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2.4 Teoria da Redescrição Representacional: o modelo de KARMILOFF-

2.5.1 Sequência didática

Quando pensamos na palavra sequência, logo nos vem à mente a ideia de ordem, de algo que está um atrás do outro, de continuidade. De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2009, p. 1832), observemos o verbete da palavra sequência

sequência (qüên). [Do lat. sequentia.] S. f. 1. Ato ou efeito de seguir. 2. Seguimento, continuação. 3. Série, sucessão. 4. Parte do escrito iniciado noutro livro ou lugar. 5. Em certos jogos carteados, série de caras com valores consecutivos, com variação de naipes, ou sem ela, como no pôquer ou no pife-pafe.

No dicionário online Michaelis

1 Ato ou efeito de seguir.

2 Continuação de algo iniciado; prosseguimento, seguimento. 3 Série de acontecimentos que se sucedem ininterruptamente ou a pequenos intervalos.

4 Disposição das palavras que compõem uma frase.

5 Parte de um escrito iniciado em outro livro ou em qualquer outro documento.

6 Em alguns jogos de carteado, série de cartas de valores conseguintes, de naipes iguais ou diferentes.

Em ambas definições, a palavra sequência segue um raciocínio que remete a atividades antes já iniciadas, ou seja, a sequência é um processo de continuidade de uma ação. Mas onde queremos chegar com isto? Quando tal ação é associada ao ensino, isto pode nos levar a vários caminhos e pensamentos, dentre eles: qual a ordem das ações que serão tomadas pelo docente para atingir seus objetivos na abordagem em determinado conteúdo em sala de aula?

Trazendo para uma linguagem mais técnica, esta associação é chamada de: sequência didática (SD). E, tecnicamente conceituando, Zabala (1998, p. 18) define como “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a

realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos”.

Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.82) definem como sendo “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito. Pessoa acrescenta que além de um gênero textual, a sequência pode ser, também, organizada com a finalidade de apropriação de um conteúdo específico, como por exemplo, uma regra ortográfica.

Leal, Brandão e Albuquerque (2012) a partir de uma perspectiva sociointeracionista defendem que

O conceito ampliado de sequência didática pode remeter a diferentes concepções de ensino e de aprendizagem que se materializam em propostas em que atividades sequenciais são planejadas com vistas a objetivos didáticos definidos. Isto é, as sequências seriam compostas por atividades integradas (uma atividade depende da outra e é relacionada a outra que já foi ou será realizada), organizadas sequencialmente, que tendem a culminar com a aprendizagem de um conceito, um fenômeno, habilidade ou conjunto de conceitos/habilidades de um campo do saber. (LEAL; BRANDÃO; ALBUQUERQUE, 2012, p. 148)

Diante dos conceitos aqui trazidos, afinal de contas, para que ela serve? Como deve ser estruturada?

Referência em pesquisas que tratam sobre os fenômenos didáticos nos estudos de Educação Matemática, Brousseau (1998) propôs a Teoria das Situações Didáticas. Tal teoria versa sobre a realização de uma educação mais significativa para o aluno, de forma que o conhecimento esteja realmente vinculado a sua promoção existencial. E ainda, traz à reflexão sobre a forma com que podemos conceber e apresentar ao aluno o conteúdo matemático, considerando um desafio, tendo em vista a especificidade do saber matemático. E, para analisar as relações existentes entre as atividades de ensino com as diversas possibilidades de uso do saber matemático, Brousseau apresenta quatro tipos de situações didáticas, as quais resumiremos nos próximos parágrafos.

Uma situação de ação ocorre quando o estudante tem que agir diante do problema proposto pelo professor. Neste momento, não é exigido uma explicitação condicionada a determinada referência teórica, mas sim, a produção de um conhecimento mais experimental, é uma situação onde ocorre o processo de fabricação das estratégias.

A situação de formulação é quando o estudante formula resposta a partir de uma base teórica, o raciocínio é mais elaborado, e as atividades são realizadas em duplas ou em grupos. Desta forma, esta situação representa um avanço não só nos conhecimentos, mas também nos procedimentos que o aluno terá que realizar, pois terão que explicitar sua resposta informando como chegou até ela.

