• Nenhum resultado encontrado

Para um uso apropriado das fontes

No documento Download/Open (páginas 82-94)

REFLEXÕES PARA UMA NOVA “HISTÓRIA DA RELIGIÃO DE ISRAEL”

Mapa 2.1 Platô de Benjamim (amarelo), Judá (azul) e Efraim (vermelho).

2.2.3 Para um uso apropriado das fontes

Subsequentemente ao quadro comunicacional exposto, é necessário pensar a implicação da natureza das fontes disponíveis ao conceito “religião” empregado. Em 108

outras palavras, é fundamental avaliar como as estruturas comunicacionais, de forma geral, e a natureza das fontes, de forma particular, criam especificidades comunicativas nas quais a religião será observada. Esse aspecto, como mencionei acima, não foi suficientemente enfatizado na História da Religião de Israel. Entretanto, acredito que, sem que se considerem tais características inerentes às fontes, tanto na produção de sentido quanto em seus aspectos históricos de produção, é possível que tais fontes deixem de ser consideradas enquanto representação de fatos, com todos os seus limites implícitos e explícitos, para serem vistas como fatos, pressupondo uma falaciosa totalidade de acontecimentos e/ou eventos do passado. É alarmante, nesse aspecto, observar a história da pesquisa no final do século 19 e início do século 20 mencionada acima (cf. §2.1.3). Mesmo sob rígidos e criteriosos estudos histórico-filológicos — especialmente de orientação histórico-crítica—, muitos autores caíram na armadilha de observar a História da Religião de Israel de forma metonímica, i.e., “fontes” ou, mais especificamente, “fontes documentais”, como atalho à “História da Religião de Israel”. 2.2.3.1 Aspectos teóricos: relações entre mídia e produção de sentido

De um ponto de vista estritamente teorético-comunicacional, é interessante lembrar a perspicaz a observação de Vilém Flusser que argumentou que, após aprendermos um código, tendemos a nos esquecer de sua inerente artificialidade. Segundo ele, a própria função do mundo codificado é “que esqueçamos que ele consiste num tecido artificial que esconde uma natureza sem significado, sem sentido, por ele representada” (FLUSSER, 2017, p. 86). É justamente por essa razão, pela

A própria metáfora de “fonte” é problemática. Burke (2017, p. 23-24) diz que os historiadores usam essa 108

metáfora para os documentos “como se eles estivessem enchendo baldes no riacho da Verdade, suas histórias tornando-se cada vez mais puras, à medida que se aproximam das origens”. Para ele, a metáfora é vívida mas falha, visto que pressupõe a impossibilidade de uma fonte ser contaminada pelos intermediários. Por isso, Burke utiliza o termo “indícios”.

aparente naturalidade como as fontes se apresentam, que torna-se fundamental na pesquisa histórica resgatar os aspectos de sua artificialidade e suas especificidades na produção de sentido. Uehlinger (2007, p. 222), nesse contexto, defendeu que as regras de comunicação podem ser melhor compreendidas e validadas “quando consideramos não apenas o produto final, mas todo o processo desde o comissionamento até sua confecção e da execução de fato até seu projeto retórico-visual” . 109

É por isso que, nesta sessão, passo a tecer considerações teórico-conceituais sobre a relação entre conteúdo e mídia , além de considerar a influência das 110

mudanças midiáticas nas estruturas comunicacionais. Os aspectos particulares e um breve estado da questão de cada conjunto de fontes utilizada na pesquisa será apresentado como prêambulo nos capítulos que tratarão desses conjuntos de fontes (cf. §3.1; 4.1; 5.1). A questão que pretendemos responder nesse espaço é: quais eram os modos de comunicação na região montanhosa central de Canaã nos sécs. 11/10 aEC e como eles produziam/armazenavam memória? Partindo do específico ao geral, i.e., da relação entre conteúdo e mídia para a estrutura comunicacional, lembro que a teoria de mídia costuma defender que mensagens são intrinsecamente conectadas à mídia que as abriga. Embora seja comum utilizar apenas o slogan da teoria de Marshal McLuhan (2013) — i.e., “o meio é a mensagem” —, a observação de sua citação integral traz luz à questão em particular:

Em uma cultura como a nossa, há muito acostumada a partir e dividir todas as coisas como um método de controle, às vezes causa um certo choque ser lembrado que, de forma prática e operacional, o meio é a mensagem. Isso é apenas indicar que as consequências pessoais e sociais de cada meio — isto é, de qualquer extensão de nós mesmos — resulta de novas dimensões

Ing.: “when we consider not only the finished product but the whole process from commissioning to 109

design and to the actual execution of a visual-rhetorical programme”.

