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Introdução ao problema

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INTRODUÇÃO: AS RAZÕES, OS OBJETIVOS E O ESCOPO DA INVESTIGAÇÃO

1.1 Introdução ao problema

O alvorecer da Idade do Ferro em Canaã viu a concentração de um grande número de assentamentos numa parte pequena e essencial de sua região montanhosa central. A área que os textos tardios da Bíblia Hebraica associaram ao lendário patriarca binyāmîn (heb. Benjamim , cf. Js 18.11-18), de fato, prosperou todas as vezes 1

que o poder de seus vizinhos Siquém (atual Tel Balâṭah) e Jerusalém (atual Al-Quds) desvaneceu . Essa gravidade peculiar ao redor do território nos entremeios da história 2

política do local parece evidente tanto no registro bíblico , quanto no arqueológico . 3 4

Além da proeminência política digna de nota, sua história religiosa é ainda mais atrativa, haja vista o texto bíblico designar ao menos cinco centros religiosos à região , um 5

número tanto significativo quanto atípico, segundo o próprio cânon da Bíblia Hebraica .6

Nesta pesquisa, sigo o aportuguesamento da ARA. No §Apêndice A há lista sinótica desses termos. As 1

transliterações de termos grego e hebraico seguem o The SBL Handbook of Style (SBL, 2014).

A partir de análises geológicas, hidrológicas (HOROWITZ, 1997), bio-climáticas (LEV-YADUN, 1997) e 2

etno-históricas (FINKELSTEIN 1997a, 1997b), Finkelstein (1994, p. 158-159; FINKELSTEIN; LEDERMAN, 1997, p. 5) propôs que, desde tempos ancestrais, as fronteiras da região foram determinadas, além desses centros, pela zona árida ao leste e reinos territoriais a oeste. O insight o fez propor que a história de assentamentos da região se deu de forma cíclica entre 1-2 mil. aEC (FINKELSTEIN, 2013, p. 6). Em perspectiva de longa-duração, esse mesmo movimento pode ser observado em outras épocas. Pelo 3

texto bíblico, p.ex., isso pode ser visto no momento da “Conquista da Terra” (Js 2-9), no início da monarquia (1Sm 8-13), o exílio judaíta (2Rs 25.22-23; Jr 40.6) e na reestruturação de Jerusalém (Ed 4). Modelos gravitacionais foram aplicados duas vezes na região: (1) Miller II (2005, p. 20, 29-30, 81-82) 4

testou a hipótese de “chefaturas complexas” usando a mobilidade de produtos e transferência de tributos entre sítios da região; e (2) Lehmann (2004, p. 158-164) analisou a relação entre as vilas sob o conceito de endogamia. Ambos assinalaram a gravidade populacional maior ao redor do platô.

Para Blenkinsopp (1972, p. 68-69) havia cinco templos: (1) santuário sem nome (1Sm 10.1); (2) gib’at 5

hā’elohîm (1Sm 10.5, 10); (3) Gilgal (1Sam 11.15); (4) Mispa (1Sm 10.24); (5) Nobe (1Sm 22.19). Langston

(1998), por sua vez, contabilizou onze locais de culto: (1) Jerusalem (?); (2) Geba/Gibeá; (3) Bete-Áven; (4) Betel; (5) Gibeão; (6) Gilgal; (7) Ramá; (8) Mispa; (9) Nob; (10) Quiriate-Jearim; (11) Anatote.

Me refiro aos templos considerados legítimos (p.ex., 1Sm 7.17; 9-10; 22.6; 1Rs 3.5 etc). Não há termo 6

técnico para templos na BH, mas metáforas. O DCH (v. 9, p. 367, 430), lista oito”: (1) bîrâ (heb. fortaleza, 1Cr 29.1); (2) bayit (heb. casa, 1 Sm 5.5; 1Rs 6.1); (3) hêkāl (heb. palácio, 1Sm 1.9); (4) ʿērek (heb. casa, Jó 28.13); (5) ṣĕbāʾôt (heb. santuário, 1Sm 1.3); (6) qōdeš (heb. santuário, Ez 45.3); (7) miqdāš (heb. santuário, Ex 25.8); (8) māqôm (heb. local, 2Rs 5.11). Adicionaria miškān (heb. habitação, Ex 20) e bāmâ (heb. lugar alto, 1Rs 3.4) e Langston (1998) adicionou: rāmâ (heb. altura, 1Sm 22.6) e gibʿâ (heb. colina, 1Sm 10.5). A BH indica santuários benjaminitas identificados com os termos bayit, bāmâ, rāmâ e gibʿâ.

