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A solução da dificuldade contramajoritária em Alexander Bickel: a importância das virtudes passivas na atuação da Suprema Corte

CORTE E DOUTRINA JURÍDICA: ATIVISMO E AUTOCONTENÇÃO COMO NOÇÕES CONTINGENTES NA TEORIA CONSTITUCIONAL

DOS PROCESSOS DEMOCRÁTICOS

2.2 A solução da dificuldade contramajoritária em Alexander Bickel: a importância das virtudes passivas na atuação da Suprema Corte

2.2.1 Para além do contra majoritarismo: a corte como guardiã dos princípios duradouros Alexander Bickel, em seu livro publicado em 1962, “The Least Dangerous Branch:

the Supreme Court at the Bar of Politics”, ao tentar compreender o papel da Suprema Corte e demais tribunais naquele sistema político, defendia que sua atuação se justificaria pela proteção dos princípios fundamentais da sociedade. Reconhecia, porém, que o sucesso da revisão judicial dependia, em última análise, da aceitação popular destas decisões. Para assegurar o amparo público para sua atividade e, ao mesmo tempo, desempenhá-la em acordo com estes princípios, a Corte deveria lançar mão das chamadas “virtudes passivas”, técnicas doutrinárias que a permitem postergar a apreciação de questões problemáticas até que a sociedade tenha tido tempo para lidar com elas125.

No livro citado, o autor toma emprestada a expressão de Alexander Hamilton, de que o Judiciário não ofereceria perigo aos demais poderes, para questioná-la, a partir de sofisticados argumentos. Segundo Bickel, a “revisão judicial é uma força contramajoritária no nosso sistema” e conseqüentemente, “uma instituição desviante na democracia americana”. Quando a Corte invalida os atos dos poderes sujeitos aos processos eleitorais, este controle é exercido “não em nome da maioria dominante, mas sim contra esta”, o que atribui à pequena

124 WHITTINGTON, Keith E. Herbert Wechsler's complaint and the revival of grand constitutional theory.

University of Richmond Law Review, n. 34, p. 509-543, may. 2000, p. 512-3.

125 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: The Supreme Court at the bar of politics.

Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 111-ss. Bickel já sustentava em artigo anterior que o tribunal, na apreciação de qualquer caso, não tem apenas as opções de anular o ato apreciado por sua inconstitucionalidade ou mantê-lo, mas pode se eximir de apreciar a questão. Conclamava seus membros a lembrarem desta terceira

57 minoria um poder de veto sobre a maioria126. Conforme o autor, "isso, sem conotações místicas, é o que realmente acontece"127.

Referidas expressões tornaram-se frequentes na discussão da legitimidade democrática dos tribunais. A caracterização da revisão judicial como uma força “contramajoritária” constitui-se num dos mais poderosos argumentos teóricos contrários à atuação das cortes. E, à primeira impressão, a união destes argumentos com a possibilidade de exercício das “virtudes passivas” – que implicam na não atuação judicial – parece invocar um libelo contra a fiscalização de constitucionalidade, consonante com a tradição de defesa da autocontenção.

A premissa contramajoritária, para Bickel, é o ponto de partida, uma moldura para o instigante debate sobre o papel específico da revisão judicial num sistema político. Logo, tenta buscar as notas distintivas da atividade da Suprema Corte e dos demais tribunais no exercício da sua atividade. Esta deve corresponder a uma função relacionada à elaboração de políticas, particularmente adequada às capacidades destes agentes, e substancialmente diferenciada da atividade exercida pelo Legislativo e Executivo128.

Na busca pela compreensão do lugar institucional da função judicial, o autor promove a distinção entre as decisões amparadas em princípios, a partir dos interesses nelas articulados. Não há um esclarecimento acerca destes princípios ou de seu conteúdo. Ao revés, o autor refere-se indiscriminadamente aos aspectos de princípio, à ética, à moralidade, como termos “evocativos”, que se aproximam da idéia que pretende descrever129. Procede, entretanto, à diferenciação entre os interesses imediatos e duradouros da sociedade, aos quais

opção. BICKEL, Alexander M.. The Supreme Court, 1960 Term—Foreword: the passive virtues. Harvard Law Review, n. 75, p. 40-75, nov. 1961, p. 43-ss.

