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Os Backgrounds e os Foregrounds dos Alunos

Como analisámos no capítulo três, as perspetivas que os alunos fazem quanto ao seu futuro são influenciadas pela história do que viveram e pelas expetativas que fazem acerca da sua participação num determinado tipo de prática. Assim, o significado que cada aluno atribui às aulas de Matemática, não está vinculado apenas à compreensão de conceitos matemáticos, está relacionado com os aspetos sociais, culturais, económicos e políticos da sua vida, isto é, com os seus antecedentes e com a perceção que têm acerca do seu futuro e da importância da aprendizagem da Matemática no mesmo.

O background e o foreground influenciam o que uma pessoa, ou grupo de pessoas, pode vir a querer e em que ações poderá vir a envolver-se – ambos representam recursos de intenções. Os diferentes motivos que levam um aluno a envolver-se, ou não, na aprendizagem da Matemática estão de alguma forma relacionados ao significado que atribuem à Matemática. Assim, se entendermos o background e o foreground de cada aluno, torna-se possível perceber o significado que ele atribui à aprendizagem da Matemática. Portanto, considerámos importante analisá-los para, conseguir entendê-los e arranjar estratégias de modo a motivar os alunos para as aulas de Matemática e, assim, contribuir para que ativassem intenções-de- aprendizagem.

6. Das Corridas com Robots à Aprendizagem da Estatística e da Cidadania

A turma com quem implementámos o CA tinha um fraco rendimento escolar e muitos alunos tinham negativa em Matemática. Dez dos catorze alunos tiveram negativa no 2.º período na disciplina de Matemática. Alguns alunos nunca tinham tido, durante todo o 2.º e 3.º Ciclo, uma positiva num teste de Matemática. A negativa em Matemática era bem aceite pelos encarregados de educação dos alunos, não lhes provocava constrangimentos, uma vez que, nas reuniões com o diretor de turma, alegavam “eu também sempre tive negativa a Matemática”, “o que importa é que ele passe”, “a Matemática não é para todos”7.

Consultando o projeto curricular da turma, verificámos que apenas três alunos, A, H e P.M8, ambicionavam tirar um curso superior, os restantes apenas queriam obter o certificado de 12.º ano. Quanto a profissões, a maioria ainda não sabia, dois alunos, M e o B, queriam ser jogadores de futebol, um, P.T, queria ser jogador de ténis de mesa, dois, N e P.M, queriam ser técnicos de informática e um, A, professor de ciências.

Uma vez que já conhecíamos estes alunos, devido a participarmos nas suas aulas no âmbito do projeto CEM, e já termos conquistado alguma confiança, aproveitámos o momento de montagem dos Robots, assim como os momentos iniciais de programação, para através de diálogos informais, tentar aferir a importância e o significado que estes alunos davam à aprendizagem da Matemática.

Todos os 10 alunos que tiveram negativa em Matemática no 2.º período consideraram que podiam acabar a escolaridade obrigatória com essa negativa e, por isso, a negativa em Matemática, no 3.º Ciclo, não ia influenciar o seu futuro. Três desses alunos, R, S e P.B, referiram que “sempre tive negativa a Matemática e cheguei até aqui”. Os alunos que sempre tiveram negativa a Matemática consideraram que “a Matemática está perdida”, “já não vale a pena”. Parece-nos que estes alunos não atribuíam um significado muito profundo à aprendizagem da Matemática e que a não-aprendizagem da Matemática não era valorizada, quer pelos alunos, quer pelos seus encarregados de educação. Assim, consideramos que a negativa em Matemática não lhes provocava constrangimentos. Contudo, temos que admitir que esta resposta apresentada pelos alunos pode ser apenas uma justificativa para a sua negativa.

A maioria dos alunos considerava que pouca Matemática tinha significado para o desenvolvimento de ações externas à sala de aula. Estes alunos referiam que grande parte da Matemática que se estuda na Escola não tinha significado algum para a vida quotidiana. O G, a N e a R consideraram que “a Matemática no futuro só serve aos que vão ser professores ou

7 Estas informações foram obtidas através dos registos feitos pelo diretor de turma no Projeto Curricular da Turma. 8 Todos os alunos da turma estão referidos por uma ou duas letras de modo a garantir o seu anonimato.

explicadores de Matemática para ensinarem Matemática aos alunos”. Para estes alunos era pouco claro o significado do que se aprende na disciplina de Matemática para a prática de uma profissão que não seja a do professor ou do explicador de Matemática.

Sete alunos (B, C, G, H, P.T, S e T) consideraram que apenas uma pequena parte da Matemática tinha significado quotidiano. Identificaram essa Matemática com as operações básicas de somar, subtrair, multiplicar e dividir (H, P.T e T), “para fazer contas do dinheiro” (G, H, P.T, S e T) ou noutras situações de partilha, de modo a “não ser enganado pelos outros” (B, C e S).

Três alunos (S, G e B) atribuíram também significado quotidiano à parte da Estatística que serve para compreender as notícias e os gráficos que aparecem nos meios de comunicação e fazer previsões em determinadas situações, como por exemplo, “fazer contas para ver qual é a equipa que vai ganhar ou perder nos campeonatos de futebol” (B e G).