Uso indistintamente “mídia”, “meio” e “medium”. Veja, nesse sentido, os usos de medium por McLuhan, 110

segundo Pereira (2008, p. 1-2): “the main senses of medium in McLuhan can vary or even amalgamate the following meanings: 1) as manner, or mode, vehicle for different operations achievement; 2) hence, whenever communication is the operation in question, the meaning accomplished is communication

vehicle, which, by its turn, practically presents itself as a synonym for different media: TV, radio, cinema,

newspapers, magazines and so on; 3) as a synonym for technological extensions, a meaning that achieved huge publicity through Understanding media itself; 4) as environment, enveloping substance, in the sense one refers to habitat — although this does not necessarily imply the biological environment; 5) as a synonym for public, in opposition to the idea of private”.

que são introduzidas em nossas questões por extensões de nós mesmos, ou por qualquer nova tecnologia. 111

É evidente, portanto, que o slogan de McLuhan não defende que o conteúdo ou mensagem seja menos importante que o meio ou, ainda, que haja uma equalização simplista entre ambas as esferas (PEREIRA, 2008). Para McLuhan (2013) “‘o meio é a mensagem’ pois é o meio que modela e controla a dimensão e forma da associação e ação humanas” o que, em última instância, significa que “o ‘conteúdo’ de uma mídia 112

é como um suculento pedaço de carne carregado pelo assaltante para distrair o cão de guarda da mente”, visto que “o efeito do meio é mais forte e intenso apenas porque é dado a outro meio como ‘conteúdo’” . A constatação do teórico parte de sua 113

compreensão de mídia, em primeiro lugar. Para McLuhan (2016), medium são extensões de nós, seres humanos, por qualquer nova tecnologia, o que pressupõe que, “consequentemente, qualquer inovação tecnológica modifica nossa relação com nós mesmos e com nossos corpos” . Essa peculiaridade da mídia não se dá apenas da 114

dimensão espacial como, p.ex., na amplificação geográfica da voz via ondas de rádio, mas também temporalmente, transformando expressões humanas efêmeras em artefatos perenes, como, p.ex., o discurso fixado pela escrita (SCHEFFEL-DUNAND, 2011). A consequência de tal amplificação não é a mudança de opiniões ou conceitos de determinada cultura, mas a reorganização e, talvez, a potencialização da experiência cultural via amplificação midiática, resultando na mudança dos “quocientes de sentido ou padrões de percepção de forma constante e sem qualquer resistência” . Para 115

McLuhan, portanto, a mensagem é “um conjunto de características cognitivas e subjetivas que emergem dentro do indivíduo, devido à interação com a nova mídia” 116

Ing.: “In a culture like ours, long accustomed to splitting and dividing all things as a means of control, it 111

is sometimes a bit of a shock to be reminded that, in operational and practical fact, the medium is the message. This is merely to say that the personal and social consequences of any medium — that is, of any extension of ourselves — result from the new scale that is introduced in our affairs by each extension of ourselves, or by any new technology”.

Ing.: “the medium is the message” because it is the medium that shapes and controls the scale and 112

form of human association and action”.

Ing.: “For the “content” of a medium is like the juicy piece of meat carried by the burglar to distract the 113

watchdog of the mind. The effect of the medium is made strong and intense just because it is given another medium as “content.” The content of a movie is a novel or a play or an opera”.

Ing.: “I think the same is true of all of our technology. Since all of them are extensions of our own bodies. 114

Therefore any innovation in technology modifies our relation to ourselves and to our bodies”. Ing.: “sense ratios or patterns of perception steadily and without any resistance”.

