• Nenhum resultado encontrado

Apresentação e debate da proposta do Ensino Médio Politécnico aos professores: participação, tensão e resistência

A POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NO PERIODO DE 2011 2014: O ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO

1.4. Apresentação e debate da proposta do Ensino Médio Politécnico aos professores: participação, tensão e resistência

No primeiro semestre de 2011, conforme expresso no documento base (Seduz, 2011), inicia-se o processo de formação continuada dos professores, com o objetivo de oportunizar aos docentes a devida compreensão da proposta e, assim, contribuir com suas experiências. Estratégia que possibilitaria o aperfeiçoamento da proposta e, ao mesmo tempo, sintonizá-la com a realidade social, cultural e econômica vivida pelas juventudes do Estado do RS. O documento propõe:

Para orientar as discussões com os atores escolares, a Seduz-RS produziu um documento-base intitulado Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio – 2011-2014 (Seduz-RS, 2011), no qual propunha a reestruturação curricular do Ensino Médio para ser implantada de forma gradual durante os anos de 2012 a 2014. Nesse movimento, no ano de 2011 foi realizado um intenso processo de discussão nas

comunidades escolares desse nível de ensino acerca da situação educacional que se repetia ano após ano, durante décadas (AZEVEDO e REIS, 2013, p.34).

Para valorizar os saberes e experiências profissionais dos professores, a equipe gestora da CRE, em evento dirigido aos docentes deste nível de ensino, apresentou a PEMP aos docentes, com o objetivo de dar-lhes voz, ouvindo suas concepções, angústias, medos, entendimentos, dificuldades e possíveis contribuições para o novo desenho curricular, o qual seria implantado no ano seguinte, no 1º ano do EMP, após o debate com todos os segmentos da comunidade escolar, por ocasião das Conferências.

Esse foi o momento mais tenso e emblemático vivido pela gestão da 36ª CRE. Os professores demostraram suas angústias, medos e resistências em discutir a proposta e mudar concepções e práticas consolidadas. Em suas narrativas, expressavam a insegurança em trabalhar com a pesquisa no SI, entenderam que todos os alunos teriam uma formação técnica no SI e que o ensino propedêutico perderia espaço, desqualificando a aprendizagem dos alunos.

Muitos professores emitiram opiniões equivocadas e confusas, demonstrando o quanto as práticas, que dizem de uma educação já superada, estão enraizadas no fazer docente e o quanto necessitamos buscar a formação e atualização dos referenciais e práticas em busca da profissionalização e do reconhecimento da profissão docente.

As contradições e resistências se transformaram em momentos profícuos de debate e compreensão das referências que embasam a proposta. Os professores tiveram oportunidade de expor suas concepções, contradições, medos, dúvidas e compreensões acerca dos referenciais e da operacionalização da proposta. Aos poucos, muitos professores foram aderindo à proposta e começaram a participar do debate, outros resistiram, usando o argumento de que a proposta era uma imposição da SEDUC/RS, expressando o desejo de primeiro estudar a proposta para depois implantar.

Para que os professores se apropriassem da proposta, assumindo o desafio de pensar como desenvolver a prática do ensino pela pesquisa, criando possibilidades de articular os diferentes campos do saber nos projetos do SI, foram organizadas reuniões pedagógicas nas escolas e na 36ª Coordenadoria Regional de Educação, com a assessoria da Unijuí, no primeiro momento, e, após, integrando o Projeto Macromissioneiro de Formação dos Trabalhadores em Educação. As Universidades exerceram um papel relevante no processo de discussão, apropriação e mediação da proposta, junto ao coletivo

de professores das quatro grandes áreas do conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias Ciências Humanas suas Tecnologias) e do SI nos encontros de formação continuada, iniciados em 2011.

Em setembro de 2011, iniciaram os seminários para refletir sobre os marcos teóricos da proposta do EMP e a matriz curricular que passou de 2.400 horas para 3.000 horas. Esses eventos de formação foram coordenados pela SEDUC/RS, com a participação das Equipes Diretivas das escolas de EM da rede estadual de ensino e equipes das 30 CREs. Os professores que participaram da formação referida foram, posteriormente, os formadores nas escolas, envolvendo colegas, alunos e pais. As escolas realizaram o debate da Proposta com a comunidade escolar, que apresentou dúvidas e sugestões, as quais foram aprofundadas nas Conferências. A sistematização dos debates serviram de “matéria-prima” para elaboração do Regimento Escolar e Plano de Estudos de cada instituição escolar, substituindo o Regimento Referência, que teve vigência somente no ano de 2012.

As discussões e proposições, feitas pelos segmentos da comunidade escolar, por ocasião das formações realizadas com mediação dos gestores regionais e professores das Universidades, geraram mais inquietações nos professores, os quais sentiam-se inseguros para desenvolver uma proposta, integrando os conhecimentos científicos com o conhecimentos e problemas da realidade social.

