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Aprendizagem nos ensaios e concertos: diversidade sociocultural no

3.3 As relações entre os jovens e a música

4.1.1 Aprendizagem nos ensaios e concertos: diversidade sociocultural no

Na prática orquestral da OSUFRN, os músicos apresentam em seus depoimentos uma consciência da diversidade de ideias e opiniões presentes no grupo, visto que seus componentes são diversos e possuem formações socioculturais particulares. Essa diversidade é relatada principalmente por aqueles que assumem a posição de chefes de naipe, entendendo que precisam ser flexíveis para que haja consenso e harmonia no naipe, estando abertos para ouvir e para discernir em situações de conflitos ideológicos. Sobre esse aspecto o aluno Roberto (2014) reconhece que

a orquestra adiciona bastante porque no meu estudo individual eu tenho as minhas opiniões, as minhas ideias sobre determinado tipo de música. Quando estou na orquestra eu tenho sessenta, setenta opiniões diferentes das minhas e eu preciso levar em conta essas opiniões porque na verdade ela não é única né, no sentido de que eu não sou o dono da verdade, então quando eu consigo levar em conta a opinião dos meus colegas, dos meus professores na orquestra, eu adiciono vocabulário musical pra mim (informação verbal)21. Nesse meio, percebe-se que há uma colaboração mútua entre os músicos, pois para o músico Elias (2014), nas famílias das madeiras e metais, ele consegue visualizar e sentir um clima de amizade e de parceria ao dizer que “todo mundo se dá bem, todo mundo se fala, todo mundo se ajuda” (informação verbal)22. Segundo Silva, José (2010, p. 2), o som produzido

pelos músicos “é uma construção coletiva, e tecnicamente dependente das atitudes dos músicos” (grifo do autor). Essas atitudes estão relacionadas com o comportamento de seus participantes, os quais têm autonomia para discernir, avaliar, agir e, consequentemente, buscar modificar a realidade construída no meio coletivo. Desse modo, existe uma coaprendizagem entre os músicos, pois o compartilhamento de saberes no cotidiano visa o envolvimento dos alunos na produção e na formação de redes de aprendizagem colaborativa (COSTA, 2010, p. 1) percebida durante as várias atividades da orquestra.

Contudo, não são todos os músicos e naipes que conseguem manter um bom relacionamento no grupo em todo tempo, pois vale salientar que em meio à convivência há momentos em que os ânimos não estão favoráveis. De acordo com Joly, Maria (2007, p. 108), “o grupo tem regras a serem seguidas, tem trocas de saberes, tem momentos de conflitos, momentos de compartilhar dificuldades e facilidades”. Assim, o músico Roberto (2014)

21 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 22 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

expressou preocupação com as relações interpessoais e as aprendizagens do seu naipe revelando que

[...] além de passar coisas como afinação, arcadas, esse tipo de coisa, eu procuro ver os anseios dos meus colegas, [...] o que eles acham que eles podem e devem melhorar. [...] eu acho que esse diálogo é importante, [...] eu priorizo bastante essa troca de opiniões e ideias dentro do ensaio de naipe porque a gente sempre tem a aprender com os outros. Não só no meu instrumento, mas o [lado] pessoal. Eu acho que todos nós aprendemos com os outros na orquestra (informação verbal)23.

Antônio (2014) e Pedro (2014) são participantes do mesmo naipe e corroboram com Roberto, acreditam que o aprendizado é sempre válido, defendendo que na convivência com colegas de naipe é importante que os componentes se respeitem, dando voz a todos com humildade para escutar e melhorar aquilo que estudam em conjunto. Rosa (2014) acrescenta que esse relacionamento, a vontade de partilhar com trocas de informações e aprendizagens dependem das pessoas que compõem o naipe e o grupo de maneira geral, promovendo assim, uma interatividade, como se observa em sua fala:

Eu não sentia isso antes, mas nesse ano eu estou sentindo que tem uma certa interatividade entre nós, até porque diminuiu a quantidade [de pessoas na orquestra], antigamente, acho que tinha mais violinos, esse ano só tem cinco e a gente tá assim; a comunicação sobre o que a gente tá fazendo tá acontecendo mais. Eu lembro que antes não, eram muitos violinos e a gente só tocava e pronto, esse ano alguém pergunta se tá com dúvida... um pergunta para o outro e a gente se fala entre si nos ensaios, pelo menos esse ano eu senti [presenciou] certas perguntas que fizeram a mim e eu também já fiz para outros do lado [mesma estante ou vizinhos de estantes] (informação verbal)24.

Ela acredita que a diminuição da quantidade de músicos na orquestra aproximou os integrantes, tornando a comunicação mais efetiva e presente em seu naipe, pois “a relação dos músicos com os outros membros do grupo atravessa suas performances” (GONÇALVES; SILVA; MACHADO, 2012, p. 644). Sobre essas questões de relacionamentos entre os participantes da orquestra, o maestro André Muniz (2014) acredita que “uma orquestra acaba reproduzindo bem uma sociedade, é um microcosmo por excelência” (informação verbal)25.

De acordo com sua visão, observa que existe quase que um inato companheirismo pelas famílias e apresenta diferenças entre elas.

