realidade. No entanto, na adolescência, essa harmonia entre ego e superego é rompida. A busca por uma identidade adulta, por novas identificações, o abandono das antigas representações e identificações, a adaptação a um grupo, tudo isso, provoca um desequilíbrio entre ego, superego e as exigências da realidade.

Muitos autores entre eles Outeiral (2003), Mello (2000), Carignani (2000), Sarnoff (1985) discutem a importância de um bom desenvolvimento infantil durante o período de latência para que e ego da criança se encontre fortalecido para enfrentar os conflitos próprios da adolescência. Se houver uma abreviação da latência resultando em uma adolescência precoce, ou, se o ego da criança na latência for inundado por estímulos externos os quais ela não tem condições egóicas para elaborar, o processo normal da adolescência pode ficar comprometido. Sobre essa questão Outeiral (2003, p. 104) afirma:

[...] a excessiva exposição à sexualidade e ao erotismo genital a que são submetidas às crianças, numa forma que configura um abuso pela cultura; me refiro, por exemplo, aos meios de comunicação e a responsabilidade da família e da sociedade neste processo. A abreviação da latência resulta em dificuldades que repercutirão, é evidente, em vários aspectos da estruturação do psiquismo, interferindo no desenvolvimento normal, tanto na área da conduta como nos processos afetivos e cognitivos.

Dessa forma, acredito ser importante estudar como se encontra a organização psíquica da sexualidade em crianças que estejam no período de latência tendo em vista que, para acontecer uma adolescência saudável e, consequentemente, uma entrada na vida adulta mais harmônica, é necessário voltarmos nosso olhar não apenas para as fases iniciais do desenvolvimento infantil.

Através dessas considerações foi possível perceber que o ego de um jovem na adolescência tem características diferentes do ego de uma criança na latência. No entanto, não são apenas diferenças egóicas, mas também do ponto de vista da dinâmica e da economia do inconsciente.

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2.0 CAPITULO DOIS

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 50-55)