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Ideologia política e crítica acadêmica: um obstáculo à cientificidade do debate acadêmico sobre ativismo judicial?

DA FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

DA DELIMITAÇÃO DO ATIVISMO E DA AUTOCONTENÇÃO ENQUANTO PRESCRIÇÕES E DESCRIÇÕES DA TEORIA CONSTITUCIONAL

6.1 Ideologia política e crítica acadêmica: um obstáculo à cientificidade do debate acadêmico sobre ativismo judicial?

Diante da complexidade e imprecisão dos debates abrangidos pela expressão, como expus no último capítulo, fala-se num senso intuitivo479 de ativismo, desconectado de uma avaliação mais criteriosa, que impediria ou dificultaria uma discussão acadêmica útil. Por isso, a noção seria hoje um desgastado “lugar comum”, um conceito impreciso, cuja ampla divulgação teria se dado em prejuízo da objetividade acadêmica480.

A popularização da expressão nos meios de comunicação e no ambiente político dos mais diversos sistemas, dentre outros fatores, colabora para a substituição ou prevalência de critérios alheios ao direito sobre as questões técnicas na avaliação nos pronunciamentos judiciais e, por conseguinte, na imputação de um “ativismo”.

Mesmo entre os juristas, ao lado de critérios como “não deferência ao legislativo” e “inovação na ordem jurídica”, há uma impressão de que ativismo é sinônimo de uma atitude "indesejada"481, ainda quando não se tenha precisa idéia dos parâmetros sob os quais um

pronunciamento judicial é “inadequado”. O rótulo ativismo, portanto, pecaria pelo mesmo defeito que pretende criticar em sua dimensão política ou ideológica: seria uma definição voltada aos resultados almejados pelo crítico482, e não instrumento de objetiva avaliação.

Em verdade, a relação entre ideologia política e crítica judicial apresenta-se com um dos grandes obstáculos à cientificidade do debate sobre ativismo e remete a um problema importante na Teoria do Direito: a influência das preferências individuais nas concepções jurídicas.

A pretensão de resgate do debate desenvolvido na Teoria Constitucional sob os rótulos de ativismo e autocontenção judicial deve enfrentar uma questão importante: sua “ideologização” – na opinião pública, mas principalmente, na academia jurídica.

Nos EUA, composições conservadoras e liberais da Suprema Corte já padeceram sob a “acusação” de ativismo judicial por parte de seus detratores.

479 YOUNG, Ernest A.. Judicial activism and conservative politics. University of Colorado Law Review, v. 73,

n. 4, p. 1139-1216, 2002, p. 1141.

480KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1443.

481 Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p. 1257-1247,

2002, p.1257; SMITH, Stephen F. Taking lessons from the left? Judicial activism on the right. Georgetown Journal of Law & Public Policy, inaugural, p. 57-80, 2002-2003, p. 58-59.

482 ROOSEVELT III, Kermit. The myth of judicial activism: making sense of Supreme Court decisions. New

De início, a crítica à atuação do tribunal era uma preocupação liberal, em virtude dos julgados da Era Lochner483. Em resposta às decisões nas primeiras décadas do século XX, fortaleceram-se as concepções em torno de uma restrição judicial. Com a Corte Warren, a imputação de uma postura ativista deslocou-se para o lado conservador (ou republicano), que manifestava discordância quanto à afirmação de direitos e liberdades civis por esta composição.

A Suprema Corte era censurada por analistas de todos os espectros políticos na fase de transição representada pela Corte Burger (1969-1986), que alternava entre a afirmação de direitos civis e o desconhecimento de alguns dos precedentes firmados pela formação anterior.

Diante da “mobilização conservadora”, potencializada pela decisão de Roe v Wade (1973), a oportunidade histórica de indicações no período entre 1969 e 1991 pelos presidentes republicanos redundou na Corte Rehnquist (1986-2005), chefiada por aquele que é considerado o Chief Justice mais conservador da história, símbolo de composição de perfil similar. Em que pese a expectativa por uma fase de autocontenção, teve-se duas surpresas: a afirmação de um ativismo judicial “conservador”, que gerou muita controvérsia, em especial entre os doutrinadores progressistas484, acompanhado, entretanto, da manutenção e reafirmação de certos direitos485, sob novos critérios.

Atualmente, a Corte Roberts (2005-) parece alternar entre as perspectivas, ao entender pela afirmação do direito individual de ter armas (District of Columbia v. Heller), uma bandeira conservadora tradicional, mas titubear na garantia de direitos para os

ativismo da corte, por lideranças, teria como objetivo afetar a independência judicial. Por isso, a academia jurídica teria o dever de colaborar e fornecer algum conteúdo significativo para o debate político (p. 236).