A apropriação dos fundamentos epistemológicos e pedagógicos da proposta e a proposição de construir projetos de pesquisa, articulando as dimensões da ciência, da cultura, do trabalho e da tecnologia com o mundo real, vivido pelos estudantes do Ensino Médio, reinterpretando os conteúdos trabalhados e colocando a pesquisa como eixo articulador e problematizador do processo em curso, aos poucos foi incorporando-se à rotina das escolas, com entendimentos diferentes. Aos poucos a investigação, a problematização e os projetos de pesquisa foram dando forma ao novo currículo. Isso aconteceu graças ao envolvimento e adesão dos professores e pelo protagonismo dos alunos que se identificaram com a proposta, na medida em que encontravam respostas aos seus questionamentos e dúvidas. O trabalho com a pesquisa no SI despertou a curiosidade dos alunos que se envolviam com entusiasmo nas investigações, especialmente quando as temáticas se relacionavam com a realidade.

O professor, que se envolveu com a pesquisa no SI, assumiu uma postura de questionamento, criação e recriação de metodologias, retomou referenciais teórico- metodológicos já conhecidos, pesquisou outros novos, conferindo um novo sentido ao conhecimento para que seu trabalho resultasse em aprendizagem para seus alunos. O trabalho com a pesquisa foi se desenvolvendo de forma refletida e por diferentes caminhos, em cada escola, as quais, com autonomia, traçaram uma organização metodológica para desenvolver os projetos de pesquisa, conforme depoimentos dos professores da pesquisa:

Assumimos e encaramos os desafios com a cara e a coragem. Buscando, testando, avaliando e reorganizando a forma de trabalhar para encontrar o melhor resultado [...] [...] na grande maioria os professores assumiram e outro diferencial que acho que vale a pena falar que após as apresentações os alunos saiam e nós na sala dos professores a gente fazia uma avaliação de todas apresentações com tudo devidamente anotado para que no próximo a gente pudesse melhorar. Então vinha tanto do professor do seminário os pontos negativos e positivos do processo e dos professores da banca como eles viam os alunos, os pontos positivos e negativos para que a gente pudesse trabalhando com isso um diagnóstico para poder ir aperfeiçoando e deletando o que estava ruim no que não tinha dado certo. Nós dividimos os professores por áreas por salas aqui na escola e os alunos vinham de acordo com a sua área de projeto. Eles procuravam o grupo de professores da área para poder qualificar o seu projeto. Fizemos oficinas de produção de slides. Os alunos se inscreveram em um outro momento em oficina trabalhando dois sábados: um de orientação e outra de oficina de aprimoramento dos projetos de formatação. O professor [...] trabalhou com essa questão de formatação slides, os professores de informática também ajudaram na organização então eles puderam ter desde uma qualificação teórica até uma qualificação de formatação para o seu trabalho (P7, p. 3).

[...] a gente vê que a mobilização da escola em dias de apresentação de trabalhos, eles estão mobilizados organizados, a gente vê que isso é um diferencial também da escola muito sabem que na escola tem isto então eles já vêm com essa perspectiva que eles vão ter que fazer pesquisa (P 5, p. 4)

Foi muito importante e nós fomos aprendendo fazendo e refazendo os caminhos do SI. Os alunos se envolviam mais, iam a campo buscar dados, informações, questionavam mais. Para nós foi um desafio por que não estamos mais acostumados trabalhar com projetos interdisciplinares, apesar da escola ter uma caminhada de trabalhar com projetos (P 4, p. 2).

Nesse encontro discutiu-se também sobre o perfil do educador/pesquisador/mediador, a organização dos tempos e espaços, a metodologia, as formas de avaliação, a necessidade de planejamento coletivo, o desenvolvimento da pesquisa de forma interdisciplinar. Nesse dia optei por fazer parte do grupo de professores de seminário Integrado (P8, p. 1).

Para compreender as concepções epistemológicas de educação, currículo, avaliação emancipatória, pesquisa como princípio pedagógico, trabalho como princípio educativo e do conhecimento, como processo de permanente reconstrução, imbricados nos princípios da Proposta do EMP, os professores foram instigados a assumir uma nova

postura em relação ao conhecimento, ao ensino e à aprendizagem, conferindo significado ao que ensinam.

Planejar atividades diferenciadas de ensino que favoreçam a cooperação e interação entre os professores, abrindo um espaço maior para o diálogo e para o planejamento interdisciplinar das diferentes áreas do conhecimento, favorece a criação e significação de práticas inovadoras. Nesse cenário, o SI emerge como polo e núcleo articulador dos projetos de pesquisa, integrando as áreas para que professores e alunos compreendam que o processo de conhecer envolve formular problemas, hipóteses, interpretar, relacionar as partes que formam a totalidade dos conhecimentos porque nenhuma disciplina isolada consegue responder de forma adequada à complexidade dos problemas e dimensões da vida.

