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Aprendizagem com o maestro e músicos convidados

4.2 Estratégias de formação e interações

4.2.3 Aprendizagem com o maestro e músicos convidados

Mediante a metodologia de ensaio adotada pelo maestro, assim como a possibilidade de convivência dos músicos com outros regentes, os estudantes da OSUFRN foram convidados a refletir sobre o papel do maestro, durante as entrevistas, enquanto professor e condutor da prática orquestral, visto que “o regente é o propiciador de um processo coletivo de aprendizagem musical que tem por objetivo a realização artística” (FIGUEIREDO, 1989, p. 72). Os alunos fizeram referência à disciplina/regras necessárias ao grupo, a teoria estudada durante os cursos de formação, a prática coletiva e a performance individual e coletiva relacionando-as com as ações e orientações do maestro durante os ensaios e concertos. Nesse sentido, Edyson (2014) relata que o maestro

sempre ensina além da parte da performance daquela peça, [...] sempre fala da parte histórica, da parte de análise da peça. O que eu mais aprendo é isso, a disciplina e várias coisas em termos musicais. [...] eu aprendi outra coisa, que você não tá sempre [sozinho] na partitura, também tem alguém auxiliando, ele não tá ali só pra dar entrada, tá ali pelo todo musical (informação verbal)45.

Corroborando com Edyson, Tásia (2014) considera que o maestro contribui efetivamente para a aprendizagem do grupo, pois,

ele tenta abordar todos os estudantes de várias formas, pra se fazer entender. Num ensaio ele fala assim, aí não deu certo, no outro ensaio ele fala assim... [...] Ele faz questão de querer que o grupo seja independente dele. Isso é muito legal. Uma vez no ensaio ele [falou], ‘vou lá pra trás’, ficou lá, ‘quero só ouvir vocês’, e deixou a gente se virando, é grupo de câmara ali interagindo, funcionando junto sem a ditadura da batuta e se ouvindo (informação verbal)46.

Os estudantes revelam algumas ações que são desempenhadas pelo maestro, o qual elucida e referencia as obras do repertório com a teoria musical, a história da música, entre outros elementos que poderão contribuir para o entendimento musical e performático durante os ensaios. Por vezes, esses conhecimentos são vistos na orquestra antes de serem apresentados nos cursos de formação, principalmente para os alunos que ingressam na orquestra no início dos seus estudos. Quando o aluno passa a cursar disciplinas relacionadas à teoria e à história da música, por exemplo, é possível que consiga relacionar a teoria com a prática musical vivenciada no contexto orquestral, como disse Gil (2014) “muitas vezes o professor [em sala de aula] leciona conteúdos da história da música, os períodos, e nós [da orquestra] temos o privilégio de vivenciar a música com o maestro que está ali também pra isso, e assim a gente vai amadurecendo”(informação verbal)47.

A aluna Tásia aponta ainda que o maestro busca fomentar a autonomia dos músicos, estimulando que eles busquem se ouvir para que a produção sonora seja efetivamente coletiva e não individualista. Segundo Figueiredo (1989, p. 73),

faz parte da orientação musical, uma formação de conceitos básicos para que se entenda o porquê de fazer isto desta ou daquela maneira. Além disto, existe o aspecto da interpretação individual em favor de um resultado

45 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 46 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 47 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

coletivo. Cada ensaio, cada trecho musical nunca terá a mesma realização (FIGUEIREDO, 1989, p. 73).

De acordo com o autor, percebe-se que o maestro ao apresentar elementos constitutivos da música, contextualizando a obra e o estilo musical a que pertencem, para que o grupo entenda “o porquê de fazer isto desta ou daquela maneira” (FIGUEIREDO, 1989, p. 73), os músicos podem fazer uso desse conhecimento para outras obras de outros compositores de um mesmo período, por exemplo. A compreensão musical aliada à prática orquestral se efetiva no desenvolvimento performático do músico e na sua autonomia, traduzindo-se em aprendizagem. De maneira geral, para o maestro André Muniz (2014), o regente preocupa-se com a execução musical de forma global, pensando na coerência rítmica, precisão de afinação e no cuidado com o estilo musical.

