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Khirbet Hayian (MR 17570.14640)

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CULTURA MATERIAL E O PLATÔ DE BENJAMIM NO FERRO I-IIA

Artefato 3.7 Morteiro cosmético, R616/622, en-Nasḅeh

3.3.2.10.3 Khirbet Hayian (MR 17570.14640)

Khirbet Hayian foi escavado por Joseph A. Callaway e Murray B. Nicol (1966), em 1964. Os arqueólogos procuravam identificar a cidade com a possível Ai bíblica (cf. §3.3.2.3.2; 3.3.2.6.2). Entretanto, o sítio rendeu apenas achados do período romano e otomano, o que levou ao abandono das escavações. Entre os achados, destacam-se terraços, colunas, a tumba de um sheik, cisternas, cemitérios e lagares. Os resultados foram confirmados pelo levantamento de Finkelstein e Magen (1993, p. 36*), que só apresentou evidências do período helenístico em diante (cf. FINKELSTEIN, 2018, p. 43). 3.3.2.10.4 Nebi Samwil (MR 16720.13780)

Nebi Samwil foi escavado por Yitzhak Magen e M. Dadon, entre 1992-2003, sob os auspícios do Staff Officer for Archaeology in Judea and Samaria. O sítio já foi identificado no passado como: Ramá (1Sm 25.1; 28.3); a bama de Gibeão (1Rs 3.4); Be’eroth (Js 9.17); e Albright o identificou como Mispa. Ainda hoje sua identificação não é consensual. No levantamento de Finkelstein e Magen (1993, p. 46*), foram encontrados vestígios de edifícios, traços de reservatórios cortados na pedra e um mosaico. As escavações de Magen e Dadon alcançaram apenas cerâmica do Período do Ferro II, incluíndo impressões típicas dos sécs. 7 e 8 aEC — i.e., alças de jarra lmlk e

de padrão de roseta — e apenas em contextos Helenísticos, não sendo descobertas muralhas ou qualquer tipo de edificações do período (MAGEN, 2008, p. 1972-1973). 3.3.2.10.5 Khurvat Shilha (MR 18195.14090)

Khurvat Shilha foi escavada em 1981 por Amihai Mazar, David Amit e Zvi Ilan (1996; 1993; cf. FINKELSTEIN; MAGEN, 1993, p. 48*). Os arqueólogos encontraram uma estrutura do período do Ferro II e propuseram três interpretações sobre a função e história da estrutura: (1) forte judaíta protegendo a estrada para Jericó; (2) caravançarai para viajantes da estrada; ou (3) empreendimento privado ou estatal. O sítio parece ter servido a fins estratégicos ou logísticos aos judaítas. Seu posicionamento dá acesso às duas principais estradas para a região central de Benjamim que, àquela época, pertenceria à unidade politica centrada em Jerusalém: (1) a primeira vai em direção à Beitin, passando por Deir Dibwan, próximo a et-Tell; enquanto (2) a outra sobe de Jericó, passa por Khurvat Shilha, indo para Mukhmas (ar. Micmás), através de Khirbet ed-Dawwara. Essas estradas podem corresponder à antiga “Estrada do Deserto” (heb. derek hammidbār, cf. Js 8.15; Jz 20.42) (MAZAR; AMIT; ILAN, 1996, p. 193).