Apesar da atratividade desses fatos à empreitada histórica, as práticas religiosas de Benjamim no início do Período do Ferro não foram rigorosamente estudadas. Enquanto é verdade que, desde a chamada de atenção de Yigal Levin (2004) e Phillip R. Davies (2007, p. 93-94) sobre a falta de estudos sobre o setor desde os anos 1960 (i.e., desde SCHUNCK 1963, 1992; cf. BLENKINSOPP, 1972), houve um interesse renovado na região, os estudos recentes lidaram prioritariamente com a história e memória política de Benjamim . O único estudo, ao meu conhecimento, que lidou com a história 7

religiosa nessa delimitação foi o de Scott M. Langston (1998), que investigou a questão sob um olhar filologicamente enviesado, mesmo quando tratou questões materiais.

No contexto da História das Religiões , acredito que duas tendências levaram à 8

esse estado. Em primeiro lugar, há uma predisposição acadêmica à negligência de pequenas unidades do “Antigo Israel” em prol de reconstruções generalizantes que assumam uma “distinção israelita” . É possível que isso se derive de idiossincrasias do 9

campo de estudos que se convencionou chamar “História da Religião do Antigo Israel”. Visto que o próprio conceito “Antigo Israel” é um construto acadêmico criado pela Exegese Bíblica (DAVIES, 2015), os produtos dessa empreitada geralmente mantém as linhas-guias da narrativa bíblico-canônica seja na periodização (p.ex., ALBERTZ, 1994; HESS, 2007) ou mesmo nas (hipotéticas) fontes textuais (p.ex., WELLHAUSEN, 1885; HARAN, 1978). Ademais, por ter nascido num ambiente textocêntrico (BONFIGLIO, 2017, p. 444), a disciplina recebeu marcas indeléveis de polarização conceitual em suas reconstruções acadêmicas (STAVRAKOPOULOU, 2013; UEHLINGER, 2015, 2019).

Apenas para mencionar alguns, cabe mencionar os estudos sobre a história (DAVIES, 2007; FAUST, 7

2006; FINKELSTEIN, 2015b; FINKELSTEIN; MAGEN, 1993; NA’AMAN, 2009a, 2009b; SERGI, 2017) e memória (p.ex., BLENKINSOPP, 2003, 2006; FLEMING, 2012; GIFFONE, 2018; KOFOED, 2011; MILSTEIN, 2016, p. 174-206; PARK, 2015) política da região. Enquanto os textos sobre a memória trazem uma palavra ou outra sobre a memória religiosa da região, os estudos históricos geralmente assinalam como impossível acessar à história religiosa da região. Não obstante, não seria exagero dizer que o lapso de estudos histórico-religiosos sobre a região tem influenciado mesmo os estudos históricos da região. Israel Finkelstein (2015a, p. 71, n. 6), p. ex., disse, em sua monografia sobre a história do “Reino do Norte”, não haver meios pelos quais identificar as divindades cultuadas nas montanhas no Ferro I, espaço onde o autor situa a antiga unidade política benjaminita. Para o autor, isso se deve às distorções deuteronomistas contidas no texto bíblico. Há uma fina ironia na asserção de Finkelstein, a julgar pelo fato de ser ele próprio o maior defensor do status de “High Court” (ing. tribunal supremo) da Arqueologia para a história de Canaã no Período do Ferro frente às fontes bíblicas (p.ex., FINKELSTEIN, 2015a, p. 65-68; cf. NA’AMAN, 2010a), uma posição que tendo a concordar.

Segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, apresentado pelo Senado Federal (2014, p. 29), o 8

uso da primeira letra maiúscula é opcional em campos do saber, como cursos e disciplinas. O utilizo para facilitar a visualização dos termos disciplinares durante o decorrer desta pesquisa.

Faço ressonância ao estudo de J. Assmann (1997), que notou o conceito de “distinção mosaica”, i.e., a 9

distinção entre religião verdadeira e falsa elaboradas no monoteísmo ocidental sobre a figura de Moisés. A dicotomização da religião israelita e canaanita, p.ex., parece seguir esse mesmo modus operandi.

A segunda tendência é aquela que prioriza padrões recorrentes e gerais em lugar de práticas localizadas. Mesmo com esforços pontuais para destacar padrões locais (p.ex., BECK, 2000; UEHLINGER, 2006) ou dimensões pessoais e domésticas da religiosidade antiga (p.ex., ALBERTZ; NAKHAI; OLYAN; SCHMITT, 2014; BODEL; OLYAN, 2008; STAVRAKOPOULOU; BARTON, 2013; TOORN 1996), o maior número de reconstruções que lidaram com a História da Religião de Canaã no primeiro milênio 10

aEC favoreceu as conexões e não peculiaridades regionais (p.ex., GGIG; ZEVIT, 2001; ALBERTZ; SCHMITT, 2012; HUNDLEY, 2012). As diferenciações feitas, geralmente, se constroem sobre problemáticas distinções étnico-políticas (p.ex., “filisteu”, “edomita”, “israelita” etc) e não em práticas localizadas. Esse procedimento implica não apenas problemas de ordem metodológica, mas evidencia tentativas de dicotomizar evidências em prol de agendas contemporâneas (cf. HUDSON, 2018; UEHLINGER, 2006; 2019).

1.2 Relevância da investigação

Além do manifesto ineditismo desta investigação, perguntar sobre as práticas religiosas do platô de Benjamim também é relevante pela centralidade do questionamento às disciplinas História da Religião e Exegese da Bíblia Hebraica.

Convém dizer, primeiramente, que além do mencionado movimento incomum de sítios da região, parece certo que o local teve importante papel no surgimento do (segundo? terceiro? ) Israel (FAUST, 2006; FINKELSTEIN, 2015a, p. 65-68), aspecto 11

ressaltado pela formulação do título desta pesquisa. Como relembrei acima, o conceito de “Antigo Israel” não é meramente central à investigação exegética da BH, mas pode ser considerado uma lente que amplia ou ofusca os estudos da área (DAVIES, 2015). A história religiosa do local, portanto, se torna fundamental pela necessidade de estudos históricos que sustentem interpretações literárias advindas do cânon da BH.

Com relação à História da Religião, um outro aspecto deve ser mencionado é o peso da história religiosa desse mesmo (construto acadêmico chamado) “Antigo Israel” sobre a civilização ocidental contemporânea. Aspectos como monoteísmo (ASSMANN, J., 1997; cf. SMITH, 2001, 2002, 2010) e o próprio conceito de “religião” (ASAD, 1993; Utilizo a nomenclatura “Canaã” ao tratar da região histórica que abrange minha pesquisa e os termos 10

“Israel/Palestina” para designar esforços contemporâneos de pesquisa no local. Sobre as dificuldades do uso do termo “Israel” na pesquisa acadêmica, cf. §2.1.2.2, abaixo.

É difícil precisar qual o início de Israel frente às evidências escritas, que poderiam nomear movimentos 11

populacionais na região montanhosa central. O texto de Merneptah geralmente não é levado a sério, visto que denota a destruição de uma entidade que, depois, se tornou pólo político da região, citado na epigrafia. Para o problema do primeiro ou segundo Israel, cf. FINKELSTEIN, 2019; KNAUF, 2016.

cf. UEHLINGER, 2018, p. 138-139), centrais ao arrazoado da História da Religião, são fundamentados sobre processos históricos que se originaram nesse pequeno pedaço de terra, apesar das óbvias distorções nesse processo (UEHLINGER, 2019, p. 117-119). Seria conveniente, senão mera manifestação de justiça poética, discutir a requerida desnaturalização e problematização do conceito “religião” a partir dessa região.

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