O SI é espaço promotor do questionamento, da problematização, da formulação de problemas, da elaboração e sistematização de projetos de pesquisa que se articulam com as áreas do conhecimento para pensar e desenvolver práticas pedagógicas interdisciplinares que resignifiquem e deem vida ao currículo escolar, aproximando-o da realidade social dos jovens que frequentam o Ensino Médio e desafiando educadores e educandos a pensar sobre os problemas vividos e nas possibilidades de superá-los pela ação humana. Assim explicita o documento pedagógico da SMED- Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (1999, p. 37). [...] “um processo humano, histórico, incessante, de busca de compreensão, de organização. De transformação do mundo vivido e sempre provisório; a produção do conhecimento tem origem na prática do homem e nos seus processos de transformação da natureza”.

Nessa perspectiva, compreender o conhecimento e seus paradigmas, tendo um olhar crítico e uma leitura contextualizada, requer que os educadores compreendam os fundamentos do conhecimento e sua ressignificação no contexto sócio-histórico, mediado pelas relações entre os sujeitos, em determinado tempo e espaço, na perspectiva de compreender a realidade e dar resolutividade aos problemas enfrentados no cotidiano. Ser protagonista, neste movimento de mudança, requer um professor sintonizado com o tempo atual e que assuma uma postura interdisciplinar e uma releitura crítica de seus saberes profissionais para dar respostas à complexidade de educar os jovens que frequentam o Ensino Médio em sua pluralidade e diversidade.

Criar Políticas Públicas que promovam a aprendizagem para todos, rompendo com o fracasso escolar que gera a exclusão dos jovens da escola pública pela reprovação, abandono e não aprendizagem, cultura que parece estar naturalizada nas práticas escolares das escolas estaduais do RS, requer uma nova postura do professor acerca do conhecimento, da aprendizagem e da avaliação. Valorizar os saberes dos jovens que frequentam a escola pública e que têm muito a dizer e fazer, democratizando o acesso ao conhecimento sistematizado pela mediação qualificada dos professores, promovendo o diálogo entre os diferentes saberes pela pesquisa, poderá produzir novo significado e resultados mais duradouros na aprendizagem.

Diminuir as desigualdades históricas de acesso ao conhecimento, à cultura, ao mundo do trabalho e ao acesso às tecnologias, para que o aluno construa o conhecimento poderoso (YOUNG, 2015) para enfrentar as incertezas e fazer escolhas de seus projetos de vida, requer um trabalho com a problematização para que o conhecimento apropriado pelo sujeito, contribua para compreender-se no mundo, como assevera Mônica Ribeiro sobre a formação:

[...] a formação humana voltada para a emancipação deve tomar como objetivo uma educação que se volte para a reflexão e a crítica. Deve-se pensar, assim, na possibilidade de uma educação que leve em consideração a capacidade de o indivíduo tornar-se autônomo – intelectual e moralmente, ou seja, ser capaz de interpretar as condições histórico-culturais da sociedade em que vive de forma crítica e reflexiva, impondo autonomia a suas próprias ações e pensamentos [...] (SILVA, 2012, p. 71).

Pensar o conhecimento, como processo construído e reconstruído nas relações entre os sujeitos e o mundo social, requer professores comprometidos com a sua formação profissional. Um professor que perceba a escola como espaço dialógico que tem como horizonte a apreensão dos conhecimentos científicos e da realidade vivida, sentida e percebida por seus sujeitos, cumprindo sua função social de educar as novas gerações “religando os saberes fragmentados” (MORIN, 2015).

A política pública colocada em curso pela SEDUC/RS, no ano de 2012, evidencia a preocupação dos gestores em proporcionar mudanças, no cenário escolar, a partir do debate acerca de referenciais que poderiam gerar práticas pedagógicas mais contextualizadas e conectadas com a realidade dos contextos escolares e dos sujeitos que acessam a escola pública. Outro viés para essa mudança, é a opção pela pesquisa como

caminho de interlocução de saberes, de pensar criticamente os conhecimentos, construindo novas formas de interpretar, analisar e criar o conhecimento novo, participando ativamente desse processo, que é dinâmico e nunca está acabado porque pressupõe que as verdades são provisórias e possíveis de serem revistas, a partir dos problemas de seu cotidiano. Como afirma Maldaner:

A educação escolar é o tempo de questionamento do cotidiano vivido e tomada de consciência dos saberes e vivências que o configuram. Não para simplesmente repeti-lo! O cotidiano faz sentido para eles, agora o desafio é que o questionamento do cotidiano faça sentido para as novas possibilidades de atuar nele, transformando-o [...] (MALDANER, 2014, p. 20).

Dessa maneira, o professor que busca ter uma postura interdisciplinar, para dar novo significado ao ato de ensinar, pensa, cria e recria metodologias para dar novo sentido ao conhecimento, para que seu trabalho resulte em aprendizagem ao aluno, incentivando- o a fazer novos questionamentos, buscar respostas aos problemas e novas interpretações ao conhecimento que está em permanente reconstrução. Este pano de fundo de intenções foi amplamente debatido no âmbito das conferências sobre o ensino médio politécnico, temática que será abordada no subcapítulo à seguir.

1.5. As conferências do ensino médio politécnico- momento de debates e

Outline

Documentos relacionados