3.3.2.11 Excurso: sobre a pertença territorial de Khirbet Qeiyafa 217

A ênfase regional do culto israelita no Ferro I, assim como as características materiais comuns entre Benjamim e outros sítios na época, voltaram à pauta com as recentes escavações no sítio Khirbet Qeiyafa, na Sefelá. O sítio se notabilizou primeiramente em 1868, nas explorações do pesquisador francês Victor Guérin, que a descreveu como “matagal numa colina com os restos de uma vila sem importância”. Em 1883, dois oficiais britânicos, Claude R. Conder e Horatio H. Kitchener descreveram o lugar como um “montão de pedras” (KELLEY, 2016a). Da identificação, apenas o nome Khirbet Kaiafa foi ressaltado por Guérin, enquanto os oficiais britânicos o chamaram “Khurbet Kiafa”, cuja tradução seria “as ruínas do rastreamento de pegadas”. Na arqueologia histórica do século XX EC o sítio foi deixado de lado por grandes pesquisadores como W. F. Albright, B. Mazar, Y. Aharoni e Z. Kallas (GARFINKEL; GANOR, 2008, p. 2). Nas décadas de 1980 e 1990, levantamentos foram conduzidos por Yehudi Dagan e Z. Greenhut (DAGAN, 2009, p. 69). Dagan identificou, em 1992, a cidade como a bíblica Aditaim, mencionada em Js 15.36. Ganor pressupôs, para a identificação, que os topônimos de Js estão organizados geograficamente.

Os resultados principais e uma síntese foram publicadas em: CARDOSO, S., 2017a, p. 233-246 217

O interesse se renovou em 2005, quando Ganor notou estruturas do Período do Ferro no local. Em 2008, Ganor e Garfinkel começaram as escavações, financiados pelo Instituto de Arqueologia da Universidade Hebraica de Jerusalém. Nessa primeira fase, foram identificados dois portões, um de quatro câmaras, junto a uma muralha casamata e dois edifícios, na parte oeste do sítio (Área B), e o outro na parte leste do sítio (Área C). O achado do segundo portão foi fundamental à identificação de Garfinkel e Ganor (2008, p. 2). Eles, que em 2007 haviam identificado o sítio como Azeca (DAGAN, 2009, p. 78), perceberam a particularidade dos portões e o identificaram com Saaraim (Sha`arayim), que significa “dois portões”. Segundo eles, Qeiyafa é a única cidade em Judah e Israel com dois portões, nome já sugerido por D. Adams (Concordia Seminary) e A. Rainey (Tel Aviv University) (GARFINKEL; GANOR, 2008, p. 3).

Na’aman (2008b, p. 2-5), refutou a identificação com Saaraim, demonstrando que o sufixo “ayim” em topônimos não é um dual, mas pode ser final locativo na forma nominal. Também ressaltou que o portão encontrado poderia nem mesmo ser um portão. E, em outro artigo, propôs a identificação da cidade com a bíblica Gob (NA’AMAN, 2008a). A proposta utiliza o mesmo arrazoado da identificação de Khirbet Qeiyafa: a citação bíblica das cidades próximas ao Vale de Elah (BJ: Vale do Terebinto) de confronto com os filisteus. Entretanto, ao invés de utilizar a narrativa de 1Sm 17.1-2, orienta-se pelo texto de 2 Sm 21.18-19 . A razão para a mudança é que o texto de 218

1Sm teria sido escrito depois da consolidação de Judah, quando Soco e Azeca já eram cidades judaítas, e retratariam uma realidade posterior. Todavia, ele acentua que as duas versões do combate com Golias podem ajudar a recuperar uma história mais antiga. Pressupondo a redação tardia da história entre Davi e Golias, Na’aman sugere que o enfrentamento entre Elcanã e Golias representa um estrato anterior de memórias com topônimos antigos, ainda mais notando-se a ligação entre os relatos .219

Em artigo mais recente, Yigal Levin (2012) propôs a identificação da cidade com o termo hebraico “maʿgāl”. Para ele, a relação com 1Sm 17 continua a ser evidente, entretanto, não como topônimo do local, mas com uma descrição de um posto militar, Outra razão para suspeitar da identificação com Saaraim foi levantada por Finkelstein e Fantalkin (2012, 218

p. 48), que disseram que o séc XI aEC seria uma data demasiadamente próxima para escrita da história. A leitura regressiva, conceito de Marc Bloch, seria um método mais apurado (FINKELSTEIN, 2007, p. 9-20; cf. KAEFER, 2014).

