• Nenhum resultado encontrado

No âmbito da educação musical, a formação instrumental em grupos possui objetivos pedagógicos e performáticos. Considerando que esta prática musical coletiva envolve aspectos formativos diversos, entende-se que a aprendizagem perpassa pelos fazeres intrínsecos ao grupo musical, efetivando-se entre as relações professor e aluno, entre os alunos, no estudo individual, em meio às relações coletivas, diante das diferenças socioculturais, dentre outras possibilidades de aprendizagem na prática de conjunto. Por esse motivo, conhecer conceitos sobre a aprendizagem ajudará a perceber de forma efetiva como os processos educativos acontecem no contexto orquestral de um grupo específico, a OSUFRN.

Nesse sentido, diversos autores elaboraram conceitos e teorias sobre a aprendizagem, buscando defini-la de acordo com suas visões e experimentos. Na obra de Lefrançois (2013), o autor faz um levantamento e interpretação de algumas teorias e abordagens da psicologia da aprendizagem. Sob essa perspectiva, define a aprendizagem como “toda mudança relativamente permanente no potencial de comportamento, que resulta da experiência [...] As mudanças comportamentais são simplesmente evidências de que a aprendizagem ocorreu” (LEFRANÇOIS, 2013, p. 6). O autor enfatiza que a aprendizagem não se limita ao ato de adquirir informação, necessita que haja mudança de comportamento das pessoas, enquanto resultado da experiência, desconsiderando as mudanças de comportamento biológico.

Uma das teorias citadas por Lefrançois (2013, p. 266-273) corresponde à Teoria Cultural/Cognitiva de Lev Vygotsky (1896-1934) alicerçada na concepção histórico-cultural realçando a importância da cultura e das “interações que se estabelecem entre o indivíduo que aprende e os outros mediadores de uma dada cultura” (LEITE, C. A. R.; LEITE, E. C. R.; PRANDI, 2009, p. 203). Assim, para Leite et al. (2009, p. 204), “a aprendizagem é um dos principais objetivos de toda prática pedagógica, e a compreensão ampla do que se entende por aprender é fundamental na construção de uma proposta de educação”. Sobre o aspecto do domínio técnico-formal, Nascimento (2003, p. 70) considera que:

As propostas educacionais fundamentadas no novo paradigma do conhecimento, diferentemente do que ocorria anteriormente, privilegiam a flexibilidade e a diversidade. A flexibilidade por conta da necessidade de considerar os diferentes modos de construção da aprendizagem, as diferentes interações entre o pensamento e o ambiente e a existência de processos coletivos de construção do saber [...] O reconhecimento de que todos nós somos produtores de conhecimento e de que o mesmo é fruto das diferentes interações que o sujeito traça nas suas relações com o ambiente, com os objetos e com os outros sujeitos sinaliza a importância da superação das barreiras entre os indivíduos, entre as culturas.

Nascimento (2003) esclarece que o conhecimento é fruto das relações sociais que os indivíduos estabelecem durante a vida, interagindo com contextos diversos, situações específicas do cotidiano e com as culturas que constituem a sociedade. Na prática coletiva, um dos desafios para o aluno é adquirir a habilidade de ouvir a si mesmo e ao outro, de modo a acompanhar o grupo e a coordenar suas ações individuais e coletivamente. Além disso, o aluno busca aprimorar sua execução musical por meio das orientações do professor, regente, colegas de grupo, músicos convidados, entre outros, e desenvolver-se musicalmente. Sobre esse aspecto Silva, José (2010, p. 3) compartilha sua experiência em um grupo ao relatar que:

Os problemas técnicos que se colocam para cada instrumentista do grupo são variados e costumam ser comentados como “desafios”, podendo ser vistos como fonte de motivação e matéria para estudo individual. No entanto, pela ótica do diretor, o bom desempenho individual não é suficiente; a ênfase na capacidade de realização coletiva é clara, uma vez que várias das dificuldades estão relacionadas à execução [...] o efeito musical desejado sempre depende, portanto, de um ajuste interacional. Assim, ao sugerir correções durante os ensaios, o que se diz com mais freqüência e veemência são frases no sentido de "ouvir o outro".

