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Planejamento e metodologia do maestro

4.2 Estratégias de formação e interações

4.2.1 Planejamento e metodologia do maestro

O repertório da orquestra abrange obras eruditas e populares. Para o repertório erudito, o maestro André Muniz (2014) revela que ao escolhê-lo, ele e a comissão artística estão preocupados em oferecer obras que fazem parte da execução de qualquer orquestra do mundo, então, “quando a gente traz esse ano a ‘5ª Sinfonia de Beethoven’; ‘O novo mundo de A. Dvorak’; a ‘4ª Sinfonia de Brahms’, essas são peças basilares para qualquer pessoa que pense em tocar em orquestra no mundo” (informação verbal)38. Para o repertório popular, a escolha é realizada conjuntamente, após comunicação entre o maestro e o parceiro SESC- RN39, os quais planejam e direcionam a produção do espetáculo anual que envolve a orquestra, músicos e atores convidados. Nessas apresentações, o repertório é composto por músicas brasileiras e/ou regionais que até então, já homenageou nomes da Música Popular Brasileira–MPB, como Luiz Gonzaga, Vinícius de Moraes e compositores potiguares (RN).

A proposta de repertório destinada para a OSUFRN na temporada 2014 revela mais uma vez a preocupação da direção artística em contemplar obras de referência do contexto orquestral. Percebe-se que, com a seleção do repertório, buscam preparar os músicos para a

37 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 38 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 39 Lembrando que o SESC-RN não renovou contrato com a EMUFRN em 2015.

execução das mesmas em qualquer situação, como concursos ou participações em outros grupos, no Brasil e no mundo. Ao que se refere à maneira do maestro conduzir o grupo com o repertório selecionado previamente, escrevo a cena a seguir:

Neste ensaio, o maestro se empolgou bastante durante a condução do grupo fazendo movimentos, gestos enfáticos, com uma postura que chama os músicos para executarem o que deseja e o grupo tem respondido bem aos seus comandos [...] Durante a passagem da obra o maestro ensaiou vários trechos, chamando atenção para as dinâmicas e para o ritmo de um movimento específico, o qual exigia mais concentração por possuir muitas síncopes. As 16h35 outros avisos foram dados e finalizou-se o ensaio (DIÁRIO DE CAMPO, 13/08/2013).

A postura descrita no diário de campo retrata a figura do maestro como alguém que está preocupado em se fazer entender para alcançar o resultado sonoro almejado. Para isso, utiliza os recursos técnicos, gestuais e instruções verbais enquanto condutor responsável e gerenciador do trabalho musical. Sobre essa função de gerência,

a literatura da área evidencia que a principal função da regência é “dirigir”, “conduzir” as práticas musicais de um conjunto musical, seja ele formado por instrumentistas ou cantores. Para exercer esta função de “líder” de um grupo, o regente utiliza, usualmente, uma diversidade de elementos visuais para sinalizar aos integrantes do grupo diferentes aspectos a serem observados na prática musical (GRINGS, 2011, p. 16).

Na OSUFRN, o maestro e diretor artístico do grupo André Muniz conduz a orquestra dividindo a regência dos ensaios com seus assistentes ou compositor/arranjador convidado. Ao reger os concertos e maioria dos ensaios, direciona-se aos músicos expressando-se com todo o corpo, chamando atenção para as dinâmicas, ritmo e interpretação das obras. Como a orquestra se renova a cada ano, ingressam no grupo alunos que nunca haviam vivenciado a prática orquestral. Pensando nisso, no inicio da temporada de 2014 o maestro experimentou realizar uma palestra para esse público explicitando como ocorre o funcionamento de uma orquestra, pois para ele

seria muito bom que dentro do ensaio, além de estar vendo toda questão de coerência rítmica, parâmetro de afinação, parâmetro de equilíbrio entre as famílias, coerência estilística, eu também estivesse desenvolvendo uma poética musical neles, que eles entendessem como é construída e do que se trata na realidade, a concepção sonora. Pegar todos esses conhecimentos que estão dentro da história, da análise, da percepção e tentar trazer com todas as informações, ligando-as realmente dentro de um contexto transdisciplinar.

Mas no ensaio nem sempre a gente consegue isso daí porque o tempo é muito exíguo (MUNIZ, 2014) (informação verbal)40.

