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4.3 Concertos, viagens e intercâmbios

4.3.2 Viagens e intercâmbios

Na convivência do grupo durante todas as atividades inerentes à OSUFRN, observei que os músicos interagiam entre si, sobretudo em momentos livres e de descontração como as viagens realizadas pela orquestra. Nem todos gostam de viajar por motivos pessoais diversos, contudo todos os pesquisados apresentaram seus olhares a esse respeito.

Os destinos das viagens realizadas durante a investigação contemplaram municípios do interior do Rio Grande do Norte e a capital da Paraíba, João Pessoa. Devido ao tamanho do grupo, é necessário realizar o deslocamento da orquestra em dois ônibus. Para a maioria dos músicos, nesses momentos se tornam visíveis algumas divisões no grupo, as quais ultrapassam a divisão necessária ao deslocamento de todos. Para Rosa (2014), de maneira geral, a orquestra divide-se entre cordas versus sopros e percussão, como relatou:

São cordas com cordas, [...] madeiras com madeiras, metais com metais [...] nos ônibus sempre tem essa divisão, [...] sentam os violinos junto com as violas que são mais próximas, aí sempre são dois ônibus assim, vão os sopros no outro, que eles são mais apegados entre eles, dá pra ver essa divisão dentro dos ônibus (informação verbal)60.

Entretanto, Marcos (2014) tem outra visão a esse respeito. Ele concorda com a existência de pequenos grupos, mas não acredita que fuja da normalidade de convivência entre pessoas diferentes, visto que todos são estudantes da mesma universidade e por esse

motivo, muitos alunos se encontram em outros espaços, como por exemplo, as salas de aula onde estudam disciplinas teóricas em comum. Segundo ele,

nessa orquestra é bem misturado isso, violinos que andam com violas que andam com clarinetes que andam com flautas... Essa orquestra é bem feliz nesse quesito, acho que por ser acadêmica, de uma universidade onde quase todos prestam o mesmo período, a convivência extra orquestra é bem maior. Acho que isso até ajuda quando chega na hora do ensaio (informação verbal)61.

Para Hikiji (2006, p. 65) esse comportamento e envolvimento entre os participantes da OSUFRN citado por Marcos (2014) é comum, pois “o fazer musical produz também comunicações que transcendem o palco, sala de aula ou espaço ritual, marcando relações, mexendo com valores, determinando modos de agir na imbricada teia social que envolve músicos e não-músicos”. Diante dessa convivência e relacionamento, Edyson (2014) chamou atenção para a concorrência entre músicos. De acordo com ele, “tem sempre uma rixa entre madeiras e cordas, aliás, sopros e cordas” (informação verbal)62; contudo, acredita que na OSUFRN há mais colaboração entre os músicos do que rivalidade. Corroborando com ele, Maria (2014) ratifica que mesmo havendo concorrência entre os músicos, quando o grupo viaja as diferenças diminuem e todos interagem entre si, nas conversas e brincadeiras. A esse respeito Roberto (2014) comenta que:

É muito bom pra orquestra e para os músicos poderem viajar, fora que as viagens da orquestra são uns dos momentos de maior descontração que nós temos, onde eu posso, por exemplo, brincar com o professor que é o maestro, de uma forma que eu não posso brincar dentro do ensaio porque ele tem uma autoridade e eu não posso passar pela autoridade dele, então eu acho que as pessoas dentro da orquestra com as viagens acabam se conhecendo muito melhor, podem brincar, podem se chatear umas com as outras para que todos saibam quais os limites das pessoas, acho isso importante (informação verbal)63.

Em concordância com Roberto, Pedro (2014) e Antônio (2014) acreditam que durante as viagens é possível aprender e trocar conhecimentos com os colegas, assim como consideram ser uma oportunidade de interação com os mesmos. Antônio (2014) preocupa-se com sua formação e participa da orquestra almejando adquirir conhecimentos específicos para utilizá-los futuramente, nesse sentido, observa que durante as viagens é possível conhecer pessoas de outro naipe e ampliar o conhecimento interpessoal, por exemplo:

61 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 62 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 63 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

Ah, como é que o cara do fagote faz sua palheta, qual o processo, porque ele usa um copinho de filme com água, essas coisas, acho muito legal saber, [...] porque mais pra frente um dia, talvez você seja perguntado enquanto professor [...] e querendo ou não tem que saber (ANTÔNIO, 2014) (informação verbal)64.

