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Escopo de investigação

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INTRODUÇÃO: AS RAZÕES, OS OBJETIVOS E O ESCOPO DA INVESTIGAÇÃO

1.3 Escopo de investigação

A partir do panorama apresentado acima, estabeleço como objetivo central a compreensão das redes mágico-míticas do platô de Benjamim do Período do Ferro I- IIA . A caracterização, em detalhes, pretende responder o meu problema central de 12

pesquisa que, como atinei, pergunta sobre as práticas religiosas na região de Benjamim no período em questão. De igual modo, a forma como disponho meu objetivo geral pressupõe as duas hipóteses de trabalho sobre as quais organizo meu arrazoado, estas de respectivas ordens empírica e teórica: (1) houve um sistema simbólico-religioso identificável no platô de Benjamim no Período do Ferro I-IIA; (2) esse sistema simbólico- religioso pode ser visualizado a partir do conceito intitulado redes mágico-míticas.

Apesar de especificar a formulação e conceito acima dispostos no capítulo seguinte (§2), é importante elucidar alguns aspectos de antemão. É imprescindível notar que a minha pesquisa, que se iniciou no ano de 2015 com o objetivo de investigar o sistema cultural-religioso benjaminita no Ferro I-IIA, elencou uma série de problemáticas teórico-metodológicas. De forma geral, apesar de utilizar a teoria de Clifford Geertz (2015) como ponto de partida, me vi aprisionado pelos pressupostos ocidentais- cristãos de seu conceito antropológico (ou generalista, cf. ASAD, 1993) de religião, assim como notei as dificuldades da utilização diacrônica de seu conceito (cf. GOODY, 2012). Por conseguinte, embora mantenha os parâmetros inicialmente traçados, i.e., o A NEAEHL (v. 4, p. 1529) apresenta o Período do Bronze Tardio entre 1550-1200 aEC (IA: 1550-1450; IB: 12

1450-1350; IIA: 1350-1250; IIB: 1250-1200), enquanto apresenta o chamado “período israelita” entre 1200-586 aEC (IA: 1200-1150; IB: 1150-1000; IIA: 1000-900; IIB: 900-700; IIC: 700-586). O chamado “período israelita”, especialmente na transição do Ferro I-IIA, entretanto, é alvo de debates, pela proposta da “Baixa Cronologia” de Israel Finkelstein (1996a, 2005; FINKELSTEIN; PIASETZKY, 2011; cf. MÜNGER, 2005) e as reconsiderações de Amihai Mazar (1997, 2005, 2011, 2015a). Assim, a Baixa Cronologia apresenta o Período do Bronze Tardio entre 1550-1125/1100 (IA: 1550-1450; IB: 1450-1350; IIA: 1350-1300/1275; IIB: 1300/1275-1250/1225; III: 1250/1225-1125/1100) e o Ferro I-IIA em cinco períodos entre 1125/1100-800/775 (IA: 1125/1100-1050; IB: 1050-1025; IC: 1025-950/925; IIA antigo: 950-925/875; IIA tardio: 875-800/775). Conforme tratarei no terceiro capítulo (cf. §Tabela 3.8), classifico o período de estudo da seguinte forma: Ferro IA, c. 1125-1050 aEC; Ferro IB, c. 1050-1025; Ferro IC, c. 1025-950 aEC; Ferro IIA, c. 950-875 aEC. Cabe salientar que, ao contrário de Finkelstein (2015a, p. 22-23; cf. FINKELSTEIN; PIASETSKY, 2006, 2011), na presente pesquisa não foi possível distinguir três fases do Ferro I, pelo estado das evidências. Assim, a associação entre Ferro IB/IC é aproximada.

de fornecer como produto de pesquisa uma descrição e exemplos de práticas sob um sistema organizador sócio-psicológico — a “descrição densa” de Geertz —, procurei implementar o modelo considerando interações dialéticas entre estruturas objetivas e disposições estruturadas, seguindo passos de Bourdieu (2002). Outrossim, a tarefa me obrigou a considerar a produção de sentido dentre as fontes disponíveis, o que trabalhei da Teoria de Mídia de Vilém Flusser e Marshall McLuhan.

Em termos metodológicos, posso dizer que o objetivo de descrever as práticas religiosas do platô de Benjamim no Ferro I/IIA me levou à consideração dos seguintes objetivos secundários: (1) considerar os aspectos teórico-metodológicos na escrita de uma história da religião do platô de Benjamim; (2) descobrir qual religiosidade benjaminita pode ser visualizada em cada corpo de fontes; (3) elaborar uma síntese do que seria o sistema simbólico-religioso de Benjamim no período. Tais objetivos ou questões secundárias foram respondidas nos capítulos que compuseram esta tese.