Quando o estudante utiliza de mecanismos de provas e o saber elaborado por ele passa a ser utilizado com finalidade teóricas temos a situação de validação. Com outras palavras, é o momento em que o estudante faz uso de saberes e conhecimentos em determinado conteúdo na tentativa de convencer o colega sobre o desafio proposto pelo professor. Esse tipo de situação está relacionado ao plano de argumentação racional. “A própria situação de validação seria uma situação de formulação e de ação ao mesmo tempo, sustentando, dessa forma que essas fases (ação, formulação e validação) são interligadas, dependem uma da outra” (MELO, 2009, p. 39). Diante disto, podemos dizer que o trabalho intelectual do estudante não se restringe, apenas, a informações sobre determinado conteúdo, mas engloba afirmações, elaborações e declarações com a intenção de validar o saber.

A situação de institucionalização “visa buscar o caráter objetivo e universal do conhecimento pelo aluno” (MELO, 2009, p. 40), ou seja, ocorre quando o conhecimento que o estudante tem e foi adquirido durante o processo é exposto e o professor tenta direcionar para a dimensão histórica e cultural do saber científico.

Baseando-se nas ideias de Brousseau, Pais (2002) reflete sobre como se estruturaria uma situação didática, e, afirma que esta “é formada pelas múltiplas relações pedagógicas estabelecidas entre o professor, os alunos e o saber, com a finalidade de desenvolver atividades voltadas para o ensino e para a aprendizagem de um conteúdo específico. (PAIS, 2002, p. 65)

Este mesmo autor destaca que professor – aluno – saber são três elementos que compõe uma situação didática, se algum desses faltar, não se pode caracterizar como situação didática, pois, por exemplo, na falta do professor, a situação é vista, apenas, como um estudo, pois há a presença do aluno e do saber. Ou, quando não há a presença do saber (conteúdo), teremos, então, uma reunião de professor e aluno. Porém, vale destacar que não será, apenas, a presença desses três elementos, mas também outros elementos do sistema didático, tais como, objetivos, métodos, posições teóricas, recursos didáticos, entre outros, que se fazem presente na complexidade do fenômeno cognitivo. (PAIS, 2002)

Seguindo essa mesma linha de pensamento Leal, Brandão e Albuquerque (2012) fazem uma reflexão sobre o modelo de sequenciação das atividades segundo Brousseau, e apontam alguns princípios didáticos básicos contemplados pela proposta:

1. Valorização dos conhecimentos prévios dos estudantes; 2. Proposição de atividades desafiadoras, que estimulam a reflexão; 3. Ensino centrado na problematização; 4. Estímulo à explicitação verbal dos conhecimentos pelos estudantes; 5. Ênfase na sistematização dos saberes construídos; 6. Ensino centrado na interação entre alunos; 7. Progressão entre as atividades, com demandas crescentes quanto ao grau de complexidade. (LEAL; BRANDÃO; ALBUQUERQUE, 2012, p. 150)

De acordo com as autoras supracitadas, as propostas feitas por Brousseau podem, também, ser transferidas para outras áreas de conhecimento. Dentre elas o ensino da Língua Portuguesa.

Outra forma de elaboração de SD é apresentada por Zabala (1998), pois para ele este momento implica em uma perspectiva processual que considere as fases de planejamento, aplicação e avaliação. Ou seja, ao se identificar as fases, as atividades e as relações estabelecidas estas ações devem servir para a compreensão de seu valor educacional, como também para promover mudanças e inserção de atividades que melhorem a SD.

É preciso que os professores saibam construir atividades inovadoras que levem os alunos a evoluírem, nos seus conceitos, habilidades e atitudes, mas é necessário também que eles saibam dirigir os trabalhos dos alunos para que estes realmente alcancem os objetivos propostos (CARVALHO; PEREZ, 2001, p. 114).

Defendendo que a sequência didática serve para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) propõem um modelo voltado para a produção de gêneros textuais. Tal modelo é composto de quatro componentes que estruturam a base de uma SD, são eles: apresentação da situação, primeira produção, módulos e produção final.

O primeiro momento é a abertura, momento em que o professor apresenta detalhadamente a atividade que os estudantes realizarão seja oral ou escrita. Em seguida, os estudantes realizam a primeira produção, a partir desta, o professor

avalia o que eles demonstram que conteúdo domina, ou não, e, ajusta as atividades e os exercícios previstos na sequência às possibilidades e dificuldades reais de uma turma. “Além disto, ela define o significado de uma sequência para o aluno, isto é, as capacidades que deve desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em questão”. (DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 84)

Os módulos são compostos de atividades e exercícios sistemáticos e progressivos que permitem apreender as características composicionais, estilísticas e/ou temáticas do gênero em estudo. No que se refere a quantidade de módulos, este só será definido a partir do tipo de gênero textual e do conhecimento que os estudantes apresentem sobre o mesmo.

A produção final é o momento em que os estudantes praticam o conhecimento adquirido e, como professor, medir os progressos alcançados.

