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6.2. O Convite Feito aos Alunos: Realizar Corridas com Robots

6.2.2. A Programação do Robot

6.2.2.3. Programar para Seguir a Linha Preta

Os alunos tiveram que programar o Robot para realizar as tão desejadas corridas no troço de corrida construído, e escolhido a votos, pelos alunos. Nesta fase, tiveram que programar o

Robot para seguir uma linha preta, iniciar a corrida assim que fosse dado o sinal de partida e parar 15 centímetros antes de chegar ao fim do troço.

Neste momento os alunos já sabiam programar o Robot utilizando o sensor de som para iniciar a corrida assim que fosse dado o sinal de partida, também já sabiam fazê-lo parar a 15 centímetros de um determinado objeto utilizando o sensor ultrassónico.

A programação que realizaram nas aulas anteriores fez ressonância no momento de programar o Robot para as corridas. Apenas faltava descobrir como fazer o Robot seguir uma linha preta. Para tal, disponibilizámos uma pista facultada pelo kit da LEGO para os alunos terem oportunidade de testar a sua programação. O intuito era que utilizassem corretamente o sensor de luz para seguir uma linha preta numa qualquer situação.

Os alunos, em todos os grupos de trabalho foram capazes de, quando questionados por nós, explicar de uma forma clara e correta a programação que estavam a fazer para o Robot realizar as corridas nas condições estabelecidas, contudo, fazer funcionar o sensor de luz para seguir a linha preta não foi tarefa fácil. Depois de disponibilizarmos algum tempo para os alunos explorarem como fazê-lo, apercebemo-nos das grandes dificuldades que estavam a ter e decidimos explicar para toda a turma como o fazer, pois considerámos que por si só tornava- se muito difícil os alunos fazerem tal descoberta, iria ser um processo moroso e não relevante nas suas aprendizagens. Assim, optámos por, no grande grupo, explicar que: “Para o Robot seguir a linha preta vocês têm que utilizar o bloco switch e colocá-lo a funcionar com o sensor de luz. Colocam o Robot a virar à direita se detetar uma intensidade de luz superior (ou inferior) a um determinado valor, que vocês vão definir, e virar à esquerda caso contrario, isto é, se detetar uma intensidade de luz inferior a esse valor definido”. Após esta explicação, demos espaço para os alunos continuarem com as suas programações.

Passado algum tempo, solicitaram-nos num dos grupos. P.T: Professora, estamos perdidos, pode chegar cá por favor? Inv: Sim, claro. Que se passa?

H: Não estamos a conseguir programar o Robot para seguir a linha preta, ele não anda na linha preta. Está maluco.

Na tentativa de percebermos a programação que os alunos tinham feito questionámos: Inv: Como é que programaram?

S: Colocámos o Robot a andar após ouvir um som superior a 50. Utilizámos este bloco aqui. [Enquanto explica aponta no computador para a programação que tinham realizado.] G: Tínhamos inicialmente colocado superior a 70 mas ele estava surdo, nunca andava. H: Depois colocámos 30, ele ficou desobediente, andava logo.

P.T: Experimentámos vários valores e vimos que com 50 resulta. Após darmos um assobio ele começa a andar. Assim está bom.

6. Das Corridas com Robots à Aprendizagem da Estatística e da Cidadania

Neste diálogo verificamos que os alunos completam os raciocínios uns dos outros e conseguem explicar o processo pelo qual passaram até definir uma intensidade de som que fizesse o sensor de som funcionar corretamente, o que revela que, através da tentativa e erro, os alunos envolveram-se num processo cooperativo de investigação no qual programaram e experimentaram, por diversas vezes o Robot, até conseguirem fazer funcionar o sensor de som corretamente. Verificamos também que referem-se aos Robots como se fossem pessoas dizendo que o Robot “está maluco”, “estava surdo”, “ficou desobediente”. Estes aspetos “[r]epresentam a personificação do Robot e ajudam os alunos a encontrar motivos para se envolverem na sua aprendizagem” (Fernandes, 2013a, p. 159).

H: Colocámos um loop que termina quando o sensor ultrassónico deteta uma parede a menos de 15 cm. Aqui no loop colocámos 30 cm pois o nosso sensor não está na frente do Robot, está aqui atrás. Medimos e vimos que do fim do sensor até a frente do Robot são 15 cm. [Durante a explicação o H aponta no computador para mostrar a programação e no Robot para mostrar a localização do sensor.]

