• Nenhum resultado encontrado

Novas práticas no Ensino Médio: o professor pesquisador, planejamento interdisciplinar, organização do clima escolar do tempo e do espaço escolar

A RECONSTRUÇÃO DOS SABERES DOCENTES: PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS

3.3. Novas práticas no Ensino Médio: o professor pesquisador, planejamento interdisciplinar, organização do clima escolar do tempo e do espaço escolar

Desenvolver novas práticas pedagógicas no cotidiano escolar remete o professor a abrir-se para o novo e enfrentar as incertezas e temores que novas formas de ensinar despertam no imaginário social, acostumado com uma escola que realiza o ensino alicerçado nas práticas da repetição consolidadas ao longo do processo sócio-histórico, empreendido pela educação positivista desenvolvida no Estado do RS.

Arriscar-se a mudar o que está instituído e institucionalizado exige disposição e compreensão de que a educação é um ato político (FREIRE, 2015) possível de mudança. O professor como intelectual orgânico coloca-se como um crítico e transforma-se em agente contra hegemônico (GRAMSCI, 1978), fundamentando sua práxis na ação pedagógica problematizadora da realidade existente. Entende-se que pela pesquisa o professor, como intelectual que reflete sobre sua práxis, pensa possibilidades para que seus alunos saiam do senso comum, tecendo outras compreensões do mundo, interagindo e atuando na sociedade de forma a entender a complexidade das sociedades contemporâneas e agir com competência cidadã na perspectiva de acolher e ver o outro como sujeito de direitos.

A Proposta do EMP desafiou os professores a recriarem suas práticas, assumindo- se como profissionais que pensam sobre seu fazer e buscam novas formas de ensinar e aprender num movimento de pesquisa e de diálogo constante entre professor e aluno com a intenção de reconstruir os conhecimentos e formular novas interpretações para os

fenômenos investigados, compreendendo a realidade em que vive para nela atuar e intervir. A Proposta apresenta a politecnia em seu âmago na tentativa de fazer da escola um espaço de pesquisa, de criação e de autoria de professores e alunos.

Formar sujeitos críticos que interpretem a realidade e usem os conhecimentos em defesa da vida exige um professor pesquisador que reflita sobre sua prática e atualize seus saberes profissionais para ensinar e educar na perspectiva do desenvolvimento da autonomia, com vistas à compreensão da realidade que o circunda. O professor, nesse contexto, exerce papel essencial no sentido de realizar uma leitura refletida sobre as transformações científicas, tecnológicas, econômicas, políticas, sociais e culturais que exigem um reposicionamento do papel da escola e do professor como profissional que realiza a formação escolar das novas gerações. Realizar uma formação geral sólida para que os alunos tenham condições de usar os conhecimentos para pensar os problemas da sociedade requer uma escola e um professor sintonizados com o tempo presente que trabalhe a investigação como uma possibilidade de reconstruir o conhecimento.

Pesquisar é acender a luz do conhecimento como caminho de busca, de dúvidas e descobertas: o aluno vai se apropriando de informações, dados, problemas da realidade, construindo novas formas de ler e compreender o mundo. Sobre a pesquisa, o documento base da SEDUC/RS, publicizado em 2011, para estudo com os professores, assim explicita:

A pesquisa é o processo que, integrado ao cotidiano da escola, garante a apropriação adequada da realidade, assim, como projeta possibilidades de intervenção. Alia o caráter social ao protagonismo dos sujeitos pesquisadores. Como metodologia, a pesquisa pedagogicamente estruturada possibilita a construção de novos conhecimentos e a formação de sujeitos pesquisadores, críticos e reflexivos (SEDUC-RS p. 23).

Instituir o ensino pela pesquisa como metodologia pedagógica no cotidiano escolar constituiu-se numa ação permeada por tensões, dúvidas, busca, estudo, aprendizagens e construções de caminhos pelos docentes das escolas pesquisadas. O envolvimento dos alunos e os resultados produzidos nos trabalhos de pesquisa desenvolvidos no SI influenciaram de forma positiva para que os professores se envolvessem com a nova proposta e refletissem sobre suas práticas, analisando as produções dos alunos, comunicando os resultados para os colegas e fazendo registros escritos sobre os significados produzidos e incentivando os discentes a registrar e comunicar, também, os resultados de suas pesquisas. Nessa perspectiva Demo interpreta que:

[...] é fundamental que os alunos escrevam, redijam, coloquem no papel o que querem dizer e fazer, sobretudo alcancem a capacidade de formular. Formular, elaborar são termos essenciais da formação do sujeito, porque significam propriamente a competência, à medida que se supera a recepção passiva de conhecimentos, passando a participar como sujeito capaz de propor e contrapor (DEMO, 2015 p. 28).