Considerando a OSUFRN como um espaço de aprendizagem e o maestro enquanto professor da universidade, ele preocupa-se também, como essas orientações alcançam aos músicos e como poderão ser conduzidas para o entendimento da concepção interpretativa da obra estudada. Dessa forma, durante as observações, foi possível visualizar que as figuras do professor e do regente condutor se misturaram neste contexto orquestral universitário, onde os alunos tratam o maestro das duas maneiras, professor e regente.

No que concerne à aprendizagem e ao relacionamento com um grupo formado por jovens, o maestro André Muniz (2014) relatou:

Eu acho que eu não sou um tipo de maestro a versão antiga que acredita nessa coisa verticalizada. Toda vez que eu entro no ensaio eu tenho a certeza que eu também aprendo muito e, portanto, eu tento me colocar numa função de abertura de espírito, de humildade, é óbvio que com setenta cabeças, cada uma com uma história de vida e com uma necessidade inclusive instrumental diferenciada, isso daí não significa abrir mão de pulso, não significa abrir mão de dizer, tem que ser feito isso [...] Então o que acontece, dentro dessa relação mais horizontalizada, se existe abertura de espírito do outro lado e que as pessoas não exigem um exercício da força, porque infelizmente, algumas pessoas, talvez pela adrenalina ou talvez mesmo pela personalidade, ou pela rebeldia inerente à idade, essas pessoas tem o comportamento um pouco mais alvoroçado ali dentro e falam na hora indevida, tocam... [...] me sinto mais à vontade quando você efetivamente está regendo e olha nos olhos dos músicos e vê que eles estão esperando a sua entrada e que você faz uma, duas vezes uma passagem, dá sugestões e eles veem que a passagem saiu melhor e isso está impactando positivamente neles, eles se sentem melhores por fazer boa música [...] Eu acho que talvez a grande alcunha de orquestra jovem não é só faixa etária, é a quantidade de tempo que essas pessoas estão imersas nesse tipo de atividade (informação verbal)48.

Embora a OSUFRN conduza suas atividades de acordo com o modelo de uma orquestra profissional, a visão de ensino que permeia a orquestra e consequentemente o modo como os alunos aprendem também está relacionado com o comportamento e condução do maestro no dia a dia do grupo. Nesse sentido, é possível que a relação horizontalizada citada pelo maestro aconteça principalmente por atuar em uma orquestra-escola, fazendo parte das atribuições do “regente-professor”. Sendo assim, mesmo que o fazer de quem conduz um grupo como uma orquestra sinfônica exija domínio, direção e autoridade, a interação dos estudantes da OSUFRN com o maestro se efetiva de maneira amigável.

Geralmente, minutos antes e após os ensaios, músicos e maestro conversam em pequenos diálogos, de maneira mais descontraída. Durante o momento do ensaio, a postura do grupo demonstra um comportamento que exprime respeito às indicações e orientações do maestro, preservando o silêncio e a concentração em suas partituras. Entretanto, com o olhar atento é possível visualizar e identificar movimentações nos naipes, trocas de olhares, alguns risos e conversas.

Nas viagens realizadas pelo grupo, o maestro normalmente viaja no mesmo ônibus no qual vão os músicos, em clima de descontração e não reprime as brincadeiras comuns dos jovens. Sobre isso, Elias (2014) relata: “o maestro vai em nosso ônibus [...] a gente aprende muito com as histórias que ele conta. É uma pessoa que tem uma visão holística das coisas, de maneira geral. Nessas conversas tem assunto de tudo, é bem eclético!” (informação verbal)49.

Para Roberto (2014), o aprendizado acontece em tomá-lo como exemplo, ao dizer que aprende a como liderar um grupo, diante da possibilidade de assim fazer futuramente. Nesse sentido, a maioria dos entrevistados considera aprender com o maestro em aspectos pessoais e acadêmicos através de suas observações dentro e fora dos ensaios e apresentações.