Não basta, apenas, seguir os passos apontados por Dolz, Noverraz e Schneuwly na execução de uma sequência didática, cada turma possui uma singularidade, como também, cada estudante apresenta seu nível de conhecimento, assim é imprescindível propor diferentes níveis de dificuldade nas atividades, como também, diversifica-las. É, por isto, que os autores defendem a realização de atividades de observação e de análise de textos, tarefas simplificadas de produção de textos e propostas de elaboração de uma linguagem comum.

Encerramos a apresentação de modelos de sequência didática, pois não poderíamos deixar de trazer um pouco sobre alguns autores que são considerados referência sobre fenômenos didáticos. Como o foco de nossa pesquisa diz respeito a um conteúdo específico, no caso o tratamento com a norma ortográfica, dos modelos apresentados o que mais se aproxima do nosso estudo é o de Brousseau.

Talvez devemos perguntar: o que isto tudo tem a ver com o nosso objeto de pesquisa? A SD foi um dos instrumentos que utilizamos para saber seus efeitos na apropriação das regularidades ortográficas, e, por isso realizamos este levantamento para conhecermos um pouco sobre esta maneira de organizar o trabalho pedagógico. Antes de apresentarmos o que as pesquisas revelam quando a sequência didática é utilizada como instrumento no trabalho pelos docentes, faremos uma reflexão sobre a relação que Melo (2005) faz entre norma ortográfica e sequência didática:

É preciso que o aluno seja estimulado a pensar, a relacionar, a associar, para que possa entender que a norma ortográfica se apoia em informações de bases relacionais, ou seja, na sintaxe, na morfologia, na fonologia e na semântica ... Sendo assim, as sequências didáticas devem ser pensadas para, também, fazer o aluno refletir, descobrir e compreender que existem casos na norma ortográfica que não são regidos por regras e que, portanto, precisam ser memorizados, levando-os a desenvolver estratégias para lidar com esses casos e facilitar a memorização. (MELO, 2005, p. 92)

Partindo desta perspectiva, apresentaremos e discutiremos algumas pesquisas que utilizaram deste instrumento metodológico para o ensino da ortografia.

Melo (1997) aplicou uma sequência didática em uma turma de 2ª série (atualmente denominada como 3º ano) do Ensino Fundamental para o ensino do uso do “R” e do “RR”.

A sequência apresentou duas etapas, na primeira, ação efetiva de cópia ou leitura de palavras e, na segunda, a escrita. A etapa de cópia ou leitura de palavras foi subdividida em três momentos diferentes: discussão das hipóteses de partida, pesquisa I e classificação de palavras. Na segunda, ditado de palavras, ficha de movimento, confecção do cartaz com a regra, pesquisa II e ditado final. A baixo descreveremos uma a uma.

Primeira etapa:

a. Discussão das hipóteses de partida – Foi proposto aos estudantes que, em pequenos grupos, discutissem e apresentassem um comum acordo sobre quando ocorria a uso do “R” e do “RR”. Em seguida, este consenso ou conclusão era registrado, fielmente, pelo professor, no quadro de giz, enquanto que os alunos faziam o mesmo, porém numa ficha. O docente, também, elaborava um cartaz com as ideias e o fixava na sala de aula. Um momento era destinado para o registro de ideias que não haviam sido consenso do grupo.

b. Pesquisa I – com o propósito de levar o aprendiz a perceber a inviabilidade de algumas de suas hipóteses e a necessidade de reestruturá-las, o professor revia junto com o grande grupo as hipóteses registradas. Posteriormente, os alunos em pequenos grupos pesquisavam, em textos já trabalhados em sala

de aula, palavras que continham a letra e o dígrafo em estudo, escrevendo-as numa ficha, de acordo com o lugar que lhes era reservado para as hipóteses do grupo, e, em outro, para as palavras que não estavam de acordo com essas hipóteses. A atividade que implicava em classificar ou organizar os diferentes casos de emprego do “R” ou “RR” era desenvolvida em clima de cooperação entre os alunos. Em seguida, com a finalidade de extrair conclusões, procedia-se a uma reflexão e discussão em torno de questões como: as hipóteses/ideias deram conta de todas as palavras? O que fazer

com as palavras que sobraram? É necessário mudar, acrescentar ou retirar alguma coisa nas nossas ideias? O quê? Solicitava-se, então, que os grupos

reestruturassem suas ideias.

c. Classificação de palavras – visou suprir a lacuna decorrente do fato de que as palavras pesquisadas pelos alunos na atividade anterior não tivessem abordado todos os usos do “R” e “RR” tendo em vista a necessidade de que isso ocorresse para que fosse construída a regra ortográfica convencional. Assim, em primeiro lugar, o professor retomava com os alunos as últimas hipóteses. Em seguida, oferecia a cada grupo um envelope que continha um conjunto de palavras escritas em tiras de cartolina para ser classificadas e escritas na ficha no seu devido lugar, de acordo com as hipóteses prévias do aprendiz.