Com base no estudo dos marcos teóricos da Proposta do EMP, dos referenciais, experiências dos educadores e do desafio de realizar pesquisas que envolvesse todas as áreas do conhecimento e a realidade social, as escolas organizaram espaços de planejamento e estudos para definir como desenvolveriam os projetos de pesquisa no SI definindo critérios. Na escola A, percebe-se que o grupo de professores teve mais dificuldades de se apropriar da proposta e operacionalizar o planejado no coletivo. O espaço de planejamento por área foi importante para o fortalecimento do grupo que experenciou uma nova forma de organizar o ensino e desenvolver suas práticas no cotidiano escolar, conforme relata um dos professores (P.1) do SI:

[...] O planejamento por área, na escola trouxe assim algumas mudanças. No planejamento por área, se juntar e fazer o planejamento como a gente podia [...] foi uma experiência nova porque a gente nunca tinha feito planejamento por área. Mudou porque a gente começou a entender melhor, percebeu onde uma disciplina começava a se conectar com a outra e onde a gente podia fazer o trabalho juntos. É aquilo que foi possível a gente fazer; algumas coisas a gente não consegue conseguiu realizar. Ficou só no plano, mas eu acho que foi isso. Esse trabalho por área foi interessante para entender como as disciplinas podem se conectar (P.1, p. 1).

O movimento desencadeado pelos professores para realizar um trabalho interdisciplinar buscou romper com as concepções positivistas dominantes na formação de professores, fundamentadas na racionalidade técnica. Schön interpreta que: “Primeiro ensinam-se os princípios científicos relevantes, depois a aplicação desses princípios e, por último, tem-se um praticum, cujo objetivo é aplicar à prática quotidiana os princípios da ciência aplicada (SCHÖN, 1992, p. 91). Abrir-se às mudanças, desenvolvendo práticas que dialoguem com a realidade social e com os conhecimentos sistematizados das ciências exige um esforço dos professores na perspectiva de reconstrução de seus saberes e práticas para responder às demandas de seu fazer pedagógico colocados pela Proposta do EMP.

Organizar estudos, problematização e diálogo entre as áreas do conhecimento e junto aos alunos para elaborar projetos de pesquisa, planejar caminhos metodológicos,

sistematizar as pesquisas, apresentar ao coletivo da turma e/ou da escola, avaliar as aprendizagens construídas, são espaços privilegiados do SI para que as pesquisas desenvolvidas nesse momento curricular em interlocução com as áreas do conhecimento e pelas incursões em diferentes espaços, produza uma ampla rede de conhecimentos reconstruídos, reinterpretados, possibilitando novas leituras de mundo. Nesse sentido, a fala da professora (P.8) do SI da escola B, ilustra a mudança provocada no coletivo docente:

[...]através do SI e das áreas do conhecimento aprofundou-se o estudo da pesquisa, a reflexão sobre a importância de integrar a educação escolar ao trabalho, a revisão do significado da politecnia, bem como nossas concepções de conhecimento e de currículo. Penso que todo professor que entendeu a proposta e aplicou, reinventou a sua prática docente e não imagina mais realizar um trabalho de qualidade sem propor aos alunos momentos de pesquisa, reflexões, escritas, revisões, socializações de resultados, tendo como referência não somente os livros, a internet, mas a vida como ela acontece, o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura na qual os indivíduos estão inseridos (P.8, p.2).