Para Na’aman (2008a, p. 3-4): (a) os dois relatos trazem o guerreiro israelita como PERSONAGEM 1 219

(Davi, Elcanã) filho de PERSONAGEM 2 (Jesse, Ya`are/Ya`ir) o Belemita; (b) o guerreiro filisteu é introduzido pelo nome completo, Golias de Gate; (c) a arma de Golias é descrita com as mesmas palavras. Muitos, assim, assumem que uma real identidade de Davi seja Elcanã e o nome Davi fosse um título ou nome de reinado ou, mesmo, um local. O relato de 2Sm seria o mais antigo.

cuja pertença étnica não seria clara. Ele demonstra que a palavra maʿgāl surge em 1Sm 17.20, sendo variante de לגע, que significaria “circular” (1Rs 7.23) ou “bezerro” (Ex 32.4; Mq 6.6; Ml 3.20 etc). Como o termo não existe na LXX, ele mostra que a palavra foi transliterada por Magala na Vulgata. Assim, alguns intérpretes, como Keel e Bar-Efrat, assumiram a incomum característica redonda do sitio, mesmo sem tê-lo conhecido. Isso levou Levin a assumir que Qeiyafa é descrito no texto de 1Sm 17.20.

A identidade étnica dos habitantes de Kh. Qeiyafa, tal qual sua filiação político- religiosa são dois dos assuntos mais discutidos da pesquisa recente. A pesquisa despontou em duas direções opostas: de um lado defensores da alta cronologia (Ferro IIA = c. 1000+ aEC ) e, de outro, da baixa cronologia (Ferro IIA = c. 925+ aEC ), 220 221

seguros nos resultados de Carbono 14 . Como era de se esperar , o primeiro grupo 222 223

defendeu a pertença judaíta, enquanto o segundo grupo defendeu a pertença norte israelita. Carecendo de uma reconstrução mais radical da história temos uma terceira via que propôs a pertença cananita e redação tardia. Um aparente consenso é de que o sítio não seja filisteu, tanto pela coleção faunal — i.e., pela percebida ausência de 224

ossos de porco — quanto pela arquitetura. Portanto, a disputa fundamenta-se na interpretação da cultura material do sítio e compreensão dos textos bíblicos e correlatos . Uma dificuldade, porém, é que tais opiniões se fundamentam 225

exclusivamente em métodos comparativos, como padrões arquitetônicos.

Nadav Na’aman (2010b) e Ido Koch (2012) defenderam que o sítio tivesse pertença cananita. A partir do pressuposto de que houve um reflorescimento cananita que modificou as cidades-estado do Bronze Tardio, especialmente nos vales do norte, transformando-as em novos centros no Ferro I, a “Nova Canaã” , o autor demonstra 226

que a interação entre filisteus e cananitas, além de israelitas/judaítas, tem sido negligenciada, mesmo ressaltada no texto bíblico (1Sm 23.1-13; 27.8-12; 13.17-18 etc). Ele expôs, assim, seus principais argumentos: (1) o planejamento do sítio e fortificação,

Assumida por Garfinkel em GARFINKEL; KANG, 2011, p. 171-183. 220

Cf. a discussão entre Israel Finkelstein (1996a, 2005; FINKELSTEIN; PIASETZKY, 2011) e Amihai Mazar 221

(1997, 2005, 2011, 2015a).

Sobre a dificuldade de datação via C14, cf. SINGER-AVITZ, 2009. 222

Sobre as alcunhas “minimalista” e “maximalista”, rótulos de oposição, cf. FINKELSTEIN, 2007; 223

MENDONÇA, 2015. Sobre a posição de Garfinkel, cf. GARFINKEL, 2011a, 2011b.