126 Bickel, neste ponto, estrategicamente afasta o conflito “intergeracional” já presente nos Federalistas, ao falar

da minoria e da maioria “presentes”. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: The Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 17.

127 Conhecido por suas expressões de impacto, Bickel se referiu, respectivamente: "counter-majoritarian force in

our system", "a deviant institution in the American democracy", "it thwarts the will of representatives of the actual people of the here and now", "exercises control, not in behalf of the prevailing majority, but against it.", “That, without mystic overtones, is what actually happens”. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 16-18. A exposição das dificuldades a serem enfrentadas pela cortes e a recomendação da prudência para o desempenho da sua atividade constituem pontos importantes - mas não únicos, da intrincada contribuição do autor à formação de uma teoria normativa sobre o Direito Constitucional. Sua obra, caracterizada por frases inspiradas e construções inovadoras, apresenta algumas dificuldades na interpretação de sua colaboração. Este obstáculo, contudo, não impede a articulação de alguns pontos relevantes dos dois trabalhos aqui abordados, que ultrapassam a força “retórica” de suas expressões.

128 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 16-18.

129 “Principle, ethics, morality – these are evocative, not definitional, terms; they are attempts to enclose

meaning, no to enclose it”. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 199.

correspondem juízos amparados na conveniência/oportunidade (expediential) ou fundamentados em princípios (principled). Bickel extrai dessa separação o papel dos tribunais. No exercício da revisão judicial, a responsabilidade especial destes órgãos é agir como porta-vozes (“pronouncers”) e guardiões dos valores estáveis (“enduring values”) da sociedade.

O povo americano, segundo o autor, possuíria fé não apenas no princípio do consentimento do governado (representado no princípio da maioria), como também num processo de reforma moral contínua, que alinha a ordem social existente a um esquema de valores gerais, corporificado no instituto da revisão judicial130.

A “dificuldade contramajoritária” implica numa concepção democrática de representação, em que o exercício do poder depende da anuência do governado para ser legítimo. Como solução para este obstáculo, Bickel encontra na distinção entre interesses imediatos e estáveis a justificativa para a fiscalização de constitucionalidade. Se o autogoverno tem por finalidade atingir o bem comum, não há contradição com a idéia de que a boa sociedade não se satisfará apenas com o atendimento das “necessidades imediatas”, mas se esforçará “para apoiar e manter os valores gerais duradouros”131.

Isso não significa que os demais ramos de governo não abordem os valores permanentes em suas deliberações. Na verdade, considerações acerca dos princípios podem também desempenhar um papel importante ou mesmo determinante em suas decisões. Mas o Poder Executivo e o Legislativo estão sujeitos às pressões de vários grupos e interesses para a produção de resultados imediatos, por vezes tão influentes, que seus representantes preferem agir em acordo com as conveniências, ao invés de decidir conforme uma visão de longo prazo. Portanto, as questões mais urgentes, que surgem periodicamente, demandam julgamentos de conveniência, pois voltados às necessidades materiais prementes, tem uma arena preferencial, nos quais devem ser ouvidos de forma clara e irrestrita: o processo de elaboração da legislação132.

Contudo, a sociedade não pode atuar somente em conformidade com os interesses circunstanciais, pois possui valores estáveis que devem ser preservados, e apenas os tribunais – especialmente a Suprema Corte - são dotados das características essenciais para articular

130 Neste sentido, assemelha-se à já comentada “dualidade” de seu contemporâneo Robert MC Closkey, que

entende haver duas noções contraditórias que caracterizam politicamente o direito constitucional norte- americano.