O maestro demonstra o desejo de oferecer uma visão ampla acerca da obra e da sua interpretação, na tentativa de que os alunos possam compreender suas orientações e onde pretende chegar para a execução da obra completamente. Partindo do princípio de que todos os alunos, componentes da orquestra, estão matriculados nos cursos, técnico, graduação ou pós-graduação, os mesmos têm acesso aos conhecimentos da história da música, da análise, da percepção musical, dentre outras disciplinas que compõem a estrutura curricular. A orquestra, enquanto prática coletiva, exige que o aluno consiga fazer relações efetivas entre a teoria e a prática musical. Contudo, nem todos os alunos conseguem unir esses conhecimentos, essenciais para desenvolvimento das obras estudadas no grupo. Por esse motivo, durante os ensaios o maestro, enquanto mediador da aprendizagem, procura contextualizar a obra, mas ainda considera insuficiente estas rápidas informações, percebendo ser necessário mais tempo para desenvolver nos músicos o entendimento adequado para a interpretação musical e assim, ir além da execução musical.

Nesse sentido, o regente planeja os ensaios e adota a metodologia de passagem geral da obra, ou seja, desde o primeiro ensaio faz uma leitura de todos os movimentos da peça orquestral, objetivando sentir como os músicos se comportam diante das dificuldades técnicas e como conseguem ultrapassar essas barreiras diante do desafio de executar o todo. Sobre isso, ele explica que

no primeiro momento quando a gente se debruça sobre um novo repertório eu tento fazê-lo de uma ponta a outra, com a quantidade de erros que acontecer, isso daí eu absolutamente não mensuro, tento salvar no braço muita coisa, mesmo que saia desencontrado e saia com nota errada, a ideia é que pelo menos as pessoas fiquem na cabeça qual é o nível de força, qual é o nível de destreza instrumental que aquele repertório vai demandar. Então, se você já faz na velocidade que ela deverá ser executada ou muito próximo disso daí, lá no concerto final, isso já gera uma memória no músico. Aquilo que naturalmente não soou bem, eu começo a fragmentá-las nos primeiros ensaios. Estes ensaios são realmente para trabalhar pontos. Então, se vamos fazer uma sinfonia de quatro movimentos, a gente faz dois movimentos num ensaio e dois em outro, onde se conserta os detalhes ou se faz anotações ou observações sobre eventuais desequilíbrios pontuais. Isso é importante inclusive para o músico sentir o quanto de esforço muscular aquilo exige dele. É importante que ele sinta qual o nível de desgaste e que também ele desenvolva uma atitude mental para isolar os problemas porque a gente tem

que estar o tempo todinho olhando pra frente, o erro já passou, só se conserta nas próximas performances (MUNIZ, 2014) (informação verbal)41.

Essa metodologia é adotada pelo maestro sempre que há novos repertórios. Salienta- se que o grupo recebe as partituras das músicas antes dos ensaios destinados a elas, oportunizando que os estudantes façam a primeira leitura antecipadamente. Sendo assim, aqueles que conseguem estudar previamente geralmente sentem menos dificuldade com a passagem do movimento ou da obra por inteiro.

Durante as observações no início do segundo semestre de 2013, percebi que na obra do compositor Ludwig van Beethoven – Concerto em Ré Maior para violino solo, o maestro assim o fez. O primeiro e segundo movimento do concerto foram regidos pelos assistentes de regência sob a observação do maestro, mas me chamou atenção a sonoridade apresentada pelo grupo, não parecia que ali acontecia o primeiro ensaio da obra. Nesse momento, perguntei ao arquivista se já haviam ensaiado antes e ele me confirmou que aquele era o primeiro ensaio daquela peça, com isso, subentendi que a maioria dos músicos estudou antes do ensaio, durante as férias ou possuem uma boa leitura à primeira vista. (DIÁRIO DE CAMPO, 01/08/13).

Após presenciar momentos como esse, surgiu o interesse em entender como os alunos estudavam as obras orquestrais visto que isto poderia contribuir positivamente ou negativamente para o resultado coletivo. Sendo assim, destinei meu olhar para este ponto, incluindo também esse questionamento nas entrevistas semiestruturadas.