483O erro de Lochner não seria seu ativismo ou sua noção de direitos. Na verdade, seu equívoco teria sido uma

visão inflexível do bem comum, à época que os EUA passavam por mudanças econômicas e sociais radicais. BROWN, Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p. 1247- 1274, 2002, p. 1268.

484 A atuação restritiva da corte na apreciação das medidas governamentais de limitação a direitos políticos,

justificadas pelos atentados de 11 de setembro de 2001, gera a discordância dos democratas. BROWN, Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p. 1257-1247, 2002, p. 1268. Ao revés, Dickson nota que os esquerdistas no Reino Unido e Canadá, que historicamente criticavam os juízes de direito por supostamente privilegiarem os favorecidos, hoje vêem no judiciário um aliado para o fortalecimento dos direitos das minorias (homossexuais, povos indígenas e outros). DICKSON, Brice. Comparing supreme courts. In: DICKSON, Brice (org.). Judicial activism in common law supreme courts. London: Oxford University Press, 2007, p. 1-18, p. 13.

485 Interessante que a conciliação de uma agenda política liberal com uma autocontenção metodológica conduziu

os membros da Corte Rehnquist ao chamado ativismo conservador, passando à anulação dos atos que constituíam prerrogativa dos demais poderes, como o estabelecimento de critérios para ações afirmativas, assentado nos pilares da crítica ao ativismo e do questionamento aos aportes liberais – a era do New Rights. KECK, Thomas M.. The most activist Supreme Court in History: the road to modern judicial conservatism. Chicago: The University of Chicago Press, 2004, p. 146, p. 155.

169 “acusados” de terrorismo presos em Guantánamo (como em Hamdan v. Rumsfeld, 2006 e

Boumediene v. Bush, 2008)486, numa espécie de autocontenção ou minimalismo “seletivo”. Alega-se que a herança conservadora mantém-se não somente quanto à auto-restrição do Tribunal em questões determinadas, mas na compreensão de limitação do próprio governo – o que justificaria decisões sobre temas econômicos, em que a Suprema Corte teria interferido para expor suas preferências487.

A variedade de composições, de diversas inclinações ideológicas, as decisões por elas tomadas e a imputação de um ativismo ou não, sob os mais diversos critérios jurídicos - posição quanto aos precedentes, reconhecimento da presunção de constitucionalidade, minimalismo decisório e outros, aqui descritos sob a dimensão metodológica - comprometeria a abordagem objetiva da questão.

O senso crítico do ativismo, portanto, está relacionado com o debate jurídico. Como salienta Cass Sunstein, ativismo judicial, dentre suas acepções, relaciona-se à censura doutrinária da Corte, à constatação de que esta, numa dada decisão, teria se afastado da correta interpretação da Constituição (“the court is not following the right understanding of

the Constitution”). E, neste sentido, corresponde a um “insulto”488. Na famosa expressão do

Justice Antonin Scalia, a descrição de uma decisão como manifestação ativista é “sinônimo” de um pronunciamento “com o qual não se concorda”489.

A academia teria permitido que o debate entre ativismo e autocontenção - ou legitimidade e ilegitimidade da revisão judicial - suplantasse o mérito das decisões490. Não se teria uma análise “genuína” do exercício do controle de constitucionalidade, mas uma “arma poderosa” de embates, que distorceria e desviaria a contenda, ao destacar questões de menor importância. Para Brown, mesmo os critérios “técnicos” (respeito aos precedentes, deferência às decisões majoritárias, etc.), não deveriam ser o foco da doutrina jurídica, a quem compete

486 BAUM, Lawrence. The Supreme Court. Ohio: CQ Press, 2010, p. 24. Alguns cogitam o abandono da

autocontenção e sua substituição pelos “princípios fundamentais de limitação do poder”. KECK, Thomas M.. The most activist Supreme Court in history: the road to modern judicial conservatism. Chicago: The University of Chicago Press, 2004, p. 148.

487 KECK, Thomas M.. The most activist Supreme Court in history: the road to modern judicial conservatism.

Chicago: The University of Chicago Press, 2004, p. 5.

488 Num segundo sentido, o ativismo seria sinônimo de um debate “puramente descritivo” –– referente a rejeição

ou derrubada de um precedente ou que anula os atos dos demais poderes, por exemplo, e não indica – propriamente - um erro. SUNSTEIN, Cass. Radicals in robes: why extreme right-wing courts are wrong for america. New York: Basic Books, 2005, p. 42.

489 A permanência de alguns membros na transição entre Rehnquist e Roberts garantiria a oportunidade de

verificar a evolução da discussão do papel da corte, numa composição estável, por muitos anos, e as alterações de rumo da sua jurisprudência. YOUNG, Ernest A.. Judicial activism and conservative politics. University of Colorado Law Review, v. 73, n. 4, p. 1139-1216, 2002, p. 1140.