Além disso, Marcos (2014) considera que essa interação ajuda muito na hora de tocar, porque “ter intimidade com as pessoas é muito mais prático pra entender o movimento, a respiração, o sopro que tá saindo”. Por isso, Pedro (2014) conclui que “aprende a cada dia e a cada viagem, conhece mais as pessoas, às vezes adquire um respeito a mais, troca conhecimentos, aprende muita coisa!”(informação verbal)65.

Assim, quando a orquestra viaja para realizar concertos dentro e fora do estado, momentos de convivência, interações entre os músicos e aprendizagens mais amplas acerca do universo pessoal dos envolvidos são oportunizados. Para Pedro (2014), “sempre que a orquestra viaja é muito bacana porque são lugares diferentes e culturas musicais às vezes diferentes [...] até pela cultura aqui do nordeste, tocar outros estilos diferentes [...] é interessante passar isso para o público” (informação verbal)66. Dessa forma, os músicos adquirem também conhecimentos sobre as cidades visitadas, sobre o público presente em cada apresentação e, assim, ampliam o seu universo pessoal e musical.

Além das viagens realizadas dentro do estado, os alunos citaram por vezes, uma viagem realizada no ano de 2012 ao Instituto Bacarelli (SP), através do Projeto Parcerias Sinfônicas, financiado pelo SESC/RN. A programação da viagem visou unir duas orquestras jovens, a OSUFRN e a Orquestra Heliópolis, ocasião na qual ambas se apresentaram juntas tocando o repertório do “Clássicos do Baião: tributo a Gonzagão”, em homenagem a Luiz Gonzaga. O projeto Parcerias Sinfônicas ofereceu apoio à OSUFRN em todos os eventos e através dessa parceria financiou um espetáculo a cada ano, promovendo recursos para arranjadores, atores, instrumentistas e cantores convidados, entre outras demandas necessárias para a realização dos concertos na capital, nas cidades do interior do Rio Grande do Norte e nesse caso, também em São Paulo/SP.

Muitos alunos comentaram sobre essa viagem porque em seu planejamento envolvia: ensaios com a Orquestra Heliópolis, dois concertos com o “Clássicos do Baião”, master class com os professores do Instituto Bacarelli realizando uma permuta com os professores da

64 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 65 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014. 66 Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

UFRN que também ministraram master class com os alunos da Orquestra Heliópolis e tempo livre para conhecer a cidade de São Paulo. A esse respeito Jack (2014) disse que:

[...] se todas as viagens fossem como aquela, vixe Maria! Seria insubstituível, porque a gente não só teve bastante tempo pra passear, conhecer a cidade, mas a gente teve a oportunidade de ter master class com outros professores né, professores de lá, isso foi bastante importante. Aprendi várias coisas que eu acho que nunca aprenderia com outros professores, porque cada professor tem sua metodologia, cada professor gosta de ressaltar uma coisa diferente e a gente vai pegando coisas diferentes de cada professor (informação verbal)67.

Maria (2014) concordou com Jack, mas fez outras observações a respeito desses intercâmbios entre orquestras. Ela acrescentou que além desse encontro com a orquestra Heliópolis em São Paulo, no segundo semestre de 2013, a orquestra de câmara de Karlsruhe, Alemanha, veio ao Brasil fazer intercâmbio com a OSUFRN. São duas orquestras jovens formadas por alunos universitários, mas em ambas as experiências sentiu que não houve uma boa comunicação entre as orquestras, com dificuldade de relacionar-se com os jovens músicos das orquestras e assim potencializar a convivência com trocas significativas de conhecimentos específicos do seu instrumento, da música e da cultura.