A compreensão expressa pela professora revela que os docentes reconstruíram seus saberes na medida em que dialogaram, planejaram, estudaram os marcos teóricos e elaboraram seus projetos de pesquisa num contínuo refletir sobre sua ação pedagógica, avaliando a aprendizagem de seus alunos como indicativo para retomar o que não foi compreendido. Depreende-se que ao refletir sobre sua prática, como discorre Libâneo (1998), o professor se apropria da realidade vigente e a partir da fundamentação teórica compreende a si mesmo, reelaborando de forma crítica o seu pensar e o seu fazer. Segundo Libâneo, as instituições formadoras deveriam se perguntar:

Como ajudar os professores a se apropriarem da produção de pesquisa sobre educação e ensino? O que significa “qualidade de ensino” numa sociedade em que caibam todos? Como potencializar a competência cognitiva e profissional dos professores? Como enriquecer com as experiências e aprendizagem de modo que os futuros professores aprendam a pensar? Como introduzir mudanças nas práticas escolares, partindo da reflexão na ação? (LIBÂNEO, 1998, p. 87).

Segundo Libâneo (1998), para que o professor desenvolva em sala de aula atividades em que o aluno pense sobre os conhecimentos que está construindo de forma crítica para rever e criar novas possibilidades de resolver problemas e formular novas sínteses, tornando-os sujeitos do seu processo de aprendizagem, as práticas pedagógicas requerem um movimento dialético de ação e reflexão.

Dessa forma, os trabalhos de investigação do SI contribuíram para que os professores refletissem sobre sua ação profissional, planejando novos caminhos metodológicos para realizar um ensino mais contextualizado que dialogue com as problemáticas enfrentadas pelos jovens na sociedade contemporânea, criando uma postura investigativa, de problematização, instigando o sujeito a pensar, interpretar e compreender a realidade a partir dos conhecimentos estudados nas diferentes áreas do saber. Enfim, tornar-se sujeito que possui autoria sobre seu fazer para atuar no mundo.

Segundo Silva, pensar a pesquisa e o ensino remete à ideia do professor pesquisador enquanto profissional que reflete sobre a educação e o ensino “articulando as dimensões epistêmica, pedagógica e política” (SILVA, 2015, p, 124) para pensar o conhecimento e o direito à aprendizagem para todos. O professor pesquisador, nesta concepção, precisa ser entendido enquanto “sujeito epistêmico e da relação com o saber em uma perspectiva de reconstrução da cultura e do mundo social e histórico” (SILVA, 2015, p.123).

Assumir a cultura profissional de formação pela pesquisa e reflexão da prática como caminho privilegiado de sua ação pedagógica torna-se elemento fundante da constituição do professor pesquisador que desenvolve sua atuação profissional num movimento de busca e de aprendizagem a partir de suas experiências pedagógicas e da reconstrução de seus saberes. Nesse sentido, Frizzo, entende que:

[...] suas práticas escolares revelam as suas experiências, conhecimentos e saberes construídos durante a formação e pela vivência na prática profissional, em que emergem os conhecimentos e saberes da experiência, fruto do envolvimento e comprometimento com a profissão (FRIZZO, 1999, p. 35).

A compreensão de que o professor é um pesquisador de sua prática emerge como possibilidade de reconhecer-se em processo de mudança e de reconstrução de seus saberes profissionais que lhe conferem a condição de um eterno aprendiz e de um sujeito que se reconstrói na interação com seus alunos e com seus pares, num processo legítimo de apropriação teórica que se expressa pela argumentação e capacidade intelectual do professor de justificar o que ensina num determinado espaço e tempo para um grupo específico de alunos. O professor (P.4) explicita a ideia de professor pesquisador:

O professor pesquisador ele entende melhor do espaço que ele ocupa e porque ele está aqui e dessa maneira ele consegue encaminhar melhor o seu aluno. Não digo que estamos conseguindo ser pesquisadores, nosso espaço está apertado, muito cheio de aulas mas as gente na medida do possível tem que procurar esse espaço para que a gente entenda também como se dá essa questão do conhecimento, o quanto ela nos deixa pessoas melhores e que enxerga a sua volta, que podem interferir a sua volta e podem construir melhor seu próprio conhecimento (P. 4, p. 2).

Assim, entende-se que a prática docente construída, atualizada e ressignificada a partir da investigação, planejamento coletivo, problematização e troca de experiências realizadas entre os docentes do EMP, no cotidiano das escolas, revestiram-se de sentidos e significados na perspectiva de um ensino que resultou potencialmente em aprendizagens mais significativas para os sujeitos das duas escolas públicas em que desenvolveu-se a pesquisa em tela. Cumpre entender isso a partir do memorial de vida dos professores.

3.4. Memorial de vida dos professores, registros para reflexões sobre o saber docente

Outline

Documentos relacionados