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3.3. A Aprendizagem vista pela lente da Educação Matemática Crítica

3.3.1. Modelo de Cooperação Investigativa (Modelo-CI)

3.3.1.2. Perceber (Locating)

“Perceber significa descobrir alguma coisa da qual nada se sabia ou não se tinha consciência antes” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 106).

Muitas vezes é difícil para um aluno expressar a perspetiva que quer estabelecer para uma determinada tarefa ou problema, é igualmente difícil, para um aluno expressar a sua ideia em termos matemáticos. Naturalmente, várias perspetivas possíveis e diferentes formas de abordagem de uma tarefa ou problema podem ser percebidas. Neste processo, cabe ao professor atuar como um facilitador, fazendo perguntas com uma postura investigativa, tentando conhecer a forma como o aluno interpreta a tarefa ou problema.

As questões que propiciam uma investigação ou uma demonstração; as questões que demonstram uma atitude de curiosidade; as questões em aberto, cujas respostas não são conhecidas de antemão, podem ser formuladas, tanto pelo professor como pelo aluno, e são uma forma eficaz para estes conseguirem perceber as perspetivas que procuram.

As questões hipotéticas, como por exemplo “O que acontece se …?”, podem ser indicadoras de certo grau de abertura e disposição para perceber novas possibilidades. Podem ser “um sinal de que se adentrou um cenário para investigação” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 107). O professor pode empregar este tipo de questões com o propósito de atrair os alunos para

um cenário para investigação e, quando os alunos entram em contacto com estas questões, podem ‘tomar as rédeas’ na condução do processo.

Para perceber perspetivas, os alunos podem fazer questões que suscitam explicações comos as questões hipotéticas ou as check-questions.

Segundo Alrø e Skovsmose (2006, p. 83) “[f]ormular questões hipotéticas pode ser visto como uma atitude de curiosidade, como uma abertura a uma predisposição a explorar possibilidades em oposição a um cômodo alheamento ao debate ou a uma indiferença a outros pontos de vista”. Pode servir, também, para esclarecer e ampliar uma nova perspetiva.

As check-questions permitem averiguar se todos entendem-se corretamente e aferir se aquilo que se imagina é, de facto, o que se passa. Desta forma, são ferramentas importantes de elucidação no processo de argumentação e também no processo de investigação como um todo.

Ao questionar os seus próprios motivos, ao examiná-los conjuntamente e ao concordar em aceitá-los ou em rejeitá-los, o processo de perceber faz acionar outros elementos investigativos. Contudo, notemos que algumas vezes as questões hipotéticas podem ser utilizadas com outros propósitos. Elas podem ser utilizadas para fazer ironia, para demonstrar desinteresse ou irrelevância. Algumas vezes estas questões podem ser interpretadas, pelos alunos, como se o professor quisesse assumir a autoridade, desviando o rumo dos acontecimentos e transformando a comunicação numa burocrática troca de comentários entre professor e alunos. O contexto em que este tipo de questão é formulada, bem como a intenção da pessoa que a formula é que determina qual a sua função. É necessário que exista uma atitude de curiosidade e uma certa abertura para que as questões hipotéticas possam ser consideradas como algo construtivo dentro do processo de investigação.

“Perceber, dentro de um processo de investigação, significa expor suas próprias perspetivas para o grupo no bojo do processo de comunicação” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 106). Significa aproximar-se de um assunto e insistir nele antes de o rejeitar. Assim, é um processo de examinar possibilidades e de experimentar coisas. “Perceber está intimamente relacionado com a questão de condução” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 107). Só quando o aluno percebe é que pode conduzir, ou restabelecer a condução do processo de investigação. Só quando percebe é que o aluno pode ‘tomar as rédeas’ no processo de investigação, bem como no seu processo de aprendizagem.

Para perceber é necessário que exista “curiosidade, questões ampliadoras e elucidativas, aproximação, check-questions, exame de possibilidades e questões hipotéticas” (Alrø & Skovsmose, 2006, p. 117).

3. Educação Matemática Crítica

No desenrolar de um processo de cooperação investigativa, podem surgir perspetivas interessantes e relevantes que são ignoradas ou deixadas de parte. Num processo aberto pode acontecer o ‘não ser capaz de perceber’. Isto pode ocorrer por diversos motivos, por exemplo, porque o aluno ignorou uma sugestão interessante do professor ou de um colega; porque rejeitou as suas próprias propostas, sem antes examiná-las; ou porque está a mostrar-se contrário a uma ideia sem antes discuti-la. Nestes casos em que os alunos não são capazes de captar uma perspetiva em certa sugestão, é necessário que uma ‘autoridade’ chame a atenção para certas ideias que mereçam atenção particular. O professor tem um papel importante no processo de possibilitar que o aluno perceba. Ao cooperar com os alunos, o professor pode interferir para que estes percebam perspetivas. Uma forma de o fazer pode ser, por exemplo, fazendo questões hipotéticas, pois assim pode abrir possibilidade para que os alunos prossigam com questões ampliadoras e esclarecedoras. Desta forma, o questionamento mútuo poderá criar novas perspetivas e elucidar outras.

Quando o aluno consegue expressar a sua própria perspetiva, então ela pode ser reconhecida em termos matemáticos, tanto pelo próprio aluno como pelo professor. Desta forma, o processo de reconhecimento pode fornecer recursos para investigações posteriores.

Analisar e refletir sobre diferentes perspetivas são metas cruciais e características importantes da comunicação num processo de investigação. Estas exigem a curiosidade para examinar, de forma aberta e sem retaliações, novas ideias e sugestões e flexibilidade para mudar de direção quando uma nova perspetiva é percebida ou uma perspetiva já existente é alterada. Estas características da comunicação estão intrinsecamente ligadas ao processo de cooperação investigativa e têm influência sobre a capacidade de agir dos alunos e de dar andamento no seu trabalho, durante um processo de investigação.

A viabilidade de realização de um ato de comunicação depende do grau de incorporação das perspetivas dos alunos no processo de investigação. Se os alunos encontrarem motivos para analisar as perspetivas apresentadas, então dar-se-á início a um processo de investigação e essas perspetivas poderão ser consideradas como um importante instrumento de aprendizagem. Examinar as perspetivas dos alunos ajuda o professor a conhecer os seus modos de pensar e traz aos alunos maior consciência da sua própria maneira de agir em sala de aula.