O argumento utilizado para colocarem 30 cm em vez de 15 cm revela que os alunos conhecem bem a morfologia do seu Robot e conhecem o funcionamento do sensor ultrassónico. O facto de os alunos terem construído o seu Robot facilitou no processo de programação pois, como refere Martins (2013), a forma como os alunos programam está relacionada com o conhecimento da ‘estrutura do Robot’. Sem a parte de criação do Robot poderiam ter emergido mais entraves na sua programação.

G: Isto tinha que funcionar se o Robot não estivesse maluco, ele em vez de andar para a frente está sempre a virar à esquerda e à direita. Ele deveria andar para a frente e depois parar os dois motores quando o sensor detetasse essa distância de 30 cm. Colocámos este bloco aqui no final para ele parar os dois motores. [Aponta no ecrã o bloco colocado no fim da programação com os dois motores parados.]

Inv: Quais foram os blocos que utilizaram para o Robot virar à esquerda e à direita? P.T: Utilizámos este, com os dois motores a trabalhar ao mesmo tempo. Aqui vira para a esquerda e aqui para a direita. [Enquanto explica o aluno aponta no ecrã para mostrar a programação que realizou.]

Inv: Vamos colocar o Robot sobre a pista para percebermos o que está a acontecer.

De facto, o Robot em vez seguir a linha virava simultaneamente à esquerda e à direita sem sair do lugar, devido aos dois motores estarem programados para rodar em simultâneo, mas em sentidos contrários. Quando sugerimos que fossem experimentar o Robot também ainda não tínhamos detetado o que estava a acontecer com a programação para que não funcionasse. Só quando observámos o desempenho do Robot percebemos que as duas rodas deste estavam a rodar em sentido contrário, o que fazia com que o Robot não saísse do lugar. Por isso, sugerimos aos alunos que pegassem no Robot e com o programa a correr observassem o que estava a acontecer com as rodas. Esta sugestão foi feita na tentativa de criarmos uma

vista privilegiada sobre o assunto e com isso os alunos detetarem o que estava a acontecer com o Robot.

Foi através da observação do que estava a acontecer com as rodas do Robot e pela reflexão acerca da programação efetuada que os alunos foram capazes de se aperceber porque é que a programação não estava a resultar. Após algumas experiências com o Robot o P.T acrescentou.

P.T: Já percebi. Quando está claro ele vira para a esquerda, mas não anda para a frente pois a roda da esquerda anda para a frente e a da direita para trás, o que faz com que ele não saia do lugar. [Enquanto explica faz os gestos com as mãos a tentar exemplificar o percurso das rodas.] Quando está escuro faz o contrário.

H: Como assim?

P.T: Temos que programar para virar à esquerda mas com as duas rodas a andar no mesmo sentido, não em sentidos contrários como fizemos. Quando programámos para andar à volta das mesas dava jeito que ele virasse sem sair do lugar, agora não, queremos que ele vire mas vá andando. G: Então em cada parte do switch temos que colocar dois

blocos, em vez de um, para fazer o Robot virar?

P.T: Sim. Para virar à esquerda, colocamos o motor B a andar devagar e o C a andar depressa. H: Percebi, para virar à direita fazemos o contrário. Colocamos o B a andar depressa e o C devagar. Certo?

Os alunos, enquanto dialogaram alteraram os blocos utilizados na programação de modo a fazer o Robot virar à esquerda, e à direita, com os dois motores a rodar no mesmo sentido – rodarem para a frente mas com intensidades diferentes, consoante fosse para virar à esquerda ou para virar à direita.

O uso das tag question, feitas pelo G e pelo H, revela que os alunos estão a tentar estabelecer contacto com o P.T, estão à procura de uma confirmação acerca dos seus raciocínios e de apoio mútuo.

Os alunos depois de experimentarem a programação, alteraram a velocidade dos motores para fazer com que o Robot seguisse a linha mas também corresse o mais rapidamente possível. Posto isto, afastámo-nos do grupo para deixá-los trabalhar autonomamente. Após alguns avanços e recuos, num processo cíclico de programação e experimentação, os alunos conseguiram programar o Robot de modo a realizar corretamente as corridas, respeitando as condições que tinham sido acordadas. Este grupo, após programar e testar o seu Robot por

Figura 6.1: Programação construída pelos alunos para o Robot seguir a linha preta.

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diversas vezes definiu que a intensidade de luz igual ou superior a 40 era um bom valor para o Robot distinguir o branco do preto, e que para virar à esquerda o ideal seria o motor B estar a rodar, para a frente, com uma intensidade de 20 e o C com uma intensidade de 80, e para virar à direita deveria ser ao contrário, o motor B estar a rodar com uma intensidade de 80 e o C com intensidade de 20.

