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3.3. A Aprendizagem vista pela lente da Educação Matemática Crítica

3.3.2. Aprendizagem-como-Ação

“Ação pode ser associada a termos como meta, decisão, plano, motivo, propósito e intenção” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 47) e implica que exista pelo menos uma pessoa envolvida na ação. A ação pode conduzir à aprendizagem. Contudo, nem toda a ação gera aprendizagem. Por exemplo, coçar a cabeça quando resolvemos um problema difícil não conta para o tipo de ação que importa caraterizar como importante no processo de aprendizagem. Esta ação é um comportamento involuntário e inconsciente, advém de um comportamento biologicamente predeterminado.

O tipo de ação que Alrø e Skovsmose caracterizam como importante para a aprendizagem é consciente. Assim, daqui em diante, sempre que falarmos de ação, estaremos a referir-nos às ações realizadas de forma consciente e voluntária. Para que uma atividade seja classificada como ação (importante para a aprendizagem) é necessário que exista intencionalidade por detrás dela e que a pessoa não esteja numa situação sem alternativas. “Em suma, agir pressupõe tanto o envolvimento da pessoa quanto uma abertura da situação” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 47). Logo, para que exista aprendizagem-como-ação é necessário uma situação aberta e o envolvimento da pessoa nesse processo.

As situações abertas, que desafiem o paradigma do exercício, são positivas pois os alunos têm a possibilidade de reconhecer os objetivos e identificarem-se com eles e, dessa forma, podem tornar-se condutores do seu processo de aprendizagem. Os alunos ao conduzirem, em conjunto com o professor, vão certamente construir perspetivas partilhadas. “Como aprendizes, eles devem ser atuantes e estar envolvidos” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 48).

Quando um professor leva para a sala de aula uma situação aberta, os alunos não fazem ideia sobre o que se trata. Desta forma, não é fácil para o professor comunicar a sua intenção com uma simples frase e não existem referências disponíveis para os alunos. Neste caso, se o

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professor não tiver cuidado, pode levar à confusão e, assim, criar obstáculos à participação dos alunos. Mas se os alunos tiverem intenção de aprender, um caminho possível será seguirem as orientações do professor, a fim de reconhecerem os objetivos da situação e se identificarem com eles e agirem para encontrarem a solução para a situação apresentada, mesmo sem ainda terem percebido completamente o que têm que fazer.

Quando o professor utiliza situações abertas na sala de aula pode utilizar como recurso para a aprendizagem as vistas privilegiadas e os alunos, se tiverem intenções de aprender, podem fazer zooming-in para a atividade da sala aula. Estes conceitos são importantes quando consideramos a aprendizagem-como-ação, por isso, serão discutidos nas secções seguintes. 3.3.2.1. Vistas Privilegiadas (Vantage Points)

As vistas privilegiadas são criadas quando o professor prepara o terreno para a aprendizagem. Nesse momento, é provável que muitas tarefas se definam. As vistas privilegiadas proporcionam uma visão geral das tarefas e dão-lhes algum sentido; representam possíveis perspetivas nas atividades de sala de aula. Se elas fizerem sentido para os alunos, a ponto de eles conseguirem descrevê-las ou mesmo discutir a respeito delas, então podemos afirmar que vistas privilegiadas foram encontradas.

Vistas privilegiadas podem ajudar a esclarecer uma ideia geral, fundamentar certas perspetivas ou abrir novas. Preparar o terreno para criar vistas privilegiadas pode fomentar a discussão sobre o significado das atividades propostas. Além disso, podem ajudar tanto aos alunos como ao professor a encontrar direções para o processo de aprendizagem, uma vez que os alunos ao conhecerem uma perspetiva sobre o conteúdo matemático vão ganhar a possibilidade de associar novos significados para as atividades.

Quando o professor leva uma situação aberta para a sala de aula já tem, certamente, de antemão algumas ideias formadas acerca de possíveis caminhos a seguir e mesmo da solução, ou possíveis soluções, para a situação em estudo. Contudo, para que tais situações sejam pertinentes, no processo de aprendizagem dos alunos, o professor tem de ter abertura suficiente para perceber se o aluno tem uma ideia em mente diferente da sua e estar apto para adaptar o seu discurso, caso seja necessário, de modo a acompanhar a perspetiva do aluno, cooperando com este no desenrolar da atividade. Para que o professor e o aluno se encontrem na comunicação é imperativo que criem uma perspetiva partilhada sobre a situação em análise, isto é, é necessário estabelecer um entendimento partilhado com base nas diferentes perspetivas dos vários envolvidos nesse processo.