131 “The good society not only will want to satisfy the immediate needs of the greatest number but also will strive

to support and maintain enduring general values." BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 27.

59 esses valores de forma contínua e consistente. Seus membros, afastados dos embates de interesses, possuem a formação e o isolamento necessários para “seguir os caminhos do erudito na prossecução dos fins de governo”133. E a atividade da corte deve basear-se unicamente nestes princípios duradouros, nestes ideais sociais, para apreciar a constitucionalidade da ação dos outros ramos do governo.

Deste modo, havendo um conflito – que Bickel classifica como “ocasional” - entre as necessidades materiais e os valores permanentes, o tribunal terá a função de resguardar estes. Por isso, deve sempre seguir o caminho do princípio, para discernir quais soluções para os problemas que enfrenta são "racionais" e "boas" – pareçam estas, neste momento, aceitáveis ou não à opinião geral134.

O papel do tribunal no exercício da revisão judicial parece superar a mera “guarda” destes valores, pois é sua responsabilidade ser o “shaper and prophet” deste sistema permanente, contribuindo para a articulação e renovação do que denomina de “unidade moral da nação”, consistente nas suas aspirações. Assim, constantemente afirma que a Corte é uma educadora, cuja missão é instruir e inspirar, trazendo à tona o melhor dos indivíduos, e mostrando-os aonde suas próprias convicções podem conduzir, como uma professora num “seminário nacional vital"135.

2.2.2 “Tensão lincolniana” e virtudes passivas: a corte e o colóquio de princípios

A busca dos valores permanentes, intermediada pela revisão judicial, confronta-se com os interesses circunstanciais, traduzidos no princípio majoritário, num conflito entre os dois compromissos mais importantes da democracia.

Para o autor, uma dimensão fundamental para a manutenção da democracia, através do consentimento dos governados, é a idéia de que a maioria tem o poder de afastar os

decision-makers e rejeitar qualquer aspecto da sua policy136. Diante deste compromisso, a

132 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 24-25.

133 Nas palavras do autor, “the leisure, the training, and the insulation to follow the ways of the scholar in

pursuing the ends of government”. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 25-26.

134 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 39.

135 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 29-30.

136 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

corte, como instituição encarregada de manter os acordos de princípio, deve evitar qualquer situação que acarrete divergência com o princípio democrático do consentimento dos governados, pois os verdadeiros princípios podem não sobreviver por muito tempo, a menos que sejam amplamente aceitos.

Tem-se aquilo que Bickel denomina de “tensão lincolniana”137 entre princípio e consentimento, em que se assenta o “sistema democrático de governo” e no qual a “instituição da revisão judicial deve desempenhar o seu papel” e tentar alcançar alguma medida de consonância, numa acomodação entre estes dois elementos fundamentais.

Segundo o autor, a revisão judicial possui dois aspectos distintos, mas relacionados. Há uma dimensão - que denomino de “técnica” ou jurídica -, relativa à definição e ao refinamento dos princípios, nos termos já descritos, que se presta a estabelecer os objetivos a serem alcançados138. E também envolve a prática do que o autor chama de “arte do possível”, que se refere aos meios escolhidos para chegar aos fins já estabelecidos. O exercício desta prudência envolve um conjunto de habilidades que não podem ser adquiridas ou ensinadas, uma forma de “sabedoria”, caracterizada por ser uma “compreensão que apenas alguns indivíduos possuem” que lhes traz uma orientação na escolha entre estratégias, com maior probabilidade de sucesso a partir de cada situação. Essa arte consiste, para o autor, numa feição essencial da atividade judicial, ainda que distinta da anterior.