[Em São Paulo] eu conheci a menina que tocou do meu lado, mas ela não fazia questão de saber nem quem eu era e nem de se comunicar comigo, foi meio estranho [...] Na Orquestra da Alemanha também, eles estavam num nível [técnico] super acima do nosso, mas acho que cada um reprimiu um pouco a oportunidade da gente querer falar com eles. Eu ainda consegui me comunicar porque falavam inglês e falei um pouco com eles, mas as vezes eles falavam em alemão [...] Não tinha nem como comparar a gente com eles [tecnicamente], era só o intercambio da gente aprender com eles. Mas acho que deu pra observar entendeu!? Hoje a gente faz uma coisa que a gente não fazia antes, pode prestar atenção! Toda vez que a gente termina de tocar, você pode ver que os arcos saem do instrumento e sobem. Antes não saía, acabou a música, ficava assim [descia o braço] e a gente conversando com os meninos, a gente entrou num consenso de tipo assim, ei toda vez que tocar, puxe o arco [para cima para simbolizar que] terminou a música... e antes cada um botava o arco onde quisesse e isso eles ensinaram pra gente. A gente percebeu neles que o som prolongava desse modo, [...] fora o visual de que você tá tocando com garra, com gosto (MARIA, 2014) (informação verbal)68.

Maria (2014) apresentou comentários reflexivos sobre essas experiências, considerando-as muito importantes para a formação dos músicos da orquestra, mas com a

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Informação fornecida durante entrevista realizada na EMUFRN, em mar/abr de 2014.

ressalva de que poderiam ter aproveitado mais, talvez com mais comunicação entre os jovens- alunos-músicos das orquestras, aprenderia com as experiências e histórias de vida de cada um.

Devido ao período da viagem a São Paulo ter ocorrido em 2012, e não me encontrar em período de observações no campo de estudo, não acompanhei a orquestra da UFRN nesta viagem, mas foi possível observar o intercâmbio entre a OSUFRN e a Orquestra de Câmara de Karlsruhe (Alemanha). Sendo assim, de acordo com as observações e relatos dos entrevistados sobre esse intercâmbio com a orquestra universitária alemã, a pouca fluência na língua inglesa de parte do grupo e o sentimento de inferioridade técnica contribuiu para que os músicos da OSUFRN naturalmente não se aproximassem de seus convidados. Muitos músicos da OSUFRN ficaram tímidos com a apresentação técnica dos alunos alemães e isso gerou certo constrangimento em alguns componentes, incitando sentimentos e pensamentos confusos que os distanciaram do relacionamento e compartilhamento de experiências que poderia ocorrer. Maria (2014) ressalta ainda que é muito comum um clima de rivalidade e concorrência, mas “essas coisas não criam um ambiente saudável para aprendizagem, criam um ambiente tenso”(informação verbal)69.

Desse modo, entende-se que a maneira como cada músico se sente dentro do grupo pode interferir diretamente nas relações interpessoais. No último concerto das duas orquestras, OSUFRN e Orquestra de Câmara de Karlsruhe, realizado na Universidade da Paraíba – UFPB, ambas foram bastante aplaudidas. Após recolhimento do material, partituras e estantes, todos foram jantar em um dos restaurantes de João Pessoa/PB, em um momento de confraternização. Durante o jantar, o comportamento era o mesmo, cada orquestra interagia principalmente entre si, mas ao identificar que havia um piano no espaço, um grupo de músicos da OSUFRN solicitou ao restaurante a utilização do instrumento e começou a fazer música brasileira, sobretudo a música regional brasileira, a qual os instrumentistas possuíam familiaridade e conhecimento.

Os componentes da OSUFRN vibravam com a execução e improvisos de seus colegas no piano, pandeiro, flauta transversal, trombone e trompete. Apresentando aos alemães seus conhecimentos, a agilidade na execução dos instrumentos, o ritmo contagiante, elevando, assim, a autoestima e provocando muitos aplausos das duas orquestras e pessoas que estavam no restaurante. As músicas executadas nos convidavam a dançar e a nos confraternizar, sensações que foram transmitidas aos músicos alemães e a seu maestro, fazendo-os participar, dançar e cantarolar a música brasileira juntamente com os componentes

da OSUFRN. Nesse momento, não era mais possível identificar a divisão entre brasileiros e alemães, estavam todos juntos, brincando e se divertindo! (DIÁRIO DE CAMPO, 23/10/13).