Embora a ausência de ossos de porcos seja uma marca distintiva aos sítios imediatos da filístia, há 224

ausência de ossos de porcos em sítios no coração da filístia Cf. a discussão abaixo. Especificamente a receptividade ou rejeição do conceito de Monarquia Unida. 225

Na’aman não considera a destruição do sistema. Sobre a proposta do início e destruição de uma “Nova 226

com muralhas casamatas seria característico de Moabe e, posteriormente, de Benjamim; (2) arquitetura, com um único edifício com pilastras, que era característico de sítios das montanhas; (3) cerâmica, que não teria o collared rim-jar, típico das montanhas e, assim, se assemelharia mais à cultura material da Sefelá; (4) hábitos alimentares que não contemplavam o porco, sendo comum em populações com ancestrais pastoris e cananitas; (5) tradições literárias, que não seriam desenvolvidas na região montanhosa e todas seriam de sites cananitas; (6) semelhança com outros centros cananitas, como Tel Kinrot. A posição ao sul seria para a defesa contra filisteus.

Garfinkel (2011b, 2013) defendeu a pertença judaíta. Seus argumentos são: (1) o planejamento do sítio com cinto de casas adjacentes ao muro da cidade e formando uma casamata, como em Tell en-Nasḅeh, Tell Beit Mirsim e Beersheba; (2) hábitos alimentares distintos dos filisteus, que não contemplavam porco e assadeiras com tipologia diferente dos filisteus; (3) administração, com mais de 600 alças com impressões [stamped jar handles], que seriam encontradas em Judah; (4) escrita e linguagem, que teriam, p.ex., três palavras em hebraico; (5) localização geopolítica, que faria fronteira entre Judah e Filístia, observando o Vale de Elah, principal rota da planície costeira para a região montanhosa de Jerusalém, Belém e Hebron e a 12 km de Gate; (6) culto, sobre o qual teriam encontrado dois “modelos de santuários”, estes achados no templo perto ao portão principal, tendo porta proporcional à porta do Segundo Templo, uma decoração de três quatros escalonados e sete grupos de triglifos (vigas do teto com três pranchas, cf. 1Rs 7) e, também, não teriam sido descobertas estatuetas antropomórficas, como em Megido, Jezrael, Hasor e Filístia.

A proposta de Garfinkel ganhou força com os estudos de seu aluno, Peter Hagyo- Kóvacs (2012, p. 6-7; 2013). Baseado nos modelos criados por Yigal Shiloh, em 1978, ele argumentou que o modelo de construção de Qeiyafa era forma de política pública judaíta no Ferro II (alta cronologia). Shiloh teria enxergado quatro características das construções israelitas : (1) sistema de fortificação com muralhas de casamata; (2) 227

cinturão exterior de edifícios; (3) rua circular em formato de anel; (4) centro circular da cidade. Ele tentou demonstrar, com isso, que o modelo originário das montanhas, seria pertencente ou a Judah ou Israel. Entretanto, ao contrário de Finkelstein (abaixo), ele propõe a pertença judaíta pela lógica geográfica.

Ing.: “1) a casemate wall fortification system; 2) an outer belt of buildings;3) a circular ring road; and 4) a 227

Finkelstein e Fantalkin (2012, p. 38-63) e Finkelstein (2015a, p. 76-84) propuseram a pertença norte-israelita. Seus argumentos partem, primeiramente, de refutações de três proposições dos últimos autores, para ele: (1) a cerâmica é típica da região entre Sefelá e terras altas (contra SINGER-AVITZ 2010, 2012); (2) os hábitos alimentares já não iluminam mais a pertença, de acordo com novos estudos zooarqueológicos ; (3) 228

pela escrita e linguagem é difícil de se determinar a pertença, visto não haver certeza de ser hebraico ou proto-cananita e pela tradição da escrita proto-cananita na Sefelá (BEARMAN; CHRISTENS-BARRY, 2009; MILLARD, 2011; ROLLSTON, 2011) . Os três 229