Essas dimensões estão entrelaçadas. O emprego de uma análise prudente de meios para assegurar a aceitabilidade de uma decisão não pode ocorrer em detrimento da tarefa de proteção dos princípios atribuída ao tribunal. Quando a corte desempenha sua atividade de definição dos princípios, deve-se respaldar unicamente em razões morais, e não para atender aos reclamos da opinião pública. O valor educativo de um princípio – e em maior grau, a

137 BICKEL, Alexander M.. The Supreme Court, 1960 Term - Foreword: the passive virtues. Harvard Law

Review, n. 75, p. 40-75, nov. 1961, p. 49. Para Bickel, a vida de Abraham Lincoln seria uma lição de conciliação entre o consenso dos governados e um governo amparado em princípios, que demanda a definição de objetivos e a prática da “arte do possível” (“art of the possible”) na tentativa de alcançá-los. Isto teria sido verificado no processo de abolição da escravidão, no confronto entre as dificuldades políticas e o princípio absoluto da “origem humana”, que deveria ser mantido. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 68-ss.

138 Neste sentido, Bickel critica expressamente Wechsler, que compreendia que a revisão judicial tinha por finalidade a procura dos princípios neutros (seria, deste modo, unidimensional), olvidando-se, assim, da dimensão política da atividade judicial, embora distinta dos ramos de poder majoritários. Bickel concordava com alguns dos julgados da Corte Warren na defesa de minorias. A própria noção de princípios neutros é discutida por sua amplitude, que dificulta a articulação de um resultado específico a ser alcançado no exercício da fiscalização de constitucionalidade. Verifica-se, portanto, que os autores divergem quanto aos pressupostos e modelo de crítica, mas simpáticos aos julgados daquela composição. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 49-65.

61 atividade judicial – depende da aspiração a que este remete, análise independente do sentimento popular e das razões de conveniência139.

O conflito entre as noções de princípio e consentimento direciona ao tribunal um problema complexo, pois, para exercer sua atividade, precisa reduzir a tensão a um nível tolerável. A corte não deve prescindir dos princípios, mas deve estar atenta à realidade em que se insere. Nesta complicada equação, segundo Bickel, a doutrina constitucional e o próprio tribunal se olvidam do tríplice poder que este último possui, considerando que seu espectro de possibilidades não se limita apenas às opções de manutenção ou anulação de uma norma diante de sua incompatibilidade com os princípios. A Corte conta, ainda, com a opção de nada fazer, o que torna viável a manutenção da “tensão entre o princípio e a oportunidade”, sem o comprometimento daquele140.

Para a efetivação da terceira hipótese, Bickel propõe o uso das chamadas virtudes passivas, técnicas de adjudicação que permitem à corte, no emprego da sua prudência, agir estrategicamente na perseguição das suas responsabilidades141.

As virtudes passivas são argumentos jurídicos – geralmente de cunho processual – que facultam à corte eximir-se da apreciação de um caso que lhe fora submetido. Assim, pode afirmar a sua incompetência para decidir, a ausência de legitimidade ativa do requerente, a “falta de maturação” da causa, lançar mão da doutrina das “questões políticas”, e outros argumentos típicos do sistema judicial norte-americano, ainda que assemelhados às construções processuais de outros ordenamentos142.

A causa também pode ser decidida em termos que mais tarde foram denominados de “minimalismo decisório”, especialmente quando Bickel identifica a hipótese em que o julgamento ocorre em termos mais restritos do que os inicialmente propostos pelas partes, como forma de evitar a avaliação dos aspectos constitucionais envolvidos na lide.

Apesar de discorrer longamente sobre estas virtudes passivas, apontando as diferenças entre estas técnicas, Bickel não apresenta padrões ou princípios que auxiliem o tribunal na opção entre seu emprego ou não, tampouco na escolha do “instrumento” a ser

139 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 68-39.

140 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 69.

141 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 105-111.

