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Espaços cúlticos

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CULTURA MATERIAL E O PLATÔ DE BENJAMIM NO FERRO I-IIA

3.1.2 Elementos da cultura material de Benjamim no Ferro I-IIA

3.1.2.1.4 Espaços cúlticos

Assim como a identificação de espaços residenciais, a identificação de espaços cúlticos é problemática. Além do problema do conceito de “religião” empregado, que pode ser prejudicial (cf. §2.1.1; 2.2.1), há certa ambiguidade no registro, tanto pelas evidências disponíveis, quanto pela subjetividade dos métodos empregados para sua identificação. Como mencionei acima, para Hundley (2013, p. 12; cf. STOWERS, 2008, p. 11), templos podem ser reconhecidos por serem “similares o suficiente para serem significativos e compreensíveis a humanos, mas ainda assim diferentes o suficiente para se adequarem à deidade” , enquanto que, para Nakhai (2001, p. 170) e Albertz e 152

Schmitt (2012, p. 57), as funções cúlticas estariam mais conectadas à coleção de artefatos de caráter não instrumental ou cotidiano, seja por ornamentações ou uso.

Colin Renfrew e Paul Bahn (2016, p. 413-420), nesse contexto, definem a “arqueologia do culto” (ing. archaeology of cult) como “o sistema de ações padronizadas em respostas a crenças religiosas” . O reconhecimento de tais padrões 153

e atividades, segundo os autores, se dariam por quatro componentes geralmente associados às práticas religiosas e/ou ritualísticas: (1) foco de atenção, pressupondo que rituais exijam um alto envolvimento, este que pode ser notado por locais de Ing.: “similar enough to be meaningful and comprehensible to humans, yet different enough to be 152

appropriated for the deity”.

Ing.: “the system of patterned actions in response to religious beliefs”. 153

associações peculiares, um edifício separado (templo), equipamento para ritual, símbolos repetidos (critério da redundância); (2) zona fronteiriça deste mundo com o além-mundo, assumindo divisões entre a natureza “natural” e a “sobrenatural”, que podem ser notados com áreas de rituais, conceitos dicotômicos, como impureza e pureza, sagrado e profano etc; (3) presença da deidade, pressupondo a presença material ou imaterial da divindade, esta que pode ser notada pelo uso de imagens cúlticas, símbolos ritualísticos, ritos de passagem etc; (4) participação e oferendas, pressupondo que rituais envolvem presentes aos seres celebrados, estes que podem ser vistos na iconografia de objetos, equipamentos para induzir à experiência religiosa (como, p.ex., música, dança, êxtase), animais sacrificados, comida e bebida votivas, riquezas na produção dos materiais relativas à condição social dos celebrantes etc.

John S. Holladay Jr (1987, p. 251) teria sido o primeiro a defender o uso de coleções de artefatos ou “concentrações localizadas de vestígios de cultura material religiosamente significantes” para identificar “áreas cúlticas” (cf. HOLLADAY, 1987, p. 154

282, n. 1), o que o levou à sua divisão do culto de Israel e Judá em três níveis: santuários nacionais, santuários de vizinhança (ou locais) e santuários domésticos. Rüdiger Schmitt (2014; cf. ALBERTZ; SCHMITT, 2012), inspirado pelo trabalho de Holladay e utilizando uma divisão de itens inspirada por James B. Pritchard, dividiu objetos escavados em três categorias (ALBERTZ; SCHMITT, 2012, p. 57-74): (A) objetos não utilitários que sugeririam funções cúlticas (p.ex., incensários, altares em miniatura, estatuetas etc); (B) objetos não utilitários que não carregam aspectos tipicamente religiosos, mas que foram encontrados em coleções de artefatos considerados religiosos (p.ex., vasilhames de luxo, objetos de adorno pessoal, peças de jogos etc); (C) demais objetos. Isso o levou à identificação de oito níveis de culto (SCHMITT, 2014, p. 279-280): IA. Culto doméstico: a casa como espaço de atividades rituais; IB. Santuários domésticos: locais permanentes de culto nas casas; II. Cultos relacionados ao trabalho: locais/artefatos de cultos em ambientes de produção em formatos similares aos encontrados nas casas; III. Santuários de vizinhança: pequenos, integrados a estruturas domésticas; IV. Locais de culto aos mortos: tumbas/grutas vazias com artefatos rituais; VA-C. Santuários em Vilarejos, lugares altos e santuários de portões: similares aos santuários de vizinhança, mas em espaços independentes; VI. Santuários em Palácios: salas em palácios com aparato

