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Argumentos teóricos incompletos e uso construtivo do silêncio como estratégias decisórias para o consenso

CORTE E DOUTRINA JURÍDICA: ATIVISMO E AUTOCONTENÇÃO COMO NOÇÕES CONTINGENTES NA TEORIA CONSTITUCIONAL

O MINIMALISMO DE CASS SUNSTEIN: O USO CONSTRUTIVO DO SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIA DA CORTE PARA A DEMOCRACIA DELIBERATIVA

3.2 Argumentos teóricos incompletos e uso construtivo do silêncio como estratégias decisórias para o consenso

Nos textos dedicados ao “projeto minimalista”, Cass Sunstein refere-se aos desacordos como o principal obstáculo na busca de um fundamento teórico ambicioso para uma decisão. Na sua construção teórica, parte do argumento recorrente de que é possível obter um acordo sobre as decisões particulares, ainda que haja discordância sobre as teorias que as justificam. Como solução, apresenta a possibilidade de que uma decisão teoricamente incompleta atinja um consenso que seria improvável nas decisões fundamentadas de forma

210 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 46-54.

211 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 5.

212 “1) Void-for-vagueness doctrine; (2) Nondelegation doctrine; (3) Clear statement rule; (4) Desuetude; (5)

Requiring justification of discrimination by actual purposes; (6) Requiring court decisions to employ public reason, e outros”. SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 27-28.

mais “ambiciosa”213. Como situação extrema de teorização incompleta, tem-se a hipótese das pessoas assentirem quanto a um resultado, embora discordem sobre o apoio racional para a decisão.

O objetivo do minimalista é, a partir do emprego desta “teorização incompleta”, atrair apoio de perspectivas as mais diversas – teóricas, metodológicas, filosóficas – para o resultado de seu julgado, sem comprometer as instituições e os debates futuros214.

A proposta passa, portanto, por uma “descida conceitual”, no reconhecimento daquilo que o autor adequadamente define como o “uso construtivo do silêncio”. O emprego do silêncio em algumas questões básicas transforma-se, para os minimalistas, num “dispositivo para a produção de convergência apesar do desacordo”, da incerteza, dos limites de tempo e de capacidade, e mesmo da heterogeneidade215.

Para Sunstein, o minimalismo espelha uma postura cautelosa, que pode ser identificada na própria vida cotidiana, típica das pessoas sensatas, que preferem tomar decisões que não comprometem aspectos futuros216. Reporta-se a um fenômeno mais amplo, que não se restringe apenas à interpretação do comportamento judicial e ao Direito Constitucional. Tampouco se limita ao Direito, sendo comum no universo político. Os líderes políticos, por exemplo, frequentemente tomariam decisões individualizadas e pouco profundas por razões práticas, mas também de princípio. São virtudes de humildade e respeito, vistas nesta “forma política do minimalismo”, como uma expressão de tolerância, em que os líderes tomam conhecimento da legitimidade das visões concorrentes217.

Assim, a teorização incompleta e o silêncio são tidos como uma importante fonte do constitucionalismo – em suas interações com o Direito e a Política, colaborando para seu sucesso.

Argumentos teóricos incompletos sobre princípios constitutionais e casos permitem a estabilidade social, especialmente quando se está diante de contextos em que há discordância sobre as questões públicas e privadas, como ocorreu na Europa após a II Guerra Mundial, cujas constituições somente teriam sido possíveis por conterem disposições amplas. Proporcionaram uma medida de reciprocidade e respeito mútuo, para que as pessoas não

213 SUNSTEIN, Cass R.. Beyond judicial minimalism. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n.

432, p. 01-25, set. 2008, p. 6.

214 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 3-ss.

215 SUNSTEIN, Cass R.. Beyond judicial minimalism. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n.

432, p. 01-25, set. 2008, p. 5-6.

216 SUNSTEIN, Cass R.. Beyond judicial minimalism. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n.

87 desafiassem os compromissos mais profundos dos seus concidadãos. Tal conduta seria especialmente condenável se praticada por funcionários públicos em geral ou pelos juízes. Já para os árbitros sociais, a vantagem é reduzir os custos políticos dos desacordos a longo prazo. Servem, ainda, para que a sociedade busque evolução e progresso através do tempo. No futuro, as idéias mudarão e os argumentos incompletos não engessarão o debate218.