142 Destacam-se, entre os requisitos para análise de um tema pela Suprema Corte, elementos como “cases and

controversies” (delimitação da temática de ordem constitucional), “standing to sue” (a prova do interesse da parte na solução do conflito), "precedent” ou “stare decisis” (a vinculação às decisões anteriormente proferidas), "comity” (esgotamento das instâncias prévias) e as já debatidas “political questions” (deve-se demonstrar que se trata de um debate eminentemente jurídico).

utilizado143. Tal questão também não envolveria sabedoria acadêmica, mas habilidade na arte do "compromisso" e uma “familiaridade com as formas”, ou, como prefere o próprio autor, o exercício da arte da prudência, distinto do juízo de princípio144.

Para ele, essas técnicas constituem instrumentos à disposição da corte, deixando às instituições eleitorais a condução da política, ao excluir-se desta. Ao utilizar este expediente, o tribunal agiria como um “animal político” 145. A opção pelo emprego das virtudes passivas pode espelhar, ainda, a consciência de suas limitações. Ao abordar a doutrina das questões políticas, por exemplo, Bickel lembra que esta construção é amparada no senso de “falta de capacidade”, consistente em diversos fatores que, no conjunto, representam a vulnerabilidade interna de uma instituição que, numa "democracia madura", é eleitoralmente irresponsável e não tem força para impor suas decisões146.

A vantagem inicial do emprego destas técnicas parece assentada: evitar que a corte posicione-se definitivamente, em prejuízo da sua função de guardiã dos princípios, ou confronte a opinião pública e os poderes majoritários. Ao deixar a questão em aberto, mantém-se fiel aos seus compromissos147.

As virtudes passivas possibilitam ainda que a corte explore o “maravilhoso mistério do tempo”148, em suas diversas implicações. Por vezes, na oportunidade posterior de julgamento, pode-se concluir que chegou o momento de abordar diretamente a questão, mesmo que fundamentada em princípio contrário à expectativa popular. Para mitigar o impacto da decisão contrária às maiorias, Bickel sugere o uso de “instrumentos retóricos”149.

Em outras hipóteses, o tribunal adia a resposta porque tem dúvidas quanto ao princípio controlador ou sobre seu sentido. Embora os princípios sejam duradouros, o autor entende que sua formulação projeta grandes sombras para o futuro. Para solucionar sua incerteza, emprega soluções “provisórias”, que lhe permitem avaliar as reações do público e

143 “The passive devices that I have canvassed do not produce constitutional decisions. They do nor check or

legitimate on principle. They are not themselves principled, they do not operate independently, and the variables that render them decisive cannot be contained in any principle”. BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962, p. 205.

144 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 26.

145 BICKEL, Alexander M.. The Supreme Court, 1960 Term - foreword: the passive virtues. Harvard Law

Review, n. 75, p. 40-75, nov. 1961, p. 51.

146 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1962, p. 184.

147 Embora o autor não seja expresso, entendo que o princípio democrático também prevalece quando a corte opta por utilizar as “virtudes passivas”, pois a não apreciação da demanda mantém o ato questionado no ordenamento.

148 BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis:

63 dos agentes governamentais, de sorte a construir seu entendimento. Assim, ao invés de simplesmente postergar o debate, a corte desempenha uma função pedagógica, utilizando essas decisões “provisórias” como uma estratégia de persuasão lenta, para avançar com idéias que já articula em sua forma final150.

Seu argumento é que o período posterior à decisão seja aproveitado para a construção de um diálogo ou, como prefere o autor, um “colóquio” entre os ramos de governo acerca das questões de princípio envolvidas. Deste modo, ao optar por não decidir, é possível que a “tensão lincolniana” seja atenuada ou até dirimida por estes diálogos, e o tribunal alcance uma melhor compreensão das questões envolvidas, para sua adequada resolução151. Quando, finalmente, decide julgar, pode haver uma aceitação generalizada do resultado, pois o debate já estaria amadurecido na opinião pública152.

2.2.3 Obsessão contra majoritária x arte da prudência?

Observa-se, na obra de Bickel, um esforço para compreensão do novo papel a ser desempenhado pelos tribunais. O autor era consciente de que a Suprema Corte atuava – e

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