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Histórico de interpretações

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CULTURA MATERIAL E O PLATÔ DE BENJAMIM NO FERRO I-IIA

Mapa 3.2 Sítios do Ferro I-IIA escavados em Benjamim (cor cinza escura)

3.3.2 Escavações de Benjamim no Ferro I-IIA

3.3.2.1.2 Histórico de interpretações

A parcialidade, assim como uma série de dificuldades técnicas na escavação, catalogação e interpretação dos achados, que muitas vezes mesclavam análise com interpretação religiosa (cf. DEVER, 1971, p. 465), levaram à frequentes contestações do relatório e, também, dos resultados das escavações. Dever (1971, p. 464) descreve a empreitada como “mistura acrítica (e provavelmente mesmo inconsciente) de fato e fantasia” que se constituiu de um “círculo vicioso no qual a evidência arqueológica é vista de forma ingênua com vendas bíblicas que então, de forma nada surpreendente, se transforma na confirmação de uma visão bíblica em particular” . Com relação ao 180

método, Israel Finkelstein e Lily Singer-Avitz (2009, p. 36) argumentam que o relatório foi escrito “sem planos detalhados e sem seções detalhadas de desenhos e não se pode conectar o desenho (ou fotografia) dos achados à sua proveniência exata” .181

Esses problemas devem muito à sua identificação como a Betel bíblica. Desde a primeira metade do século 19, o sítio foi identificado como Betel por Edward Robinson. Robinson e Smith (1856, Vol. I., p. 448-451) foram capazes de correlacionar a localização geográfica do sítio de acordo com o relato bíblico e as anotações de Eusébio de Cesaréia e Jerônimo. Além disso, os exploradores notaram a terminação árabe în em lugar do hebraico el. Yoel Elitzur (2004, p. 183), nesse aspecto, demonstrou mais recentemente que, pelas fontes disponíveis, o /l/ ainda era utilizado no tempo dos cruzados e sugeriu que o /n/ final tenha sido alterado apenas na Idade Média. Anson Rainey (2006, p. 269-273), mais recentemente, corroborou com a identificação, através da análise das fontes escritas e descrições topográficas da cidade. A identificação,

Veja, p.ex.: “It is now time to take up the patriarchal narratives of Genesis, for they seem to fit best into 179

MB I and II […] The key question has been wether or not Bethel was a holy site at that time. The question is now definitely answered in the affirmative, for we have not only the original Chalcolithic high place [sic], but the temple that succeeded it in MB I. So Bethel was both a city and a shrine before Abraham’s day.” (KELSO, 1968, p. 46)

Ing.: “The fundamental problem is the uncritical (and probably even unconscious) mixture of fact and 180

fancy […] a vicious circle in which the archaeological evidence is viewed naively with Biblical blinders on and then, not surprisingly, becomes confirmation of a particular Biblical view.”

Ing.: “There are no detailed plans and no detailed section drawings and one cannot connect the drawn 181

entretanto, fez com que os resultados (patrocinados por um seminário teológico americano) tentassem corroborar aspirações populares e midiáticas judaico-cristãs.

Os arqueólogos traçaram quatro fases do sítio (KELSO, 1968, p. 28-44; cf. KELSO, 1993, p. 193-194; FINKELSTEIN; SINGER-AVITZ, 2009, p. 34-35): (1) Período do Bronze Tardio, com duas fases, onde a primeira teve um bom trabalho de alvenaria e teria sido destruída por fogo entre os séculos 14-13 aEC, a segunda teve alvenaria mais simples e também foi destruída; (2) Período do Ferro I, com quatro fases, as três primeiras com construções e a quarta apenas com cerâmica, que demonstrariam, segundo Kelso (1993, p. 194) um notável contraste com a “cidade canaanita” (Bronze Tardio), visto terem casas que seriam apenas “casebres decrépitos” e com a cerâmica rústica; (3) Período do Ferro II, com múltiplas fases, mas cujas fases são confusas (cf. FINKELSTEIN; SINGER-AVITZ, 2009, p. 35), onde a cidade teria integrado comércio internacional (KELSO, 1993, p. 194); (4) Período Persa e Helenista, que teriam habitação parca nas primeiras fases e com o Período Helenista como uma cidade próspera.

Segundo Finkelstein e Singer-Avitz (2009, p. 37-42), os relatórios e achados analisados tipologicamente, poderiam ser divididos em cinco fases: (1) Período do Bronze Tardio, que seria correspondente ao Bronze Tardio II e Bronze Tardio III, mas cujos sinais de destruição não podem ser identificados nos relatórios; (2) Período do Ferro I, que teria sido habitado por bastante tempo e teria os principais tipos cerâmicos da época — i.e., jarro de armazenamento de aro de colarinho; potes de cozimento e aros alongados, além de crateras com múltiplas alças e cerâmica filistéia (FINKELSTEIN; SINGER-AVITZ, 2009, p. 37-38) —, que corresponderiam a duas fases, a primeira de provável abandono na mesma época de Silo (1050-1000 aEC) e a segunda relacionada a Khirbet Et-Tell e Khirbet Raddana até a metade do século 10 aEC; (3) Período do Ferro IIA, com fraca (se alguma) habitação nos períodos iniciais, e fraca presença na segunda fase do Ferro IIA ; (4) Período do Ferro IIB-C, onde o Ferro 182

IIB seria representado por cerâmica mista com tradições judaítas do séc. 8 aEC, cerâmica que continuou para o Ferro IIC, no século 7 aEC, período que o sítio teria experimentado esvaziamento e declínio; (5) Período Neo-Babilônico, Persa e Helenista, período que não apresentaria evidência clara de ocupação persa. Os autores (FINKELSTEIN; SINGER-AVITZ, 2009, p. 42-43) defendem que, no período estudado, não teria havido habitação contínua, mas oscilações, com atividade no começo e meio

O selo Beitin 3 (abaixo), pertenceria a essa fase, segundo Finkelstein e Singer-Avitz (2009, p. 39). 182

do Ferro I (final séc. 12 até final do séc. 11 aEC) e, depois, apenas no final do Ferro IIA (metade até segunda metade do século 9 aEC). O fortalecimento da cidade teria se dado no Ferro IIB (séc. 8, início séc. 7 aEC), com forte atividade nesse período.

A reconstrução de Finkelstein e Singer-Avitz foi criticada por uma série de pesquisadores (cf. LIPSCHITS, 2017, p. 237), pelo método de análise tipológica isolada e pela priorização da Arqueologia frente às fontes históricas (cf. NA’AMAN, 2010a) e, também, pelos resultados obtidos. Segundo Oded Lipschits (2017, p. 239), Finkelstein e Singer-Avitz falharam ao não associar a cerâmica aos contextos de achados — o que seria típico de um levantamento arqueológico e não de uma escavação (cf. §4.1.1.1.1, 3.1.1.1.2) —, negligenciando o fato que o centro do tell não teria sido escavado. De igual modo, falhas de catalogação dificultariam uma reconstrução dessa magnitude, que só seria possível com técnicas mais apuradas e maior tempo de pesquisa.

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