As raízes culturais destes alunos e a forma como eles e os seus encarregados de educação interpretavam as suas experiências passadas relativamente à disciplina de Matemática, isto é, os seus backgrounds, fazia com que tivessem uma postura pouco participativa, bastante desinteressada e uma taxa de absentismo elevada. Podemos assim afirmar que estes 10 alunos tinham um foreground arruinado em relação à Matemática escolar, isto é, tinham más experiências em relação à aprendizagem da Matemática.

O foreground arruinado destes alunos levava-os a não verem que possibilidades a aprendizagem da Matemática lhes podia trazer para as suas vidas. Na perceção que faziam sobre as suas possibilidades de vida futura, consideravam que “a Matemática já está perdida” (N, P.B, R e S) e que ter negativa a Matemática não importava, uma vez que não precisavam dela para terminar a escolaridade obrigatória (todos os 10 alunos com negativa no 2.º período). Assim, a intencionalidade para aprender não era facilmente acionada por parte destes alunos.

Os alunos com positiva em Matemática, que foram apenas quatro no 2.º período (A, P.M, G e M), consideraram que, se dominarem bem os conhecimentos matemáticos, bem como os conhecimentos referentes às outras disciplinas, terão mais facilmente acesso à continuidade dos estudos e, futuramente, terão mais facilidade em arranjar trabalho. Três alunos, A, M e P.M, consideraram que os conhecimentos matemáticos contribuem para o seu sucesso académico e profissional, pois o resultado das suas avaliações em Matemática (ter positiva ou negativa) iria possibilitar ou limitar as possibilidades de escolha do curso a seguir na entrada do 10.º ano. Segundo o A “com negativa em Matemática no final do 9.º ano nem vale a pena escolher um curso com Matemática A, por isso, como quero ir para esse curso tenho que ter positiva”. Segundo o G “se eu não acabar o 12.º ano não vou conseguir arranjar trabalho, vou

6. Das Corridas com Robots à Aprendizagem da Estatística e da Cidadania

ficar no desemprego como os meus pais, por isso, tenho que ter positiva no máximo das disciplinas”. Segundo o P.M: “Tenho que ter positiva em Matemática pois quero tirar um curso de computadores”. Estes alunos consideraram que o conhecimento matemático é a senha que permite o acesso à continuidade dos estudos e que este é necessário para ter sucesso na vida, neste sentido, atribuíram-lhe um significado instrumental, isto é, assumiram que queriam ter sucesso na vida e consideraram que a Matemática é um instrumento importante nesse processo. O significado instrumental está, neste contexto, vinculado às necessidades da vida para os alunos (Skovsmose et al., 2009).

Ao longo da implementação do CA tentou-se provocar uma mudança de atitude nos alunos, uma vez que era nossa intenção que modificassem o significado que atribuíam à aprendizagem da Matemática para, assim, ser mais fácil motivá-los e fazer com que ativassem intenções-de-aprendizagem. Foi nosso intuito despoletar intencionalidade nos alunos para analisarem, de uma forma crítica, as várias situações que emergiram, de modo a tomarem decisões informadas e argumentadas e construírem as suas próprias conclusões.

Os alunos que tinham utilizado Robots nas aulas de Matemática no 7.º ano pediram à professora se poderiam voltar a utilizar Robots. Assim, aproveitámos o interesse dos alunos nos Robots e convidámo-los a participar no processo de implementação do CA.

O facto de o pedido dos alunos à professora – Voltar a trabalhar com Robots – ter sido aceite, parece-nos ter sido o início da desconstrução do foreground arruinado destes alunos em relação à disciplina de Matemática. “Perceber que os seus interesses foram valorizados pela professora abriu espaço para a emergência de intenções-de-aprendizagem” (Fernandes et al., 2016, p. 17).

Segundo Martins e Ponte (2010), uma investigação estatística pode ser motivada por uma curiosidade sobre o mundo real ou por uma necessidade muito concreta. Neste caso, aproveitou-se o pedido dos alunos – Voltar a utilizar Robots na aula de Matemática – para, durante a implementação do CA, entre outras coisas, convidar-lhes a realizar uma investigação estatística. Neste caso, a investigação estatística emergiu por uma necessidade concreta – Definir o Robot Vencedor das Corridas. Os alunos aceitaram o convite para se envolverem no processo de investigação.

Para conseguir realizar a investigação estatística, os alunos tiveram que conceber, juntamente connosco9, um plano de trabalho, criar objetivos individuais e de grupo, delinear e

9 Entendamos, ao longo deste capítulo, o ‘nós’ como a professora e a investigadora participante na recolha dos dados, uma vez que partilhámos a dinamização das tarefas na sala de aula.

partilhar tarefas e definir procedimentos. Além disso, envolveram-se nas quatro etapas do ciclo investigativo, tal como definidas por Martins e Ponte (2010) e também por Selmer et al. (2011). Gal e Garfield (1997) referem que uma propriedade fundamental de um problema de natureza estatística é a de que ele não tem uma solução única, geralmente começa com uma questão (neste caso foi lançada por nós – Qual é o Robot Vencedor das Corridas?) e termina com uma opinião que se espera que seja fundamentada em resultados teóricos e/ou práticos.