tópicos, assim, não contribuem para a identificação. Para eles, Israel e Judah são os únicos candidatos. Embora Judah seja mais próxima, a região era distante do centro político e pouco habitada, não tendo mão de obra suficiente para a construção da fortaleza. Também, não teriam sido encontrados outros sítios fortalecidos de pertença Judaíta no período. Finkelstein associa Qeiyafa à entidade norte-israelita Gibeão/Gibeá, por quatro motivos: (1) densidade habitacional da região, com mão-de-obra necessária à construção; (2) a região do platô de Gibeão-Betel, mesmo pequena, possuía forte concentração de muralhas casamata; (3) a fortificação explicaria a presença indevida de Saul no Vale de Elah em 1Sm 17.1-3; e (4) a destruição repentina seria resultado da campanha do faraó egípcio Sheshonq I (cf. §5.3.1.11).

A partir da argumentação dos autores expostas acima, podemos enxergar o seguinte panorama, sobre a identificação e pertença territorial de Khirbet Qeiyafa:

Tabela 3.7 Pertença territorial de Khirbet Qeiyafa

Na’aman (Nova Canaã) Garfinkel (Judah/Davi) Finkelstein (Benjamim/Saul)

Identificação Gob, 2Sm 21 Saaraim, Js 15.36 Gob, mas impossível confirmar

Planejamento e fortificações: casamata ligadas a salas amplas Moabita (el-Lehun, Kh. Mudeyine Muarrajeh, Kh. Mudeyine Aliya, Kh. el- Muammariyya) e

Benjaminita (ed-Dawwara, Et-Tell, en-Nasḅeh)

Judaíta (en-Nasḅeh, Beit Mirsim, Berseba)

Moabita (el-Lehun, Kh. Mudeyine Muarrajeh, Kh. Mudeyine Aliya, Kh. el-Muammariyya), Amonita

(el-Umeiri), Benjaminita (ed- Dawwara’en-Nasḅeh), Neguebe

(Refed, Hatira)

Alimentação: s/

porco Não filisteu Não filisteu Também na Filístia: inválido

O não consumo de porco não é mais critério distintivo, visto que pesquisas zooarqueológicas recentes 228

mostram que também são raros nos sítios não israelitas das planícies do Ferro I e sítios rurais no centro da Filístia. Cf. FINKELSTEIN, 2015a, p. 77. Sapir-Hen, Bar-Oz, Gadot e Finkelstein (2013) demonstraram que a dicotomia é tardia, sendo e, o que teria sido primeiramente aplicado contra os filisteus, seria depois transferida aos norte-israelitas, que migraram quando da destruição assíria e visto o aumento do consumo de porcos em Israel no Ferro IIA. cf. LEV-TOV; PORTER; ROUTLEDGE, 2011.

Sobre a contínua administração cananita na Sefelá, cf. FINKELSTEIN; SASS; SINGER-AVITZ, 2008. 229

Alguns pontos da comparação não contribuem à identificação. Primeiramente, o debate sobre a coleção faunal do sítio (ossos de animais) é improdutiva, visto que recentemente foram descobertos outros sítios com a mesma característica fora dos conjuntos das montanhas e no centro da Filístia. Da mesma forma, a cerâmica. Ao mesmo tempo há consenso que se trata prioritariamente de uma coleção de “jarras com aro de colarinho” [collared rim-jars] da Sefelá e não Filístia, podem, com as “alças de jarros estampados” [stamped jar handles] remeter a uma tradição cerâmica mais antiga, reconhecida da Judah dos séculos IX-VII aEC. O layout pode ter surgido na Sefelá Superior, não respondendo à afiliação.

