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O trabalho escolar com ortografia, durante muitos anos, esteve ligado exclusivamente à memorização. No processo de aquisição da aprendizagem o estudante era considerado passivo, seus conhecimentos prévios totalmente desconsiderados e as atividades propostas pelos docentes eram consideradas meramente mecânicas.

De acordo com Morais (1998), a partir de 1980, os professores passaram a desenvolver situações significativas para auxiliar o aluno nas atividades de leitura e produção de textos, porém no ensino da ortografia não ocorreu o mesmo avanço. Até hoje, frequentemente, há uma preocupação maior com a avaliação e verificação do conhecimento que no ensino da ortografia, pois “a escola cobra do aluno que ele escreva certo, mas cria poucas oportunidades para refletir com ele sobre as dificuldades ortográficas de nossa língua”. (MORAIS, 2003, p. 17-18)

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – PCN‟s encontramos que

De modo geral, o ensino da ortografia dá-se por meio da apresentação e repetição verbal de regras, com sentido de “fórmulas”, e da correção que o professor faz de redações e ditados, seguida de uma tarefa onde o aluno copia várias vezes as palavras que escreveu errado. (BRASIL-MEC, 1997, p. 84)

Porém, este mesmo documento afirma que embora haja um forte apelo à memória, o ensino da ortografia não pode ser visto como processo passivo, isto porque há uma construção individual, além disso, a intervenção pedagógica tem papel fundamental na aprendizagem.

Com relação a construção do conhecimento dois pontos são importantes em quaisquer ações para o ensino de objetos de conhecimento: o diagnóstico e o planejamento.

No que se refere a norma ortográfica, acreditamos que o ponto de partida para o ensino é saber que existe diferença entre as correspondências ortográficas, pois como já dissemos anteriormente, no tocante aos aspectos regulares estes são determinados por regras, desta forma podem ser aprendidas pela compreensão. Enquanto que os casos irregulares devem ser memorizados. “A falta de um ensino que valorize as particularidades dos diferentes tipos de correspondências fonográficas acaba por conduzir o estudante a uma aprendizagem da ortografia baseada, apenas, na memorização” (PESSOA, SILVA E NASCIMENTO, 2014, p.122).

Identificar o que os estudantes já sabem e o que eles ainda precisam aprender é ponto muito importante para planejar situações de ensino, inclusive, sobre ortografia, é por isso que ao

(...) sondar ou diagnosticar o que nossos alunos já sabem sobre ortografia, é preciso “olhar com olhos cuidadosos” o que eles revelam ao escrever. Isto é, pensamos que, para acompanhar a evolução que revelam no domínio da norma, devemos não apenas constatar o que erram e acertam, mas mapear e registrar seus progressos. (MORAIS, 2005, p. 48)

Ou seja, realizar um acompanhamento dos erros, dos acertos e das oscilações é uma forma de identificar sobre o que deve ser priorizado no ensino para cada estudante, grupo e/ou ano de ensino.

Para Nóbrega (2013) o diagnóstico ortográfico ajuda a identificar quais conteúdos precisam ser tratados coletivamente, seja em grande ou pequeno grupo, ou individualmente. Mas também, na situação comparativa entre turmas e ciclos diferentes. Esta autora aponta alguns critérios que devem ser considerados ao realizar o tratamento dos erros, apresentados na diagnose, tais como: classificação do tipo de fonema, localização da posição do grafema, identificação do tipo de sílaba (canônica ou não canônica), identificação da classe gramatical, e, verificação de palavras, mesmo sem desvios, se não se ajusta semanticamente ao contexto em que foi empregado.

Morais (2005) afirma que “os instrumentos diagnósticos cumprem três funções: 1) permitem acompanhar a evolução dos alunos, 2) dão subsídios para o planejamento de atividades a ser desenvolvidas em sala de aula e 3) constituem objeto de estudo importante na formação continuada dos professores”.

O referido autor afirma que para ensinar é preciso ter metas e partir dos conhecimentos prévios dos alunos. Numa pesquisa-ação realizada durante a formação com professores de 3ª e 4ª série, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental, Morais buscou ajudar os docentes a refletirem e a reelaborarem suas práticas de ensino de língua portuguesa, enfocando especialmente o exame das questões ligadas ao eixo didático de análise e reflexão sobre a língua.

Identificando que o ensino de ortografia era realizado de forma assistemática, propôs que este fosse tratado, também, como prioridade. Assim, a fim de diagnosticar o desempenho ortográfico dos aprendizes, elaborou junto com os professores um texto, a ser ditado nas turmas. De posse do texto preenchido, foi realizado uma classificação e quantificação do rendimento de cada estudante: para ambas as turmas a maioria dos estudantes apresentavam domínio sobre o emprego das correspondências regulares diretas, os maiores índices de erros encontravam- se nos casos regulares contextuais (RR ou R, GUE/GUI e diferentes casos de nasalização – M/N, NH, Ã em final de palavras) e morfossintáticos (verbos em tempo passado - OU, EU e IU, AM verbos em tempo presente e passado, e verbos no infinitivo – AR, ER e IR).