Sempre que em sala aula é estabelecido um ponto de vista partilhado sobre o significado de um conceito ou conteúdo, está a ser criado um esclarecimento pontual da perspetiva e,

certamente, pode propiciar aos alunos um novo impulso para a aprendizagem. Sempre que emerge uma perspetiva partilhada esta serve de alavanca para a aprendizagem dos alunos. 3.3.2.2. Zooming-in

Em certos momentos, o professor apresenta a atividade a desenvolver mas, mesmo que os conceitos matemáticos e as tarefas sejam suficientemente contextualizados, não ficam estabelecidas vistas privilegiadas que possam ajudar os alunos a dar sentido a essa atividade. Neste caso, os alunos ficam perdidos e confusos, mas mesmo assim, demonstram curiosidade e expetativas sobre o que está a acontecer na aula. As atividades parecem interessantes e os alunos querem perceber o que se passa, por isso, fazem perguntas. O professor tenta esclarecer as perguntas dos alunos, mas mesmo assim, eles ‘não chegam lá’ mas tentam acomodar as suas apreensões e intenções porque querem compreender melhor a situação. Alrø e Skovsmose (2006) definem, neste caso, as atividades realizadas pelos alunos em termos de zooming-in. Se resultar, o professor e os alunos chegam a um consenso. Os alunos percebem então do que se trata a aula e ‘chegam lá’. Esta situação pode ser descrita em termos de perspetivas que são partilhadas entre o professor e os alunos. Os alunos compreendem a perspetiva proposta pelo professor e o professor também compreende a perspetiva dos alunos. Zooming-in indica uma procura por perspetivas partilhadas. Se esta surge, então, o zooming-in foi bem-sucedido.

Um zooming-in pode ser caracterizado como o “processo no qual um grupo considerável de alunos volta sua intenção para o processo de aprendizagem” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 48). Indica desejo de condução da atividade e representa ação. Uma atividade de zooming-in indica que a prática de sala de aula não caiu na rotina e que os alunos estão de facto envolvidos com o desenrolar da aula.

Alrø e Skovsmose (2006) referem que o zooming-in dos alunos indica que pelo menos alguma aprendizagem pode ser entendida como ação. Isto não quer dizer que toda a aprendizagem seja feita desta forma, mas sim que esta forma de aprender é importante. Contudo, existem dois fatores que podem inibir o zooming-in. O primeiro fator é a aula estar organizada de tal forma que todas as tarefas estejam claramente estabelecidas e não existe espaço para os alunos fazerem zooming-in. O segundo fator é os alunos não estarem interessados no que estão a fazer ou já terem incorporado um comportamento instrumentalizado. Estes dois fatores estão frequentemente associados às aulas de Matemática tradicionais em que o professor explica um assunto novo e enumera os exercícios a resolver, os alunos resolvem-nos e o professor confere os resultados. Em aulas como estas, não existe necessidade de zooming-in por parte dos alunos.

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Alrø e Skovsmose (2006, p. 49) alertam que “um zooming-in pode parecer uma estratégia de tentativa-e-erro para encontrar o sentido de uma atividade passada em sala de aula.”

É importante estabelecer situações na sala de aula em que seja possível para os alunos fazer zooming-in e estabelecer uma ‘cultura’ de sala de aula na qual os alunos realmente desejam realizar zooming-in. Para tal, é necessário criar espaço para que os alunos tornem-se condutores do seu processo de aprendizagem e que o professor não deixe de ser também uma pessoa atuante no processo educativo dos alunos. Se tal acontecer, a educação será caracterizada pelo encontro de dois ‘agentes’, o professor e os alunos.

As atividades de zooming-in indicam um aspeto fundamental da aprendizagem, onde a intenção e a ação estão fortemente relacionadas. O que não quer dizer que primeiro exista a intenção de se fazer alguma coisa e depois aconteça o desdobramento que realiza a intenção. A intenção da ação está presente na própria ação. Da mesma forma, as intenções têm de estar presentes no próprio processo de aprendizagem dos alunos, estes não têm que encontrar uma razão para aprender antes de se deixarem envolver na aprendizagem.