Segunda etapa:

a. Ditado de palavras – com o propósito de verificar a aplicação das hipóteses construídas durante as atividades anteriores, propôs que à medida que o professor ditasse uma palavra, primeiro as crianças teriam um tempo para discutir e combinar com os colegas do grupo sobre sua grafia e depois é que deveriam proceder à escrita. Em seguida, era mostrado a palavra escrita corretamente e havia momento de discussão e reflexão no grande grupo sobre os erros e acertos referidos pelos alunos. As grafias incorretas não deveriam ser apagadas, mas circuladas com lápis de cor e suas devidas correções escritas ao lado.

b. Ficha de movimento – como as hipóteses construídas pelos alunos não levaram em consideração os usos da letra e do dígrafo em estudo em função de sua localização na palavra – e como esse é um aspecto imprescindível para a descoberta e compreensão da regra convenciona l–, então as atividades procuraram dirigir a atenção das crianças para essa questão. Foram utilizadas fichas de movimento (pequenos cartazes que continham figuras, cujos nomes tinham “R” ou “RR”), pequenas cartelas de papel que incluíam palavras, envolvendo os usos de “R” e “RR”, os quais estavam destacados em negrito, cola e lápis. Após a distribuição do material entre os alunos, o professor solicitava que procurassem, entre as cartelas, aquelas que continham os nomes referentes às figuras que se encontravam na parte superior da ficha de movimento e que as colassem no lugar indicado, abaixo das figuras correspondentes. Em seguida, orientava para que observassem em que lugar a letra/dígrafo em estudo aparece dentro da palavra e seu respectivo som.

c. Confecção do cartaz com as regras– seu objetivo foi sintetizar, ilustrar e registrar as hipóteses finais sobre o uso da letra e do dígrafo em estudo, que refletem a regra ortográfica convencional. O professor convidava os alunos a fazer um cartaz que mostrasse suas ideias sobre o uso do “R” e do “RR”, para que ficasse na sala de aula e onde eles pudessem ir colando as palavras que desejassem e que nele se encaixassem.

d. Pesquisa II – esta tarefa foi uma complementação e um aprofundamento da atividade anterior. Primeiramente, foi solicitado dos alunos que pesquisassem e recortassem palavras que envolviam os diversos usos do “R” e “RR”, observando o som e sua localização na palavra, em seguida, que colassem as palavras pesquisadas no cartaz, de modo a classificá-las em função da localização e do som da letra. O professor então estimulava uma discussão e reflexão, no grande grupo, de questões como: onde a letra em estudo nunca é usada? Existe alguma possibilidade de se usar outra letra com o mesmo valor? Como saber quando será uma ou outra? A hipótese atual dá conta de todas as palavras com a letra em estudo? É necessária alguma mudança? Após a discussão, registrava as conclusões.

e. Ditado final – como objetivo certificar-se de que os alunos estariam de posse e fazendo uso gerativo de uma hipótese sobre ouso da letra e do dígrafo em estudo, de modo a realmente refletir as regras convencionais. O professor explicava aos alunos que elas fariam um ditado individual de um texto com palavras pouco conhecidas e que procurassem escrevê-las lembrando as ideias que foram construídas.

A pesquisa de Melo (1997) nos revelou que identificar o nível inicial de conhecimento que os estudantes possuem é um dos pontos principais e de partida para a tomada de decisões posteriores que o docente deve conhecer para poder abordar o conteúdo e, tentar obter sucesso no resultado. A forma como foi organizado o trabalho nos permitiu, também, perceber que havia uma preocupação do professor em antecipar-se ao que os estudantes estavam a apresentar e sempre os confrontava sobre as respostas dadas por eles. Como afirma Pessoa, a sequência didática permite antecipar o que será enfocado em um espaço de tempo em função do que os alunos precisam aprender, da mediação e do constante monitoramento realizado durante e ao final da sequência.

Entendemos que o jogo ortográfico pode aparecer inserido em uma sequência didática ou ser usado de forma pontual em uma determinada aula. Assim, no próximo bloco vamos discutir, apenas, o uso deste recurso didático para o ensino da ortografia.