23 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 24 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 25 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

Cordistas, eles estão o tempo todinho preocupados se o arco vai para baixo ou vai para cima, mesmo que eles não tenham uma interação pessoal, desenvolvem esse senso de ter que tocar a mesma melodia pelos cinco instrumentos das cordas, em que todo mundo esteja com o mesmo nível de arcada, então começam a se comunicar nessa ideia. As madeiras vão lá e desenvolvem as coisas por eles, aí a coisa é um pouquinho mais complicada da família das madeiras para trás. Violinos você tem dez tocando a parte do primeiro violino, as madeiras são quatro instrumentos, mas cada um com um tipo de demanda técnica diferenciada, então eles já começam a se comunicar um pouco mais entre os naipes especificamente, eles pensam no todo quando se está pensando em ataque e afinação, aí eles até negociam. A mesma coisa acontecendo com os metais. Pior ainda é a percussão que cada instrumento tem uma forma de tocar completamente distinta, não tem muitas vezes como você homogeneizar isso daí porque o peso do instrumento, a membrana ou a tecla é completamente distinta, a única coisa que os homogeneíza, efetivamente, é a questão do ritmo (MUNIZ, 2014) (informação verbal)26. O maestro esclarece as diferenças que são inerentes às formações instrumentais de cada família, as quais são estruturas que influenciam na atuação e comportamento dos músicos em cada naipe ou família. Diante disso, Lehmann (1998, p. 84) aponta em sua pesquisa que a própria organização da orquestra gera um impacto social hierarquizado e dividido, pois “as cordas são de longe mais numerosos. Elas são oito vezes mais visíveis que a percussão, pouco menos do dobro das madeiras e mais do dobro dos metais. As madeiras e os metais dividem entre si os números intermediários”. Para o autor,

ao lado da hierarquia que distingue os instrumentos conforme sua família, enxerta-se outro modo de classificação, dessa vez intra-familiar, de ordenação por tessitura [...] o agudo tem uma existência sonora individualizada que se identifica e reconhece, enquanto os graves servem geralmente de base dificilmente identificável, como ocorre com os contrabaixos (LEHMANN, 1998, p. 85-86).

O estudo de Lehmann (1998) apresenta as hierarquias presentes em uma orquestra profissional expondo os níveis de importância dado ao maestro e músicos convidados, em seguida ao spalla, chefes de naipe e por fim aos músicos, chamando atenção para o “ritual” e representação social desempenhado por estes músicos em concertos e nos bastidores. Esse “ritual” é comum ao cotidiano da orquestra sinfônica da UFRN, onde seus participantes experimentam a partilha, a concorrência, a amizade, a hostilidade, o ensino e a aprendizagem, dentre outras sensações e vivências.

Considerando que a conduta pessoal de cada indivíduo é fator também determinante em um relacionamento, Thales (2014) aponta que há um pouco de “arrogância de alguns, [...] porque você detém conhecimento e ele é só seu [...] não passa pra ninguém” (informação verbal)27, pensamento que é compartilhado por outros instrumentistas e relatado por Pedro (2014) ao dizer que o desentendimento de alguns componentes atrapalha o trabalho no grupo, “gerando alguns conflitos entre músicos” (informação verbal)28. Essas observações foram

feitas referindo-se principalmente a naipes maiores, o que, segundo o músico Thales (2014), diminui as possibilidades de resolver questões, há mais concorrências e desavenças.

Entretanto, durante as observações não presenciei momentos em que desavenças prevaleceram. Percebi que diante do compromisso assumido com o grupo, os componentes se esforçaram para colaborar com o colega e alcançar os objetivos coletivos. Segundo Joly, Maria (2007, p. 106),

os processos educativos e as práticas sociais que se dão no convívio ora harmonioso, ora conflitante de um grupo tão heterogêneo estão contribuindo para a formação pessoal e social de seus participantes, educando e sensibilizando cada um através da convivência resultante do interesse comum de tocar em uma orquestra.

Em concordância com a autora, e através de dados obtidos durante as observações percebe-se que as situações de conflitos são também oportunidades de aprendizagem, requerendo controle emocional, habilidades no trato interpessoal e domínio pessoal, principalmente para aqueles que exercem funções de liderança no grupo. No âmbito das relações sociais presentes no grupo, João (2014) acredita que “a convivência faz com que todo mundo faça amizade um com o outro. Fora da orquestra a gente também tem muito contato porque paga disciplina junto e, fora isso, no dia a dia a gente também tem muito contato” (informação verbal)29. Ainda nesse sentido, Marcos (2014) acredita que essa orquestra é “feliz” no quesito relacionamento “por ser uma orquestra acadêmica, de uma universidade onde quase todos prestam o mesmo período [graduação] e possui uma convivência extra orquestra bem maior. Acho que isso até ajuda quando chega na hora do ensaio” (informação verbal)30. Assim como os músicos, Hikiji (2006, p. 130) afirma que:

27 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 28 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 29 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 30 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

Em virtude do contato frequente e duradouro, os hábitos, desejos e estados – de corpo e espírito – dos colegas são conhecidos. A convivência não se restringe às aulas, ensaios e apresentações: os jovens estudam juntos, saem juntos, vão a mesma igreja, namoram. A prática em grupo resulta, portanto, em um compartilhar de valores e tempo que em muito remete à convivência familiar.

Corroborando com a autora, o convívio entre os estudantes, os relacionamentos, os desentendimentos, as parcerias e as coaprendizagens são situações comuns à sociedade e estas adicionam experiências, prontidão, discernimento, desenvolvimento pessoal e social ao grupo orquestral, construindo assim, uma formação integral e humana.