Ing.: “Localized concentrations of religiously significant material culture remais”. 154

típico de culto, como plataformas e altares típicos de culto; VII. Santuários regionais: locais de encontro entre múltiplas cidades, podendo ser em locais abertos (modelo VIIA) ou fechados (VIIB); VIII. Santuários supra-regionais: que agregavam todo o estado, como o de Jerusalém e Samaria (não encontrados arqueologicamente).

Ainda que sua tipologia tenha sido criticada por não examinar “aspectos mais profundos” da religiosidade estes que, segundo Mazar (2015b, p. 25-55), seriam melhor representados pela evidência textual, sua tipologia oferece tanto uma boa leitura das evidências disponíveis, quanto sugere um ambiente de profunda dinamicidade na religiosidade da região, como outros trabalhos anteriores haviam previstos (p.ex., NAKHAI, 2000; ZEVIT, 2001). E é possível que a própria ausência de templos supra- regionais — como também de tumbas, cf. §3.1.2.1.3 — possa ser uma marca religiosa da região montanhosa central no Período do Ferro I-IIA (FAUST, 2019).

3.1.2.2 Artefatos

Como mencionei, os principais elementos encontrados nas escavações siro- palestinenses são elementos de alta durabilidade, dos quais a cerâmica ocupa lugar especial. Os principais artefatos cerâmicos da região montanhosa central, nesse aspecto, são (MAZAR, 2015a, p. 9) : (1) potes de cozimento (ing. cooking pots); (2) 155

jarros de armazenamento (ing. storage jars); e (3) pithoi. Segundo Mazar (2015a, p. 9), esses objetos eram geralmente fabricados na roda de oleiro, enquanto pithoi eram possivelmente manufaturados. Potes de cozimento também podem ter sido fabricados à mão em alguns casos, com uma técnica de moldagem de argila específica.

Os ítens que costumam ser classificados como “cúlticos” seriam (MAZAR, 2015a, p. 19-21): (1) suportes cúlticos e tigelas (ing. cultic stands and bowls); (2) recipientes para libação (ing. libation vessels); (3) crateras e jarras (ing. kraters and jars); (4) máscaras (ing. masks); (5) modelos de templos (ing. model shrines); (6) recipientes votivos (ing. votive vessels); (7) suportes de parede (ing. wall brackets). Abaixo descrevo Utilizo nesta pesquisa as seguintes traduções de artefatos cerâmicos: (1) o termo português “pote” 155

traduz o inglês pot, sendo “a container, usually round and deep” (KIPFER, 2007, p. 249); (2) o termo português “jarro” traduz o inglês jar, sendo “a wide-mouthed cylindrical container made of glass or pottery (KIPFER, 2007, p. 159); (3) o termo português “cântaro” traduz o inglês jug, sendo “a deep container for liquids, with a narrow mouth; a cylindrical container with a handle and a lip, for holding and pouring liquids” (KIPFER, 2007, p. 162); (4) o termo português “recipiente” traduz o inglês vessel, sendo “an object used as a container (especially for liquids)” (KIPFER, 2007, p. 333); (5) o termo português “tigela” traduz o inglês bowl, sendo a round, deep dish or basin” (KIPFER, 2007, p. 44); (6) botelha por “juglet”. Não traduzo os termos pithos/pithoi (sing./pl.) e pyxis/pixydes (sing./pl.), visto ser um termo grego adaptado aos mais diversos idiomas na pesquisa arqueológica.

brevemente os principais ítens que surgem em Benjamim e que são característicos do período e da região montanhosa central, a saber: (1) potes de cozimento; (2) jarros de armazenamento; (3) pithoi; (4) recipientes para libação; (5) crateras e jarras. Pelas especificidades da iconografia, terminologia e construção, tratarei de suportes cúlticos e modelos de templos no capítulo destinado à cultura visual (cf. §4.1.2.3).

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