Sobre as muralhas e fortificações, a tradição arquitetônica é claramente não filistéia, mas foi interpretada de formas distintas. Na’aman e Finkelstein viram—na como cananita e benjaminita, enquanto Garfinkel defendeu a pertença judaíta. A análise de Garfinkel, porém, contempla apenas quatro sítios judaítas e um benjaminita (sem contar Kh. Qeiyafa), tornando seus resultados tendenciosos (cf. HAGYO-KOVACS, 2012). Entretanto, se utilizarmos tais resultados, associando-os à teoria de uma unidade politico-territorial norte-israelita nascente no platô de Gibeão-Betel (FINKELSTEIN 2015a), teríamos que puxar en-Nasḅeh e, talvez, Bete-Semes à unidade. Assim, teríamos en-Nasḅeh, Bete-Semes, ed-Dawwara (unanimamente benjaminita), como sítios da unidade Gibeão-Betel, enquanto Tel Beit Mirsim e Tel Berseba seriam judaítas. Entretanto, os últimos dois sítios foram escavados com métodos e pressupostos ultrapassados: Beit Mirsim foi escavada por Albright nos anos 1920 e a escavação de Berseba por Aharoni datou o sítio pelo sensacionalismo de sua época (cf. MANOR, 1992, p. 643). Assim, teríamos quatro cidades de pertença norte-israelita e duas de datação duvidosa, talvez posteriores ou talvez pertencendo a outras unidades políticas.

Cerâmica: sem coll..

r-j, com stamped j. h. Sem Collared Rim-Jar, característico da Sefelá Com stamped jar handles, Judah posterior Car. Sefelá: inválido Escrita: Óstraco Proto-cananeu, Sefelá Hebraico, de Judah. Sem consenso: inválido

Função e localização geopolítica:

Vale de Elah

Defesa dos cananeus (Tel

Kinrot) contra os filisteus. Defesa judaíta contra filisteus, proteção Jerusalém/Hebron/Belém

Defesa saulida (platô Gibeão-

Betel) contra os filisteus

Culto: sem estátuas

+ modelos templo ———— Culto anicônico monoteísta de Judah ————

Densidade pol. ———— Judah desenvolvida Benjamim desenvolvida

Para Finkelstein e Fantalkin (2017), após as pesquisas anteriores, é mais do que certa a filiação territorial nortista do sítio. O fundamento para tal asserção, como apresentado na discussão acima, continua sendo a similaridade arquitetônica e a datação dos sítios da unidade política de Gibeão-Betel, entretanto, alguns dados foram adicionados na discussão com os recentes artigos sendo publicados: (1) a cerâmica tem traços encontrados no norte, como nas assadeiras do Ferro I/II e nos modelos de jarros com impressões que, ao contrário da opinião dos escavadores, não relembraria o modelo judaíta posterior (i.e., os jarros lmlk); (2) os dois modelos de templo [naoi] encontrados mostram em um caso um modelo nortista de tradição canaanita, com figura de leões e pássaros , e o segundo poderia ter traços fenícios; (3) a inscrição de 230

ʾIšbaʿal mostra uma tradição nortista de nomes com o final teofórico Baal, que só são encontradas na Filístia, Amon e Fenícia e jamais em Judah; (4) as casamatas, que foram comparadas pelos escavadores com Tell Beit Mirsim, Bete-Semes e Berseba, dois séculos tardias, seriam pertencentes à unidade política norte-israelita.

Essas posições demonstram que é lógico supor a pertença territorial de Khirbet Qeiyafa a uma entidade norte-israelita. Isso não quer dizer, entretanto, que a cultura material do sítio possa ser facilmente associada à unidade política benjaminita ou possa ser utilizada cegamente para reconstruir o culto. Mesmo que a opinião esteja correta, de que o forte foi construído e governado pelos saulidas, é um território de divisa, o que carregaria uma cultura material mesclada com itens regionais e 231

híbridos . Assim, antes de adentrar na conflituosa área do culto e práticas religiosas, é 232

importante demonstrarmos desenvolvimentos paralelos sobre a relação entre etnicidade e cultura material/literária do Israel Antigo.