115

Ing.: “considers the message to be a set of cognitive and subjective characteristics that emerge within 116

(PEREIRA, 2008, p. 9). A adequação à mídia transforma as percepções, gerando com isso uma nova gramática que passa a ser compartilhada por seus usuários .117

Nesse aspecto, há certa convergência quando Flusser (2014, p. 121-122) diz 118

que “a cultura material é o armazenamento de informações adquiridas em objetos”, o que implicaria na publicação, intersubjetivação e armazenamento da memória em artefatos como, p.ex., na imagem-memória do dente aplicada à pedra lascada (FLUSSER, 2014, p. 53-54). Ao pensar artefatos materiais enquanto externalizações e intersubjetivações de memória cultural, entretanto, evidencia-se uma tensão entre a filosofia do design com a teoria semiótica tradicional. Rafael Cardoso (2013) aponta, 119

seguindo a teoria de Flusser, que artefatos materiais fogem do esquema semiótico tradicional que pensa “que um significante de natureza linguística (palavra) remete a um significado supostamente extralinguístico (objeto)”, o que implicaria que “objetos falam de si mesmos — ou, melhor dizendo, remetem ao nível dos discursos que cercam sua inserção no mundo”, tornando falaciosa “a distinção entre o objeto e sua representação linguística, pois os artefatos estão sempre inseridos em esquemas de significação simbólica que são discursivos por definição”. Assim, o a representação dos artefatos estaria conectada ao “universo discursivo” da mesma classe de artefatos e não, 120

Isso também, por outro prisma, que imagens, após sua vida útil, geram novas imagens para que as 117

substituam. Nesse aspecto, é interessante mencionar o caso de uma “antropologia das imagens” proposto por Hans Belting (2011, p. 36), i.e., de que “the medium is not ‘in the middle’ between image and spectator. Rather, it is the other way round. Images are exchanged between us and a pictorial medium in the double act of transmission and perception. The medium, the carrier of artificial support, remains ‘out there’, while the image, a mental construct, is negotiated between us and the medium”. Embora tomem pontos de partida distintos, com McLuhan tratando de mídia em geral e Flusser 118

tratando códigos de comunicação, há convergências entre os dois teóricos. Uma dessas convergências são as divisões da história humana marcadas por mudanças midiáticas. Enquanto para McLuhan a história humana seria dividida entre as eras: (1) pré-literata ou oral; (2) literata ou mecânica; (3) pós- literata ou elétrica; Flusser teria proposto os períodos: (1) pré-histórico, com consciência mágico-mítica; (2) histórico, com consciência histórica ou conceitual; e (3) pós-histórico, com consciência técnica ou técnico-imagética. Para uma visão abrangente de convergências, cf. CANÁN, 2008.

Os Estudos de Mídia dialogam com a Filosofia do Design e/ou Teoria da Comunicação. É, dessa forma, 119

impossível acessar os estudos de Flusser e McLuhan sem esbarrar nessas áreas correlatas.

Por “universo discursivo” remeto à Krippendorff (2006, p. 23), que disse: “discourses, so conceived, are 120

not merely spoken and written, they are social systems with a life of their own. Discourses can be enormously productive of new artifacts, run out of steam, or vegetate by merely reproducing themselves. Their artifacts vary greatly, from abstract theories to medical practices to rather concrete material arrangements. Discourse communities can grow in size or shrink. When below a critical threshold, discourses die, leaving artifacts behind that other discourses may appropriate, as archeology does with artifacts from extinct cultures. Discourses can be more or less structured, asserting stronger or weaker identities, empowering effective institutions to regulate discourse practices or favoring individualism. For example, mathematics is a highly disciplined discourse; public discourse is not. Although discourses are organizationally autonomous, they respond to other discourses by redefining their identities and redrawing their boundaries. Within such boundaries, members of a discourse community know who they are and can feel to belong. The boundaries of discourses are more or less permeable, however.”

como se poderia pensar, à abstração linguística que nomeia tais artefatos, uma designação linguística. Em outras palavras, há uma distinção fundamental entre a interpretação de objetos e e a interpretação de textos que deve ser considerada. Convém dizer que é por essa distinção na produção de sentido de artefatos linguístico se não-linguísticos que, embora concorde com muitas abordagens e aproximações, tenho ressalvas com a utilização de metáforas linguísticas para interpretação de imagens como, p.ex., “literacidade visual”, “imagens como textos” etc . 121

Nesse ínterim, a questão da não dissociação de artefatos (i.e., sua materialidade / mídia) do que eles representam (i.e., seu conteúdo / mensagem) foi central na “virada semântica” da semiótica. Novos estudos passaram a defender que artefatos “não são entidades plenamente estáveis”, visto que “seus significados mudam conforme o uso” , mesmo que sua composição material não mude (KRIPPENDORFF, 2006, p. 71). 122

