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Práticas musicais coletivas

A prática musical coletiva tem sido tema de produções científicas em congressos e simpósios de educação musical. Essa prática de formação musical já foi estudada em diferentes aspectos, considerando estudos sobre grupos musicais compostos por instrumentos distintos e grupos formados para o ensino e aprendizagem de instrumentos específicos, os quais congregam pessoas com níveis diferentes de apropriação no instrumento, com ideias, pensamentos e objetivos pessoais diversos. Essa discussão acontece por meio de propostas de ensino coletivo do instrumento e de metodologias direcionadas para grupos musicais (CRUVINEL, 2008; MONTANDON; SCARAMBONE, 2012; TOURINHO, 2007), através de relatos de experiências, estratégias para ensaios de grupos musicais, especificamente (SANTOS, Wilson, 2013; SILVA, 2012) e para vários tipos de formações musicais coletivas (BOZZETTO, 2010; GRUBISIC, 2012; JOLY, Ilza; JOLY, Maria, 2011; ROCHA, 2009; SANTOS, 2013; etc.).

O ensino coletivo do instrumento enquanto prática musical coletiva tem desenvolvido sua metodologia e possui objetivos de acordo com cada proposta educacional. Sobre isso, Montandon e Scarambone (2012, p. 52) afirmam que:

O ensino do instrumento em grupo no Brasil tem sido cada vez mais aceito como forma de desenvolver o conhecimento musical e a execução em um

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RELAÇÕES ENTRE PRÁTICA ORQUESTRAL E EDUCAÇÃO MUSICAL:

instrumento. Nas universidades, em projetos sociais, em escolas específicas e regulares e mesmo no ensino particular, aulas de instrumento em grupo são usadas com objetivos, formatos, conteúdos, materiais e metodologias diferenciadas e em constante processo de desenvolvimento.

Estudiosos desse campo trazem em seus textos características que se assemelham às particularidades encontradas na prática musical coletiva apresentando benefícios dessa modalidade de ensino, como a democratização do acesso à música, oportunizando a aprendizagem musical de um maior número de pessoas e a promoção de motivação para os alunos, pois os mesmos interagem entre si, efetivando uma colaboração mútua durante as aulas.

Segundo Tourinho (2007, p. 2), a concepção de ensino coletivo está conceituada como “transposição inata de comportamento humano de observação e imitação para o aprendizado musical”. Após entrevistar três professores que atuam nessa modalidade, a autora apresenta seis princípios de aprendizagem do ensino coletivo do instrumento, são eles: 1.Todos podem aprender a tocar um instrumento; 2. Acreditar que todos aprendem com todos; 3. O ritmo da aula é planejado e direcionado para o grupo; 4. O planejamento é feito para o grupo, levando- se em conta as habilidades de cada um; 5. Há autonomia e decisão durante as aulas e apresentações; 6. Há a eliminação de horários vagos, pois a ausência de um ou dois alunos não impede a realização da aula (TOURINHO, 2007).

Com esses princípios, observa-se que há a necessidade de empenho tanto do professor quanto do aluno, visto que ele se preocupa com seu planejamento, favorecendo autonomia para os alunos e abertura para argumentação e questionamentos. Em contrapartida, estes se comprometem com a frequência, assiduidade e participação durante as aulas em grupo, reafirmando que o compromisso de ambos é fundamental para o desenvolvimento das atividades coletivas. Esses princípios podem aplicar-se a grupos que desenvolvem a prática musical coletiva, como os grupos instrumentais, os quais também se caracterizam pela prática do instrumento, havendo diálogos e trocas de saberes entre os participantes, planejamento, disciplina e compromisso dos envolvidos.

Para grupos musicais nos quais se desenvolve a prática de conjunto, autores compartilham suas experiências, análises e fazeres quanto às estratégias de ensaios, sugerindo que professores ou músicos desenvolvam suas práticas com planejamento e consciência das ações dedicadas ao grupo. Nesse aspecto, Santos, Wilson (2013, p. 2) recomenda que a divisão do ensaio aconteça em cinco partes: “1. Preparação da sala; 2. Aquecimento; 3. Parte Central; 4. Intervalo; 5. Resumo”. Em seu trabalho, o autor exemplifica cada etapa de ensaio

com o objetivo de auxiliar pessoas que trabalham a música em conjunto. Outro exemplo de estudo com foco no ensaio é o trabalho de Silva (2012), que não fez proposições de como melhorar o ensaio de grupos musicais, mas observou os ensaios de uma orquestra identificando-os como um espaço social onde se ensina e se aprende música.