490 BROWN, Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p.

avaliar a habilidade da instituição para a boa governança e para a defesa de seu papel na Constituição. E essas questões justificariam ou não o exercício de um ativismo, sob os mais diversos critérios491.

Para Kermit Roosevelt III, o ativismo judicial é um “mito” e a autocontenção, em contrapartida, também é alvo de objeções492. Assim, ativismo corresponderia a uma expressão “retórica”, que apenas exprime a divergência do analista com o “mérito” da decisão ou a “acusação” de substituição do significado da constituição pelas preferências pessoais do magistrado, que representa uma censura política do tribunal que somente faria sentido se o Direito Constitucional estivesse restrito à política. Por isso, propõe que a avaliação da Suprema Corte seja feita precipuamente em vista de critérios jurídicos, com a substituição do conceito por noções como a de “legitimidade”, que entende ser a avaliação da razoabilidade da decisão, a análise se esta foi tomada a partir de parâmetros “aceitáveis” de comportamento judicial, mesmo que seu resultado não seja aprovado por indivíduos com ponto de vista distintos493.

Deste modo, o exercício apropriado da autoridade judicial, se não suficiente para angariar a concordância dos cidadãos ou agentes governamentais, pelo menos não forneceria argumentos para a acusação de que a Corte excedeu suas funções. Ter-se-ia, assim, uma identificação entre legitimidade e ausência – ou redução - da controvérsia. A hipótese do autor é que, em detrimento dos questionamentos sobre a atividade do tribunal, o exame das suas decisões com base em outros critérios seria apto a mostrar os erros cometidos, mas que estes são menos comuns do que o rótulo ativista dá a entender494.

Em verdade, os critérios sugeridos pelos autores para a avaliação – a meu ver – estão contemplados pelo debate entre ativismo e autocontenção, cuja análise – dentre os juristas – depende de concepções sobre o papel da revisão judicial num dado sistema e como a corte pode atuar para bem desempenhar essas finalidades no concerto político em que se insere.

Não por acaso, autores como Stephen Smith sugerem um estudo a partir dos contornos da revisão judicial, com a proposta do estabelecimento de critérios, dos quais

491 BROWN, Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p.

1257-1247, 2002, p. 1257-1259.

492 ROOSEVELT III, Kermit. The myth of judicial activism: making sense of Supreme Court decisions. New

Haven: Yale University Press, 2006, p. 232.

493 ROOSEVELT III, Kermit. The myth of judicial activism: making sense of Supreme Court decisions. New

Haven: Yale University Press, 2006, p. 3-4.

494 Sua proposta, portanto, é que o debate sobre a atuação judicial seja independente da confirmação ou não da

decisão tomada pelos outros ramos de governo. De todo modo, um elevado ou persistente número de decisões ilegítimas justificaria, em longo prazo, a tomada de medidas aptas a limitar o papel da corte. ROOSEVELT III, Kermit. The myth of judicial activism: making sense of Supreme Court decisions. New Haven: Yale University Press, 2006, p. 37-8.

171 distingue os formais (referentes aos limites para exercício da competência jurisdicional da corte) e substanciais (relacionados à construção da decisão, com especial atenção ao processo de interpretação e fundamentação nas fontes de direito - normas e precedentes)495.

A possibilidade de se eleger ou refinar metodologicamente os critérios de análise da atuação judicial traria a vantagem de albergar outros aspectos acerca do processo decisório e suas conseqüências496.

Referida discussão, contudo, conduz a um dos pontos controversos inicialmente assentados, na definição de que o ativismo corresponderia a um abuso do poder, exercido “fora dos limites de atuação judicial”, em especial aqueles aos quais a corte está submetida. Ou, como compreende Craig Green, o ativismo representa uma discussão “cultural” sobre o “papel do judiciário”, questão em que os juristas tem um papel fundamental, ao desenvolver "normas internas" – ou uma compreensão sobre os critérios válidos – para o “comportamento judicial”497.

Assim, a interação entre corte e doutrina jurídica e, por conseguinte, a aprovação ou reprovação das decisões judiciais representada nestes termos descritivos conduz à análise das prescrições que lhe dão significado.

6.2 “Ciclos” da Teoria Constitucional: entre objetividade acadêmica e contingência histórica na definição dos critérios para a atuação judicial

A dependência, na caracterização do ativismo ou da autocontenção, das construções doutrinárias em torno da revisão judicial também põe à prova a validade da discussão, diante da próxima relação entre a Teoria Constitucional e um de seus objetos de estudo - os julgados da Corte Constitucional –, como ressaltado na Parte I da Tese.