Como ressaltou Krippendorff (2006, p. 42) isso se deve, primeiramente, à constatação de que “todos os artefatos tem histórias experienciais, que são tecidas em histórias sociais ou culturais, sempre envolvendo muitas pessoas e seu uso de categorias e artefatos linguísticos” . Nessa pesquisa, isso significa que para se estabelecer o 123

significado do artefato seus usos devem ser considerados numa relação dialética entre forma e conteúdo, visto que “significados [ing. meanings] não são nem intrínsecos à qualidade material ou física de coisas físicas, nem podem ser situadas dentro da mente humana”, mas “assim como o significado de um texto emerge durante o processo de leitura, o significado de um artefato emerge na interação com ele (e através dele com

W. J. T. Mitchell usa o exemplo de linguagem de sinais para dizer que não há diferença “essencial” entre 121

textos e imagens. Entretanto, sua premissa é falsa, visto que a linguagem de sinais e textualidade constroem-se pela combinação de elementos (eixo sintagmático), enquanto imagens não operam necessariamente dessa forma. Enquanto a dependência é evidente na “virada icônica” de W. J. T. Mitchell (1994, p. 11), que se inspira na “virada linguística” de Richard Rorty, isso também ocorre em aproximações recentes da “Exegese Iconográfica”. Nesse aspecto, embora Bonfiglio (2016, p. 128-132) concorde com a diferenciação fundamental entre mídias linguísticas e não linguísticas, ele continua a defender a mudança da interpretação de “imagens como mídia” para “imagens como linguagem”, para que seja considerada a “complementaridade simbólico-cognitiva” (?) entre texto e imagens. Ainda que a metáfora de literacidade visual seja didática para um campo altamente textocêntrico como o da exegese (BONFIGLIO, 2016, p. 37-41, 43), usar uma metáfora textual para interpretação de imagens é tão problemático do ponto de vista da interpretação iconológica quanto da teoria de mídia (CARDOSO, R., 2013). Ao considerarmos o peso das metáforas na cognição (KOVECSES, 2010; JOHNSON; LAKOFF, 1980; 2003), a equalização é problemática. Entretanto, isso não invalida trabalhos que vejam a “visualidade de textos” e a “textualidade das imagens” (cf. BONFIGLIO, 2016, 2017, esp. p. 449).

Ing.: “Artifacts are not entirely stable entities. Their meanings change with use”. 122

Ing.: “All artifacts have experiential histories, which are woven into social or cultural histories, always 123

outros)” (KRIPPENDORFF, 2006, p. 51). Minha opção, portanto, de tentar alocar os 124

artefatos — especialmente da chamada “cultura material” (cf. §3.1) — em seu contexto de achado, é uma tentativa de postular possíveis utilizações religiosas de tais artefatos. Um exemplo nesta pesquisa é minha forma de tratar os selos e amuletos da região. A própria nomenclatura “selos e amuletos” pressupõe duas possibilidades distintas de uso. Por isso, abordarei as possibilidades de significação não apenas em função de seu formato original, que carregaria o sentido pragmático de selar itens para identificação administrativa e/ou política, mas pela possibilidade de usos específicos como, p.ex., o uso apotropaico e ritualístico (EGGLER; UEHLINGER, 2019?, p. 1-3).

2.2.3.2 Aspectos metodológicos: como hierarquizar fontes de pesquisa?

Isso me leva à considerações de ordem geral do uso de fontes, i.e., à ponderações sobre as influências de tais fontes nas dinâmicas comunicativas da região montanhosa central de Canaã nos sécs. 11/10 aEC. Um dos principais insights de Flusser esteve em seu argumento de que os modos de comunicação alteram a consciência de seus usuários, criando diferentes estruturas de comunicação. Segundo Flusser, havia três períodos da história humana, estes marcados por mudanças midiático-tecnológicas: (1) pré-histórico, no qual haveria consciência mágico-mítica; (2) histórico, com consciência histórica ou conceitual; e (3) pós-histórico, com consciência técnica ou técnico-imagética. Isso não quer dizer, obviamente, que haja uma separação estanque ou rígida entre os diferentes modos de comunicação visto que, para Flusser (2014, p. 57), “definições são figuras auxiliares e devem ser apagadas” e, na realidade, tais conceitos abstratos “intervêm continuamente um no outro”. Apesar de tais sobreposições que o próprio autor assume, a teoria de Flusser possibilita pensar a influência conceitual da mídia sobre seus usuários. Em meu caso, ao tratar com uma região sem evidências de aparato burocrático ou alto nível (se algum) de literacidade (cf. §5.2), estaríamos lidando com uma fase pré-histórica, oral e material.