Tal ação foi um ponto de partida para que cada docente pudesse conhecer as dificuldades de cada estudante, mapeando e registrando os dados obtidos, mas também para decidir quais regras deveriam ser priorizadas para o ensino. Tudo isto nos revela que

(...) o uso dos instrumentos diagnósticos e consequentemente registro dos progressos dos alunos permitem acompanhamento não só durante o ano letivo, mas ao longo do ensino fundamental. Ao mesmo tempo que enseja uma discussão entre os vários professores de uma mesma escola, quanto aos recursos e às estratégias didáticas que decidem adotar, o emprego de diagnósticos propicia também a negociação de metas coletivas para o ensino da ortografia. (MORAIS, 2005, p. 59)

Entendemos que após diagnosticar cuidadosamente as dificuldades apresentadas pela turma, como foi visto na pesquisa exposta acima, o docente pode construir seu planejamento constando as metas que deseja alcançar sobre o rendimento ortográfico e as prioridades para o ano letivo.

Após um olhar atento ao que os estudantes revelam e para que se tornem sujeitos ativos, em determinado aprendizado, é necessária uma mediação do professor, que provoque um trabalho reflexivo sobre ortografia, pois estudos apontam que é importante que sejam propostas atividades que promovam a tomada de consciência do aluno sobre as questões ortográficas (MOURA, 1999, MORAIS, 1999 e MELO 2001).

Não podemos nos esquecer que

(...) o conhecimento ortográfico é algo que a criança não pode descobrir sozinha, sem ajuda. Quando compreende a escrita alfabética e consegue ler e escrever seus primeiros textos, a criança já aprendeu o funcionamento de escrita alfabética, mas ainda desconhece a norma ortográfica. (MORAIS, 2003, p.20)

Então, o que revelam as pesquisas sobre o ensino da ortografia na escola? As atividades de escrita de texto, ditado e/ou cópias, como já foram apontadas anteriormente são práticas comuns utilizadas por diversos docentes para o ensino da ortografia. Porém, copiar repetidas vezes o porquê do uso de determinada regra não é garantia de compreensão muito menos de aprendizado.

Tomando como base os resultados obtidos por Biruel e Morais (1998) em um estudo envolvendo 65 professoras de 2ª, 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, cujo objetivo era descobrir como docentes das séries iniciais concebiam e praticavam o ensino e aprendizagem da ortografia. Constatou-se que a quase totalidade das docentes tinham o ditado como atividade preferida para “ensinar” ortografia. Não só o ditado, mas também a cópia, os exercícios de treino e a

recitação de regras eram aplicados frequentemente com o mesmo fim. Destinando, pelo menos, uma aula uma vez por semana para o ensino, as docentes realizavam o registro no quadro de giz e não incentivavam os estudantes a revisarem seus próprios ditados, nem os dos colegas. Com tais comandos, os estudantes acabavam por internalizar que aprender ortografia decorre da imitação do que a professora escrevia ou da cópia solicitada.

A pesquisa revelou que além da maioria das escolas onde as participantes atuavam não tinham metas especificadas para o ensino de ortografia em cada série, as professoras tendiam a explicar que as dificuldades encontradas na ortografia de seus alunos seriam resultado de uma falta de leitura, e ainda, que faltavam subsídios que reorientassem suas práticas para o ensino, mesmo reconhecendo a ocorrência de modificação no modo de abordar a ortografia. Pelo exposto, podemos perceber que não houve um trato para as especificidades da norma ortográfica.

Morais (2003) faz uma crítica as atividades de ditado, de cópia, aos exercícios de treino e à recitação de regras

em lugar de ajudar o aluno a refletir sobre a ortografia de nossa língua, essas atividades são conduzidas com o espírito de verificar se ela está escrevendo corretamente ou não;

levam o aluno a assumir ante a ortografia uma atitude mecânica, passiva, de quem aprende “repetindo”, “imitando um modelo certo”, de modo que ele pode chegar a cumprir as exigências do professor (e acertar!) sem ter deduzido ou inferido nada. (MORAIS, 2003, p. 57)

Não estamos, aqui, condenando o uso de determinadas atividades, mas sim apontando a forma como são utilizadas, pois se o objetivo for, exclusivamente, verificar os erros e os acertos, de nada contribuirá para que o aprendiz reflita sobre seu próprio conhecimento. Ensinar, de certa forma, é, também, propor estratégias de reflexão para o avanço do conhecimento.