Mas é no que se refere ao tribunal constitucional que o minimalismo assume uma pretensão descritiva, pois, como reconhece o próprio autor, constituíria uma estratégia empiricamente verificada, usada por determinados magistrados da Suprema Corte norte- americana na solução dos casos mais controversos e difíceis219. O atual Chief Justice Roberts, quando afirmou, em conferência na Universidade de Georgetown, que “a vantagem da unanimidade é que esta conduz a decisões mais estreitas” é constantemente citado pelo autor, para ilustrar sua tese, como exemplo de juiz minimalista220. Em diversos momentos, são descritas decisões “minimalistas”, e a Corte é cumprimentada por tê-las tomado221.

O minimalismo descreve um tribunal voltado à solução do caso concreto, que foge de fundamentos abstratos e do estabelecimento de diretrizes abrangentes. Busca-se atingir o consenso quanto às pequenas questões ou reduzir os custos da procura pelo acordo, abrindo espaço para deliberação dos atores no âmbito das instituições adequadas. Neste contexto, o juiz ou o tribunal tem um “senso de autoconhecimento ou autoconsciência”, voltado às características desta instituição, inserida num quadro de competências.

Por isso, trata-se de uma opção estratégica, de juízes que, reconhecedores de suas limitações, especialmente porque não podem prever as conseqüências dos seus julgados222, decidem, ao invés de adotar teorias complexas sobre as questões envolvidas, restringirem-se ao caso trazido à sua apreciação. Impede que o juiz atue em substituição aos processos democráticos, no exercício de uma atividade típica do legislativo (“’judicial lawmaking’ on

those issues”). O minimalismo, amparado em aspectos pragmáticos, reduz a probabilidade de

217 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009 (kindle, posição 3610/4418)

218 SUNSTEIN, Cass R.. Beyond judicial minimalism. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n.

432, p. 01-25, set. 2008, p. 9-11.

219 SUNSTEIN, Cass R.. Testing minimalism: a reply. Michigan Law Review, n. 104, I, p. 129-135, out. 2005,

p. 131.

220 Por todos, cf. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t

mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 42.

221 A Corte Rehnquist, por exemplo, é descrita como minimalista, em detrimento das declarações contrárias do

Judge Antonin Scalia, um dos mais importantes expoentes da defesa de um originalismo na interpretação constitucional. SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 3-4.

222 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

erro judicial, deixando a resolução de questões fundamentais sociais aos poderes políticos que tem competência para resolvê-las adequadamente. E constitui uma manifestação de respeito àqueles que não compartilham do entendimento que seria exibido pelo tribunal223.

Não por acaso, o minimalismo consiste, segundo Matthew J. Steilen, em três aspectos gerais, relacionados: ao reconhecimento, pelo tribunal minimalista, de sua própria posição epistêmica (epistemic position); à determinação de caraterísticas norteadoras do processo decisório (decisional characteristics) e, por fim, ao papel da corte no que se refere à política (political society). As características decisórias desempenhariam um papel entre a parte epistêmica e política224.

O tribunal sabedor de sua posição epistêmica reconhece a existência de desacordo razoável em uma sociedade heterogênea, é "intensamente consciente de suas próprias limitações”, tem receio de efeitos inesperados e preocupa-se em acomodar novos julgamentos sobre fatos e valores – ou, pelo menos, de manter-se aberto a estes. Já sua inserção no universo político permite que seus membros vejam-se como parte de um sistema de deliberação democrática, encarregados de promover a participação, o diálogo e a responsabilidade, de modo que se abra espaço para a reflexão democrática no Congresso e dos Estados.

Para acomodar esse duplo papel, é que se tem o minimalismo como teoria decisória, ao determinar que os juízes resolvam o caso, mas deixem muitas coisas não decididas; optem por razões “estreitas” e evitem o estabelecimento de regras claras e resoluções finais, a proporcionar decisões aptas a atrair apoio de pessoas com compromissos das mais diversas naturezas (moral, religiosa e filosófica e outros). Ademais, devem procurar consenso sobre questões específicas (particulares), para que suas opiniões sejam justificadas por teorias não abstratas225.

223 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 40-41, 259.

224 STEILEN, Matthew J.. Minimalism and deliberative democracy: a closer look at the virtues of 'shallowness'.

Seattle University Law Review, v. 33, p. 391-435, jan. 2010, p. 396-8.

225 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. IX-X, STEILEN, Matthew J.. Minimalism and deliberative democracy: a closer look at the virtues of ‘shallowness’. Seattle University Law Review, v. 33, p. 391-435, jan. 2010, p. 398.

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3.3 Minimalismo processual e substancial: da estreiteza e superficialidade aos

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