Para Flusser, há duas estruturas distintas de comunicação na fase pré-histórica, i.e., em sociedades sem escrita. Por um lado, há a característica chamada mítica de sociedades orais. Para Flusser (2014, p. 57), a comunicação de sociedades orais teria a estrutura de um círculo, no qual o emissor estaria no centro sendo rodeado por

Ing.: “Meanings are neither intrinsic to the physical or material qualities of things, nor can they be 124

located within the human mind. Just as the meaning of a text emerges in the process of reading, the meaning of an artifact emerges when interfacing with it (and through it with others).”

receptores, os quais “estão em condição de responder ao emissor, de forma que o discurso se reverte sempre em diálogo”. A metáfora visual que Flusser utiliza para explicar seu conceito é a da roda na fogueira, na qual um velho caçador senta-se no centro e os jovens ao redor ou, ainda, de uma mãe com seus filhos ao redor. As experiências passadas, nesse aspecto, seriam ligadas à memória e às experiências do comunicador do centro. Essa modalidade oral-mítica teria certas deficiências na transmissão de informação, como ruído, assimetria comunicativa e um sistema mnemônico não confiável , entretanto teria, segundo Flusser (2014, p. 52), uma “forte 125

infraestrutura genética”. O segundo modo de comunicação é o “mágico” , conectado 126

à cultura material e funcionaria paralela à cultura mítica-oral. Para Flusser (2014, p. 53-54), uma característica humana é a habilidade para transformar objetos em memória externa, i.e., ao transformar elementos naturais em culturais, o sujeito transpõe sua intersubjetividade no item, preservando a memória do gesto ou uso durante mais tempo. Assim, futuros usuários podem acessar a memória ao tocar tais objetos.

Como defendi acima, a desnaturalização de “religião” na História das Religiões de Israel também deve implicar na revisão do uso das fontes. Isso significa que não convém observar essas culturas antigas por um prisma pós-iluminista, onde tudo é considerado texto (literário) para ser lido, desprezando diferenças na produção significado de cada mídia ou, mesmo, especificidades midiáticas de tais artefatos. Nesta pesquisa, isso significa que abandonarei a dura dissociação filosófica entre forma e conteúdo (ou meio e mensagem), para tentar observar os artefatos em sua totalidade de uso. Esse movimento também implica que não analisarei objetos como o faria em sociedades literatas mas, lembrando da baixa (se alguma) literacidade, a observarei prioritariamente via cultura oral e material. A estrutura comunicacional, assim, é circular, tendendo à externalização e intersubjetivação de memória cultural em artefatos.

Em aspectos práticos, no que concerne às fontes para as práticas religiosas de Benjamim no Período do Ferro I-IIA, devo ressaltar que, devido ao quadro de desestabilização internacional do período anterior ao do objeto de estudos (cf. §3.2), há pouca (se alguma) evidência de textos escritos para o período (cf. §5.2; 5.3). Não há, portanto, textos literários que correspondam ao critério de fontes primárias, i.e., A pesquisa de Jack Goody (p.ex., 2012, p. 58) é bastante similar, nesse aspecto, tratando da 125

transmissão de mitos e as deficiências mnemônicas do sistema ritualístico oral.

Tal aspecto “mágico” tem sua faceta temporal, como bem lembrou Belting (2011, p. 36): “images are not 126

confined by their historical , medial, and technical contexts. All images carry a temporal form within themselves, but they are also in the final analysis as ‘anachronistic’, as outside time we are ourselves”.

documentos datados por princípios materiais e critérios arqueológicos, cuja origem se deu durante ou pouco após os eventos informados (UEHLINGER, 2005, p. 283). Por aspectos materiais — i.e., tipológicos e arqueológicos —, os textos da região (cf. §5.3), além de não comporem “textos literários” stricto sensu, que não chegam sequer a

No documento Download/Open (páginas 82-94)