Diante das relações interpessoais presentes nas práticas musicais coletivas, Antunes (2002, p. 31) conceitua a aprendizagem sob o ponto de vista escolar ao dizer que esta

precisa ser vista como um processo conjunto, compartilhado entre professores e por seus colegas, a se mostrar progressivamente autônomo na resolução de tarefas, na transformação de informação em conhecimento, na interpretação, utilização e transformação de conceitos, na prática de determinadas iniciativas em múltiplos desafios.

Considerando que na educação formal, os alunos aprendem conteúdos curriculares determinados, Antunes (2002, p. 29) acredita que a aprendizagem não se trata “de uma apropriação a partir do nada, mas a partir de experiências, interesses e conhecimentos prévios que possam dar sentido” a uma aproximação do aluno com os conteúdos para torná-los próprios e assim, transformá-los. Nesse sentido, Demo (2013, p. 296) acrescenta que “na prática, aprendemos do que já tínhamos aprendido e conhecemos a partir do que já conhecíamos”. Para ele,

a aprendizagem é jogo de sujeitos, troca bilateral de teor dialético, contraponto entre conhecimento e ignorância, autonomia e coerção. Oferece campo de potencialidades, oportunidades, que se abrem se o sujeito souber conquistar e a história lhe for complacente em termos de condicionamentos positivos. Oportunidades dependem das circunstâncias e sobretudo da iniciativa do sujeito.

Nessa perspectiva, seu texto trata da atualidade de Paulo Freire em torno do conhecimento e da aprendizagem com o objetivo de ressaltar seu sentido reconstrutivo político e com isto recuperar a tradição mais consolidada de Freire. Pedro Demo discorre sobre educação, ensino, aprendizagem e política, apontando que a educação formal continua reproduzindo conhecimento. Ele acredita que não há uma preocupação propriamente com a reconstrução do conhecimento e com a aprendizagem de teor político, mas sim com a absorção reprodutiva, permanecendo, na prática, uma lei do ensino, não da aprendizagem.

Algumas teorias trazidas por Lefrançois (2013) são cognitivas9. Entretanto, na concepção de Demo (2013), a aprendizagem não se reduz à cognição, pois o envolvimento emocional, assim como à complexidade da experiência humana, histórica e cultural estão relacionadas e incorporadas. Dessa maneira, a medida principal da aprendizagem é o saber pensar e o aprender a aprender, visto que o conhecimento é o resultado da interpretação que emerge de nossas capacidades de compreender.

O conhecimento acerca dessas teorias da aprendizagem auxilia no entendimento de que a aprendizagem poderá ocorrer em diferentes campos de atuação e em diversas formas de relacionamento. No caso da OSUFRN, além das atividades desenvolvidas na escola de música da UFRN, a maioria dos músicos da orquestra vivencia ou já vivenciou o ensino e a aprendizagem musical em outros espaços, de acordo com o meio social de cada um, como igrejas, projetos sociais, na família, entre outros. Diante da convivência em grupo, entende-se que as relações interpessoais e as experiências socioculturais influenciam nas distintas maneiras de aprender e de interpretar as informações dispostas no contexto da prática orquestral.

As ideias conceituais dos autores citados estão relacionadas ao meu fenômeno de estudo, visto que corroborando com Leite et al. (2009, p. 204), “a aprendizagem é uma atividade contínua”, o seu conceito “não deve estar restrito ao período escolar”, pois a aprendizagem se efetiva nas trocas de experiências vividas individualmente, coletivamente, diante das interações e das relações sociais e humanas. Assim, dentre os autores supracitados, as ideias de Demo (2013) e de Leite et al. (2009) me ajudaram a olhar para o campo empírico e compreender como ocorre a aprendizagem no espaço da orquestra sinfônica da UFRN. Nessa perspectiva, me permitiu observar que por tratar-se de um grupo musical, a prática coletiva não se limita à aprendizagem musical, mas deixa transparecer a existência de instâncias de aprendizagem nos diferentes fazeres do grupo como todo.