Diante das atribuições de organização, planejamento e execução das atividades inerentes à orquestra, o maestro André Muniz acredita ser um otimizador de eventos distintos, preocupa-se com a formação dos músicos e considera salutar que o grupo adquira experiência com outros regentes, estando à disposição para ajudar os alunos a progredirem em um menor tempo possível (MUNIZ, 2014).

Durante as observações, presenciei a condução orquestral dos assistentes de regência, de componentes da comissão artística da orquestra e de compositores/arranjadores de obras específicas, sobre esse aspecto questionei os entrevistados a respeito dessa experiência com regentes diferentes durante a temporada da OSUFRN. O músico Antônio (2014) expõe que

tem sido interessante vivenciar a condução de maestros diferentes porque “cada um tem uma peculiaridade diferente [...] e eu aprendo com o erro deles, com o acerto também, mas sempre aprendo com certeza” (informação verbal)50.

A respeito dos músicos convidados, os músicos da OSUFRN consideram importante a oportunidade de experimentarem as trocas de informações e de saberes que acontecem naturalmente com a presença de solistas. Considerando que os convidados trazem consigo uma vasta experiência musical e de performance, interagem com os músicos da orquestra corporalmente, sugerem maneiras de execução e de interpretação, comunicam-se diretamente com o naipe em específico ou com o maestro. Quando a OSUFRN recebe convidados internacionais, a comunicação acontece geralmente em outra língua, mas a tradução é realizada pelo maestro quando o comentário é direcionado aos músicos. Nesse aspecto, Ian (2014) considera que:

Os professores da EMUFRN são de “alto nível”, assim como os solistas convidados, porque você aprende com cada um. Tipo agora [com o músico convidado], cada nota que ele dava, você tava aprendendo, não sei o que foi aquilo né, cada frase que ele fazia, você tava aprendendo. O mesmo acontece com os solistas que vem [para a EMUFRN], você aprende com eles e com as dicas que eles dão (informação verbal)51.

O músico Ian (2014) referiu-se ao último concerto ocorrido antes da entrevista cedida a esta pesquisa. Ao exprimir o mesmo entendimento que Ian (2014), Nicolau (2014) revela sua percepção sobre este concerto acima citado:

Um solista de alto nível que tá ali... Nesse concerto, eu percebi a musicalidade dele puxando a minha assim, eu tava fazendo aquilo, as vezes eu tava fazendo bem inadvertidamente no ensaio, tocando, seguindo as notas e o resultado sonoro era um, porém quando a gente sente o resultado musical, que está sendo, ao mesmo tempo que você toca, você ouve, você gera duas sensações diferentes, que elas em comum, geram uma sensação única. E sensação única aí é uma ambiguidade né, é uma sensação única por ser o resultado de duas e é uma sensação única porque é uma experiência que não é qualquer pessoa que experimenta (informação verbal)52.

Os músicos parecem encantados com o concerto realizado com o solista convidado e com todas as sensações que foram possíveis vivenciar ao tocar com um músico de referência, pois entendem que os músicos convidados são seus pares no fazer artístico e profissional. Nesse aspecto, Schütz (1971) elucida que os conhecimentos transmitidos por aqueles que

50 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 51 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 52 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

atingiram o prestígio de autenticidade e de autoridade tomam um lugar importante, sobretudo se eles são grandes mestres entre os intérpretes e os célebres intérpretes de suas obras.

Para os estudantes, a atitude desses músicos convidados e de referência “os influencia e facilita o aprendizado musical” porque “tocar com gente ‘boa’ os estimula a estudar mais e, consequentemente, a melhorar suas performances” (GONÇALVES; SILVA; MACHADO, 2012, p. 644). De acordo com minhas observações, todos os convidados foram músicos de referência com vasta experiência artístico-musical. Essa possibilidade de adquirir novas experiências com instrumentistas e maestros convidados permite aos músicos diversificar e ampliar seus conhecimentos acerca da performance, favorecendo conhecer diferentes interpretações musicais. Isso contribui para a formação deles, preparando-os para o mercado de trabalho em um futuro profissional e estimulando-os a almejar atingir nível profissional semelhante aos exemplos de profissionais com quem tiveram contato.