No segundo capítulo, intitulado “reflexões para uma nova ‘História da Religião de Israel’” (§2), discuto reformulações que considero necessárias à construção de uma História da Religião de Israel, com o objetivo específico de examinar aspectos teórico- metodológicos necessários à história religiosa de Benjamim. Argumento, a partir da revisão crítica de obras seminais no campo da História da Religião de Israel (§2.1) que existem três reformulações centrais à renovação do campo: (1) a utilização crítica e historicamente construída do conceito de “religião” (§2.2.1); (2) a delimitação a partir de dados históricos não anacrônicos (§2.2.2); e (3) a hierarquização das fontes a partir de dados histórico-geográficos (§2.2.3). Em cada um desses tópicos, ofereço tanto observações teóricas, quanto metodológicas que julgo relevantes, i.e., tanto um quadro conceitual, quanto procedimentos e métodos de controle sob os quais o acesso aos dados poderia se fundamentar. Essas considerações, por fim, são condensadas sob um conceito localizado de redes mágico-míticas, que dá nome à tese (§2.3).

Os capítulos seguintes funcionam de forma monográfica e procuram responder a pergunta sobre qual religiosidade benjaminita pode ser visualizada em cada corpo de fontes. Dessa maneira, a partir da hierarquização de fontes traçada no capítulo teórico- metodológico (§2.2.3.2), exploro, nos respectivos capítulos sobre a cultura material (§3), cultura visual (§4) e cultura escrita (§5): (1) o tipo de fonte em sua forma peculiar de produzir sentido (§3.1-3; §4.1-3; §5.1-3), onde também apresento, quando necessário, uma breve descrição dos métodos e diferentes tipos de evidências encontradas no

registro de Benjamim (§3.1.2; §4.1.2; §5.1.2); (2) a história panorâmica sobre o tipo de entidade cultural na transição entre o Período do Bronze e do Ferro (§3.2; §4.2; §5.2); (3) as diferentes evidências histórico-religiosas para o período (§3.3; §4.3; §5.3). A partir disso, ofereço uma discussão em perspectiva local e, também, traço padrões de convergência e divergência em cada conjunto de vestígios (§3.4; §4.4; §5.4), para visualizar a autonomia ou dependência desse sistema simbólico-religioso.

A conclusão, que intitulei “redes mágico-míticas benjaminitas no Ferro I-IIA”, corresponde ao terceiro e último objetivo secundário, que consiste na elaboração de uma síntese do que seria o sistema simbólico-religioso de Benjamim no período. Assim, ofereço, além de uma sinopse dos capítulos anteriores (§6.1), uma reconstrução da história do plato de Benjamim no período (§6.2) e os resultados integrados de pesquisa, i.e., o que considero serem tais redes mágico-míticas (§6.3). Essa sessão, portanto, a partir da integração dos dados investigados da cultura material, visual e escrita de Benjamim, analisa os espaços e práticas religiosas (§6.3.1) e as crenças no platô de Benjamim (§6.3.2), seguindo meu conceito motor. Na sessão conclusiva, ainda exploro o retrato de alguns textos bíblicos sobre a “religião” de Benjamim no período (§6.4).

1.4 Sobre minha perspectiva antidisciplinar

À guisa de método, devo dizer que esta pesquisa é um esforço historiográfico antidisciplinar. Destarte, deve ser dito que uma abordagem interdisciplinar se justificaria pelo próprio objeto de estudo, os quais dificilmente seriam acessados por apenas um campo do saber. Mario Liverani (2016, p. 32), nesse sentido, foi perspicaz ao notar que “o historiador do Antigo Oriente é obrigado a ser, ao mesmo tempo, um arqueólogo de campo e um filólogo, em uma proporção desconhecida por outros setores que veem as competências mais compartimentadas em uma cadeia produtiva mais consolidada”. Para ele, isso se deve ao caráter “fronteiriço” da historiografia, pela “complexidade documentária e, sobretudo, pela complementaridade dos dados arqueológicos e textuais” que induzem “àquela globalidade da reconstrução (da cultura material à ideologia)”. Entretanto, enquanto assumo com Liverani — e, diga-se, com as Ciências da Religião —a necessidade de acessar o objeto por diferentes prismas, meu objetivo último foi alcançar uma antidisciplinaridade (OXMAN, 2016; cf. HILLIS, 2016).

Seria possível argumentar que minha pesquisa aborda o objeto sob vias disciplinares, dado ao número elevado de referências a diferentes campos do saber. Tal

peculiaridade, porém, é consciente. Ao propor seu conceito de “antidisciplinaridade” que visava fomentar a criatividade no campo do design, Neri Oxman (2016) demonstrou que o primeiro passo para a eficácia de um método antidisciplinar é a cartografia dos campos do saber, i.e., o ato de mapear as áreas do saber e respectivas interpelações ao fenômeno estudado, desvelando relações, oposições e hiatos. Esse levantamento permite notar de forma mais clara as contribuições de cada campo para que uma abordagem, quer “paralática” (i.e., sob diferentes prismas; cf. ZEVIT, 2001) ou “emaranhada” (ing. entangled) , seja possível. Utilizando o conceito biológico do ciclo 13

de Krebs, a autora diz que os campos intelectuais se retroalimentam, gerando, em último caso, inovação. Embora a hipótese de Oxman funcione no âmbito sincrônico, vejo com bons olhos seu insight. Utilizando o conceito de forma análoga à pesquisa religio-histórica, é possível dizer que o mapeamento de campos do saber coopera à pesquisa histórica para que o acesso ao passado se dê forma responsável, fugindo de anacronismos, ao mesmo tempo que diferentes perguntas potencializam descobertas.