O grupo que tinha o Robot denominado de Vinagre foi o primeiro a conseguir programar o seu Robot para seguir a linha preta. Ficaram radiantes com o feito, festejaram que já eram os vencedores e solicitaram a nossa presença para mostrar como o Robot já estava bem programado. Colocaram o Robot no início do troço, iniciaram o percurso mas, dessa vez, o Robot desviou-se da linha.

P.B: Mas como? Impossível! Inv: O que é que aconteceu?

M: O Robot não está bom, acabámos de experimentar e funcionou na perfeição. Inv: Será que alteraram a programação?

S: Isso não! Vê se estás é a utilizar outro programa! [O Robot permite armazenar mais do que um programa.]

M: Não, está certo. É o 4. [O 4 aqui refere-se ao número do programa que estão a fazer correr no Robot.]

Mesmo assim, por sugestão da S, fizeram novamente o download do programa, conferiram se as peças estavam bem encaixadas e se o sensor estava bem posicionado.

S: Será a bateria?

P.M: A professora disse que carregou as baterias todas e ainda o utilizámos pouco. M: Será que tem alguma roda presa?

S: Não. Estão rodando bem. M: Mas porque é que não funciona?

Todos queriam saber, ficaram muito desanimados pois eram o único grupo, até ao momento, que tinha conseguido programar o Robot na perfeição e agora não funcionava. Mas não desistiram. Depois de muita discussão acerca do que estava a acontecer e de não chegarem a nenhuma conclusão, a S, que tinha colocado o Robot sobre a linha quando tinham estado a experimentar a programação, lembrou-se de que tinha posicionado o Robot no lado esquerdo da linha preta quando o estavam a experimentar.

S: Será que isso faz diferença?

Testaram novamente o Robot e para surpresa dos alunos: “Sim, faz diferença”. O Robot concluiu com perfeição o percurso. Repetiram os testes e confirmaram que, dependendo de onde o Robot era posicionado (à esquerda, à direita ou no centro da linha preta) a mesma programação produzia resultados diferentes.

Entretanto, o grupo que tinha o Robot denominado de DNR também já tinha conseguido programá-lo para seguir a linha.

O M foi observar o desempenho do Robot e verificou que o DRN tinha sido colocado no lado direito da linha e que estava a correr bem, isto é, não se desviava no percurso.

M: Mas afinal, porque é que o nosso segue a linha corretamente se for colocado à esquerda da linha e o delas à direita da linha?

Aqui gerou-se um diálogo entre os alunos dos dois grupos. Fizeram testes com os Robots, compararam o desempenho dos Robots e as programações efetuadas pelos grupos e chegaram à conclusão de que tinham criado programas diferentes para o Robot seguir a linha. E deste modo, concluíram que, dependendo da programação efetuada, tinham que ter o cuidado de colocar o Robot no ‘lado certo da linha’ para ter o melhor desempenho. Estas conclusões foram importantes e cruciais para o desempenho dos Robots durante as corridas.

A programação e experimentação foi um processo dinâmico que esteve presente na forma de atuação dos alunos. Ao experimentarem a programação abria-se espaço para refletirem sobre a mesma. Ao alterarem a programação, desenvolveram o diálogo e a capacidade de criação de estratégias, uma vez que tinham que justificar e acordar, com os colegas de grupo, a programação que estavam a fazer. Ao criar estratégias, ao apresentar e ao justificar as suas perspetivas e procedimentos, desenvolveram a capacidade de argumentar e de raciocinar.

Ao programarem, ao explicarem e ao tentarem compreender a programação, os alunos construíram perspetivas partilhadas, estabeleceram e justificaram conexões lógicas entre a programação que fizeram e o desempenho do seu Robot. Este processo foi importante e fundamental para o desenvolvimento de uma programação cada vez mais eficiente e eficaz bem como para o desenvolvimento da criatividade e da criticidade, capacidades importantes para o quotidiano dos alunos.

Na dinâmica de trabalho estabelecida, entre nós e os alunos, errar mostrou-se uma experiência indissociável do processo de aprendizagem. Ao analisarem os erros cometidos, os alunos conseguiram descobrir e evidenciar conhecimentos e relações que não se manifestariam se esperássemos e desejássemos apenas os momentos em que resolveram com sucesso os desafios. Ao errar e tentar compreender o porquê desses erros os alunos foram capazes de estabelecer conexões lógicas indispensáveis à construção do seu conhecimento (Fernandes, 2013a; Lopes, 2013a; Martins, 2013). E, mais uma vez, alteraram o que consideravam sobre a aprendizagem da Matemática. Reconheceram que o erro pode ser algo importante para a aprendizagem.

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