Mesmo com cópias o estudante está passível de errar. De acordo com os estudos de Rego (2005), a partir da década de oitenta, resultados de pesquisas mostraram que, na abordagem tradicional, de natureza comportamentalista, os erros produzidos pelos alunos não constituem objeto de interpretação nem reflexão por parte do professor, sendo, portanto, desconsiderados no seu planejamento pedagógico. Mas, conforme uma nova concepção de aprendizagem da língua escrita, esta autora defende que

(...) os erros revelam as dificuldades e as soluções criadas pelos alunos para escrever palavras com cujas grafias não estão familiarizados e podem funcionar como pistas para intervenções didáticas diferenciadas que levem os alunos a refletir sobre as convenções ortográficas. (REGO, 2005, p. 31)

Ainda neste campo, quando o estudante é convidado a “errar a propósito” é neste momento que ele tem a oportunidade de tomar consciência dos erros que comete sem saber e, o que é mais importante, verbalizar e discutir com os colegas e o professor seus conhecimentos sobre determinada regra. (SILVA; MORAIS, 2005)

Nesta perspectiva, é importante que o professor, além de apropriar-se das características desse objeto de conhecimento, reconheça que os erros do estudante são uma forma de perceber como àquele estudante compreende a ortografia. Desse modo, o professor deve não apenas constatar o que seus alunos erram e acertam, mas mapear e registrar seus progressos. E fazê-lo de forma periódica (MORAIS, 2005). Também é interessante que o professor, em uma sequência didática para o ensino da ortografia, deva elaborá-la de modo a considerar as hipóteses do aluno, desenvolver habilidades metacognitivas, favorecer a interação e exercer o papel de mediador nas etapas de aquisição (MELO, 2005).

Defendemos, assim como Silva e Morais (2005) que, para termos um ensino eficaz da norma ortográfica, esta deve ser tratada pela escola como um objeto de reflexão. Por isso, tanto o trato com as regularidades quanto com as irregularidades deve ter este mesmo princípio, pois, no primeiro caso, ao usarem da reflexão, os estudantes podem deduzir regras e até criar confiança na escrita de palavras desconhecidas. No segundo caso, mesmo as irregularidades requerendo do aprendiz uma tarefa de memorização, o docente pode mostrar que a escrita de algumas palavras não é orientada por regras e que, para um melhor aprendizado, recursos didáticos podem auxiliar no processo de ensino-aprendizagem.

Alguns pesquisadores buscaram identificar o nível de conhecimento sobre ortografia, vejamos o que os estudos revelaram.

Melo (2001) buscou identificar quais regras morfológicas causavam mais dificuldades aos aprendizes ao tentarem escreverem segundo a norma ortográfica e também verificar o efeito do tempo e da origem sociocultural sobre o aprendizado das regras ligados à morfologia.

A pesquisa foi realizada com 127 crianças, em Recife, sendo 64 alunos de classe popular e 63 de classe média. O estudo demonstrou que algumas regras morfológicas são aprendidas antes de outras, por serem mais bem compreendidas. A pesquisa também revelou que o tempo de escolarização atuou como fator positivo frente às regras estudadas.

Diante do que foi exposto acima, podemos verificar uma complexidade no aprendizado da ortografia e, para que ocorra avanços na compreensão das regularidades, é preciso que o aprendiz reflita sobre a escrita das palavras, de forma a identificar as diferenças entre regularidades e irregularidades. Defendemos que para que esse aprendizado se dê mais rapidamente, a escola tem o papel de favorecer a reflexão, semear dúvidas e oportunizar situações de leitura e escrita.

Conti (2011) pesquisou 132 crianças de 3 escolas públicas da cidade de Juiz de Fora. Elas estavam concluindo seu 2º, 3º e 4º ano de Ensino Fundamental. A autora tinha por objetivo investigar se a escrita de diferentes tipos de palavras está associada a diferentes habilidades metalinguísticas e se existe um desenvolvimento nas estratégias de escrita.

Para avaliar a consciência fonológica e morfológica foram utilizados, respectivamente, um roteiro de avaliação de consciência fonológica e as tarefas de Analogia Gramatical - Morfologia Flexional e Derivacional.

As habilidades de codificação ortográfica foram testadas mediante o ditado experimental de palavras, que continha palavras regulares, palavras com regras contextuais, palavras com regras morfossintáticas e palavras cuja morfologia é ambígua, além do TDE: subteste de escrita, para medida de escrita de palavras isoladas. Também foi utilizado o WISC III: subteste de dígitos como medida de controle.