É desnecessário, todavia, dizer que esse mesmo ímpeto de fugir de anacronismos em uma pesquisa histórica é tão inexequível quanto paradoxal, visto que a tentativa de fuga de anacronismos já se torna, por definição, uma prática anacrônica. Como disse Nicole Loraux (1992, p. 57), perguntar sobre a ação do historiador da Antiguidade no presente e pedir explicações aos seus contemporâneos já é uma infração de anacronia. Ao mesmo tempo, contudo, talvez seja ele, o temido anacronismo, chamado “pesadelo do historiador”, o maior impulso para a inovação historiográfica. A “audácia de ser historiador”, como a chamou Loraux (1992, p. 58), consiste justamente em “assumir o risco do anacronismo (ou, pelo menos, de certa dose de anacronismo), com a condição de que seja com inteiro conhecimento de causa e escolhendo-lhe as modalidades”.

É tal audácia que me faz assumir o risco de investigar três entidades culturais distintas, i.e., material, visual e escrita, interdisciplinarmente. Também, é sob esse risco que sigo o insight de Oxman para propor um quadro antidisciplinar. Oxman (2016) propôs seu “Ciclo de Criatividade de Krebs” a partir do mapeamento dos campos: (1) Arte (eixo: percepção; entrecruzamento: cultura e comportamento); (2) Ciência (eixo: percepção; entrecruzamento: natureza e conhecimento); (3) Design (eixo: produção; entrecruzamento: comportamento e utilidade); e (4) Engenharia (eixo: produção; entrecruzamento: utilidade e conhecimento). Em minha opinião, é possível fazer esforço

Para uma introdução à “Era do Emaranhamento” (ing. Age of Entanglement) digital, cf. HILLIS, 2016. 13

análogo na pesquisa histórico-religiosa, considerando (fig. 1.1, abaixo): (1) Antropologia Hermenêutica (eixo: percepção; entrecruzamento: natureza e conhecimento); (2) Estudos de Mídia, Literatura e Iconologia (eixo: percepção; entrecruzamento: cultura e comportamento); (3) Semiótica [+Cultural] e Arquitetura Histórica (eixo: produção; entrecruzamento: comportamento e utilidade); e (4) Sociologia e Estudos de Cultura Material (eixo: produção; entrecruzamento: utilidade e conhecimento).

Figura 1.1 Círculo de Criatividade de Krebs aplicado à pesquisa histórico-religiosa

Embora a organização e o próprio mapeamento sejam experimentais, eles se constituem em uma tentativa de elencar os quadros conceituais mais pertinentes ao meu objeto de pesquisa em prol de assumir os riscos controlados supramencionados. É dentro do ambiente desses campos intelectuais antidisciplinares que investigo cada conjunto de fontes, fornecendo-lhes análise ponderada. Tal crítica às fontes, como disse Le Goff (1992, p. 182-183) é o que torna uma história científica. Assim, da

supramencionada revisão crítica de obras do campo, me permito, em cada capítulo desta tese cujo objetivo principal é a análise de um corpus distinto de fontes, verificar as possibilidades e impossibilidades de criação de sentido histórico-religioso no tipo de fonte em questão. O esforço se justifica pela intenção de prover um meio de controlar a produção de sentidos das fontes e enquadrá-las sob suas características midiáticas.

Assim, a cada entidade que lido — i.e., material, visual e escrita — apresento a definição do que consiste e sob qual ótica cada elemento é apresentado, além de principais métodos e perspectivas de análise (§3.1.1; 4.1.1; 5.1.1), além de breve incursão aos elementos encontrados na região (§3.1.2; 4.1.2; 5.1.2). Minha intenção, dessa forma, é fornecer aos leitores e leitoras de áreas distintas subsídios para compreensão das análises e conclusões, ao mesmo tempo que explicito as escolhas teórico-metodológicas. Embora para um especialista em determinado campo tais descrições possam parecer por demais generalistas, elas são importantes para a leitura num espectro inter ou antidisciplinar. Obviamente, as introduções depreendem-se de julgamentos de valor e não são exaustivas. Isso se deve tanto ao espaço limitado para análises, quanto pelo implícito fator de exclusão do qual deriva-se toda delimitação. Assim, quando possível, busquei explicitar as exclusões conscientes.

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