3.3.2.12 Excurso: sobre a pertença territorial de Deir el-‘Azar (Quiriate-Jearim)

Deir el-‘Azar, localizado 10 km a oeste de Jerusalém, teve incursões limitadas por Francis T. Cooke (1923-1924, p. 105), no começo do século 20 EC, foi responsável pela sua identificação com Quiriate-Jearim. Além de Cooke, outras expedições foram realizadas (McKINNY et al., 2018, p. 38-45; FINKELSTEIN et al., 2018, p. 39-41). Em 1971, o sítio foi alvo do levantamento arqueológico de A. Mazar e Z. Kallai, com

Os escavadores defenderam a pertença judaíta por não haver zoomorfia ou antropomorfia no sítio. 230

O jarro de libação gemelar, p.ex., tem características que remetem à imagem de Refadim, deusa dos 231

gêmeos (talvez Sahar e Shalim com Asherah, do mito cananeu), cultuada na Sefelá desde o Bronze. Isso nos impede de fazer asserções precisas sobre o culto na região, sem a composição com outras fontes. Sobre um exemplo de hibridismo imagético em regiões fronteiriças, cf. HITCKCOCK; MAEIR, 2013. 232

resultados não publicados. Na década de 1980, Amir Feldstein realizou outro levantamento, encontrando 450 cacos representativos. Gabriel Barkay realizou escavação de salvamento entre 1995 e 1996, antes da construção de um edifício na região do convento de Our Lady of the Ark of the Covenant, abrindo 12 quadrículas (5 x 5 m) em duas áreas (A, B) que, embora só tenham encontrado resquícios arquitetônicos do Bronze Antigo II/III, Ferro IIB e Período Romano Tardio, visualizou habitações aparentemente contínuas entre Bronze Antigo II até hoje. Um levantamento arqueológico recente foi realizado por Boaz Zissu e Chris McKinny, além de estudantes da Master’s University, encontrando evidências de casas do Ferro IIB, Ferro IIC, Romano Antigo, Romano Tardio e Período Bizantino.

A cidade é considerada importante principalmente por seu retrato no texto bíblico. Ela recebe, no decorrer dos textos, outras designações, como Quiriate-Baal (Js 15.60; 18.14), Baalah (Js 15.9-10; 1Cr 13.6) (KOCH, 2017b). Como destaque, além de surgir nas listas de cidades de Josué em Judá e Benjamim (Js 15.9; 18.14, 28), ela foi o destino da “arca da aliança” (heb. ʾărōwn bĕrît) nas chamadas “narrativas da arca” (ing. ark narratives) (1Sm 6-7) (BLENKINSOPP, 1969). Sua pertença territorial é disputada no texto bíblico, ora aparecendo como judaíta (1Cr 2.50-53), como danita (Js 15.33; 19.31; Jz 13.25; 16.31; 18.2, 8, 11), gibeonita (Js 9; cf. Ne 7.29; Ed 2.25), benjaminita (Jr 26?). Esses textos parecem demonstrar que a cidade, além de possuir importância religiosa (p.ex., 1Sm 6-7; Jr 26), era considerada fronteira entre os territórios de Benjamim e Judá, além de, no Período Babilônio, Persa e Helenístico, ser enfatizada sua pertença judaíta, podendo conotar que antigamente era considerada uma cidade benjaminita (FINKELSTEIN et al., 2018, p. 33-38). Em relatos extra-bíblicos, ela notabiliza-se por sua possível aparição na estela de Karnak, referente à campanha de Sheshonq I na Canaã do séc. 10 aEC. Embora o nome leia-se Ḳdtm (25), já foi sugerido que o caractere hierático r foi confundido pelo d, transformando em Ḳrtm, que seria Qiryathaim ou QuiriateJearim (KITCHEN, 1973, p. 435, cf. §5.3.1.11).

Em 2017 uma expedição de maiores proporções foi iniciada no local. As chamadas The Shmunis Family Excavations at Kiriath-Jearim são um projeto conjunto

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