Para a autora, o ensino e aprendizagem musical, no ensaio, são processos que envolvem a consideração do outro na aprendizagem, na qual músicos com diferentes níveis de aprendizagem e apropriação do instrumento compartilham com o outro e dividem o mesmo espaço, até que todos toquem juntos (SILVA, 2012, p. 172). O compartilhamento entre os integrantes de um grupo pretende transformar as diferenças em unidade, uma vez que “a participação nos grupos musicais possibilita não só o aprendizado instrumental técnico, mas também um aprendizado pessoal, além de vivências significativas” (GONÇALVES; SILVA; MACHADO, 2012, p. 644).

Outros estudos apresentam abordagens diversas sobre grupos musicais como interações em grupo, aspectos socioculturais, entre outros, em diferentes espaços. Nesse sentido, para Schütz (1971), a música em conjunto não se limita à música produzida por músicos que conhecem a notação musical, por exemplo, pois não há nenhuma diferença entre a execução de uma obra por uma orquestra moderna e aquela formada por pessoas que se assentam à beira do fogo em um acampamento e que cantam arranhando um violão, ou uma congregação que entoa hinos conduzidos por um órgão. Para o autor, o sistema de notação musical não passa de um aparelho técnico acidental para o elo social existente entre os executores, visto que a notação musical é apenas um veículo da comunicação do pensamento musical.

Entendendo que toda comunicação possível pressupõe uma relação de “sintonia” entre aquele que comunica e o receptor da comunicação, Schütz (1971, p. 13) acredita que

essa relação faz-se pela repartição recíproca do fluxo da experiência no tempo do Outro, pela vivência de um presente bem partilhado conjuntamente, pela experiência dessa proximidade em forma de um “Nós”. É unicamente no quadro dessa experiência que o comportamento do Outro chega a uma significação para seu parceiro que com ele entre em sintonia. Assim, as relações sociais existentes entre os componentes de um grupo musical determinam a maneira de ser e de se comportar no espaço em que estão inseridos. Nesse sentido, Rodrigues (2010, p. 16) afirma em sua pesquisa, que “Schütz desenvolveu uma concepção construtivista que definiu a realidade social como sendo uma construção humana e

que por sua vez, dependia dos significados que damos às ações das pessoas e ou às coisas” (SCHÜTZ apud RODRIGUES, 2010, p. 16).

As práticas musicais coletivas em contextos de ensino se configuram no espaço em que envolve músicos em formação, em um ambiente de convivência, promove o estranhamento nos comportamentos do outro ao mesmo tempo em que abre possibilidades de trocas de experiências, o respeito às diferenças e incita a competitividade. Além destes, outros fatores exige dos indivíduos em interação, flexibilidade em meio à diversidade para que haja o compartilhamento das habilidades musicais e do conhecimento. Assim, de maneira geral, Menezes (2010, p. 66) afirma que os estudos desenvolvidos com grupos musicais, geralmente, associam a formação musical à formação humana, uma vez que os processos educativos implicam desenvolvimento de habilidades de trabalho em equipe, comunicação, concentração, desembaraço, autoconfiança, respeito, responsabilidade, contribuindo na formação da personalidade como todo. Desse modo, os trabalhos citados envolvem pessoas e músicas, e apontaram características específicas da prática musical coletiva. Nestas práticas de conjunto as pessoas se relacionam cotidianamente, interagem entre si e determinam o modo de agir no que se refere às regras de convivência e de trabalho, sobretudo em grupos como orquestras. Esses estudos serviram de referência para o entendimento de que na convivência coletiva, os participantes desses grupos são sujeitos ativos no processo de construção do conhecimento, assim como foi observado no contexto pesquisado nesta dissertação.