Ao analisar os dados, a pesquisadora percebeu que a escrita está associada tanto a habilidade de consciência fonológica como também, de forma mais restrita, à habilidade de consciência morfológica. Mas também constatou que no Português do Brasil, tanto a consciência fonológica como a morfológica são recursos importantes para a escrita, e, que com o avanço na escolarização as crianças se apropriam de diferentes regras ortográficas que compõe a língua portuguesa.

Batista (2011) procurou caracterizar e classificar o desempenho ortográfico de 240 estudantes, porém do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental pertencentes a rede pública e privada.

Os resultados revelaram que tanto os estudantes do ensino particular quanto do público apresentaram o desempenho ortográfico semelhante e próximo em todas as provas da versão coletiva e individual. E ainda, houve o aumento da média de acertos em todas as provas e a diminuição da média de erros na escrita com o aumento da seriação escolar. Com relação aos erros ortográficos, baseados em sua semiologia, verificou-se a ocorrência em maior frequência de erros de Ortografia Natural do que de Ortografia Arbitrária, sendo erros por omissão e adição de segmentos, por correspondência fonema-grafema unívoca, por separação e junção indevida de palavras e por alteração na ordem dos segmentos.

Quanto aos erros de Ortografia Arbitrária foram encontrados erros de correspondência fonema-grafema dependente do contexto fonético/posição em maior número do que os erros de correspondência fonema-grafema independente de regras, seguidos por ausência ou presença inadequada de acentuação.

Os resultados evidenciaram semelhança nas médias de acertos em todas as provas, e no perfil do desempenho ortográfico, estudantes do ensino privado apresentaram um menor índice de erros que de acordo com a pesquisadora “não revelando discrepâncias acentuadas entre os dois sistemas de ensino, demonstrando que ainda são necessárias metodologias sistemáticas de ensino que considerem a ortografia como um objeto de estudo, promovendo a reflexão desta por parte dos escolares” (BATISTA, 2011, p. 8).

Utilizando o mesmo recurso e sequência de atividades, Sampaio (2012) realizou uma pesquisa com 150 estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal do estado de São Paulo onde aplicou um protocolo de avaliação ortográfica que chamou de Pró-Ortografia. Este constou das seguintes etapas: Coletivamente ocorreu a escrita (das letras do alfabeto e da temática induzida por figura) e o ditado (aleatório das letras do alfabeto, de palavras, de pseudopalavras e com figuras). Individualmente as crianças realizaram ditado de frases e soletrado, reescrita com erro proposital e exercício da memória lexical ortográfica. O objetivo era levantar o perfil ortográfico a fim de caracterizar, comparar e classificar o desempenho ortográfico segundo a semiologia dos erros, bem como identificar o nível ortográfico.

Os resultados apontaram que média de acertos se tornaram superior com o aumento da seriação escolar. Com relação à classificação semiológica, os achados

indicaram maior frequência de erros de ortografia natural em relação aos erros de ortografia arbitrária.

Procurando estabelecer o perfil ortográfico de escolares do 3º ao 5º ano, a partir dos erros de ortografia natural e arbitrária cometidos em dois momentos de avaliação, Nicolau (2013) investigou 96 crianças, sendo 32 de cada classe, em uma escola particular no município de Londrina. O estudo consistiu na aplicação da prova de ditado de palavras. Os erros ortográficos encontrados foram classificados segundo a sua semiologia, verificando-se a ocorrência em maior frequência de erros de ortografia natural do que de ortografia arbitrária.

Quanto aos erros de ortografia natural foram encontrados, erros por omissão e adição de segmentos, por correspondência fonema-grafema unívoca, por separação e junção indevida de palavras e por alteração na ordem dos segmentos.

Quanto aos erros de ortografia arbitrária, foram encontrados erros de correspondência fonema-grafema dependente do contexto fonético/posição em maior número do que os erros de correspondência fonema-grafema independente de regra, seguidos por ausência ou presença inadequada de acentuação.

Os resultados revelaram que em relação ao gênero dos estudantes, de uma forma geral, apresentou desempenho ortográfico semelhante e próximo. Quanto a evolução no desempenho ortográfico os estudantes do 3º e 4º ano obtiveram médias semelhantes e próximas nos dois tipos de erros ortográficos, enquanto que os do 5º ano mostraram média inferior de erros em relação ao 3º e 4º ano quanto aos tipos de erros ortográficos, nos dois momentos de avaliação.

Na próxima seção discutiremos o modelo de Redescrição Representacional segundo o qual o avanço numa determinada área de conhecimento seria decorrência de um processo contínuo de explicitação das representações que o sujeito possui naquele domínio de saber. A partir desta teoria apresentaremos algumas pesquisas que buscaram compreender como o estudante elabora seus conhecimentos ortográficos.

2.4 Teoria da Redescrição Representacional: o modelo de KARMILOFF-SMITH