A questão é que a impressão acadêmica quanto à atuação de um tribunal varia ao longo dos anos e, como resultado, os critérios de análise alteram-se. A discussão em torno da fiscalização de constitucionalidade e as construções da doutrina jurídica também espelham as inclinações pessoais dos autores, o que reverbera na imputação ou não de ativismo judicial.

495 SMITH, Stephen F. Taking lessons from the left? Judicial activism on the right. Georgetown Journal of

Law & Public Policy, inaugural, p. 57-80, 2002-2003, p. 70-ss.

496KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1444. O amplo debate já desenvolvido sobre o ativismo pode ser convertido num fator positivo, como um instrumento de discussão construtiva na academia e na sociedade.

497 GREEN, Craig. An intellectual history of judicial activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195-1264,

Essa intrínseca relação entre concepções doutrinárias e julgados da Suprema Corte norte-americana é caracterizada, por Barry Friedman, através da noção de “ciclos da teoria constitucional”, uma importante descrição das influências das circunstâncias políticas e preferências pessoais nas teorizações sobre a fiscalização de constitucionalidade.

A definição destes “ciclos” permite visualizar como os fundamentos em torno da jurisdição constitucional são apropriados pelos acadêmicos do diversos segmentos ideológicos, a depender da composição do tribunal e a receptividade ou não a certas demandas. Neste sentido, progressistas poderiam utilizar argumentos anteriormente usados por conservadores e a recíproca parece verdadeira498.

O início remonta às primeiras décadas do século passado, em que uma composição conservadora da Suprema Corte provocava reações negativas quanto ao papel da revisão judicial – que deram margem às prescrições em torno da auto-restrição, como visto. Posteriormente, as inovações da Corte Warren teriam deslocado o foco para construções em torno das potencialidades do instituto, desde que a atuação do tribunal estivesse em conformidade com os temas e técnicas vislumbrados.

Segundo Larry Kramer, desde as inovações que caracterizaram a “revolução de direitos”, juristas liberais e conservadores estabeleceram um consenso sobre o controle de constitucionalidade, avançando na noção de supremacia judicial. No caso dos primeiros, pela concordância com as decisões do Tribunal. Para os segundos, a crítica ao mérito dos julgados não repercutia na rejeição ao instituto, com o qual já estariam “familiarizados”. Assentadas essas premissas, a embate direcionou-se ao modo de interpretar, a partir de perspectivas como a metodologia de interpretação ou “teorias da construção constitucional”499.

Na ausência de dúvidas quanto à supremacia judicial, a noção jurídica de deferência teria perdido o sentido, mas constitui uma espécie de “estratégia” – expressão não utilizada pelo autor – na decisão sobre o quanto se pode ou não sacrificar o “capital político” da Corte. Reconhece-se, assim, que a revisão judicial tem resultados políticos. E esses fatores, em conjunto, ocasionaram a “perda de relevância” das teorias de auto-restrição500.

Para Richard Posner, a ascensão da Teoria Constitucional nestes novos termos teria causado a “decadência” dos parâmetros “thayerianos” de contenção, pois estes são dependentes da ausência de uma concepção clara de interpretação constitucional. Isto porque

498 FRIEDMAN, Barry. The cycles of constitutional theory. Law and Contemporary Problems, v. 67, p. 149-

174, 2004.

499 KRAMER, Larry D. Judicial supremacy and the end of judicial restraint. California Law Review, v. 100, n.

173 as novas construções, mais do que recomendar “sensibilidade” ou “prudência”, prescrevem - especialmente aos juízes da Suprema Corte – como devem ser decididos os casos501.

Se a auto-restrição parece estar em descrédito, as teorizações em torno da limitação do exercício da revisão judicial permanecem. Não no sentido inicial, de manutenção das decisões dos demais poderes como produto da mera aquiescência502. As novas construções vislumbram um papel para a jurisdição constitucional, mas trazem fórmulas para sua moderação, sob novos pressupostos. Se antes as noções de deferência, departamentalismo e formalismo prevaleciam, as teorias da autocontenção – como prefiro denominá-las - são reforçadas por concepções mais complexas de democracia, pela preocupação com as relações travadas pelo Judiciário com os agentes políticos estatais e grupos sociais e o “arbitramento” dos conflitos entre estes. Destaco, ainda, o relevante problema hermenêutico - como se observa da discussão representada pelo minimalismo e as perspectivas de interpretação que lhe são opostas - denominadas de perfeccionistas, na classificação de Cass Sunstein.

A guinada conservadora das últimas décadas seria o fator preponderante para a defesa, pelos acadêmicos liberais, de conformação da Suprema Corte. O “descontentamento” com a atividade de revisão judicial ali exercida teria influenciado intelectuais como John Hart Ely e Cass Sunstein, numa tendência a limitar e, no caso de Mark Tushnet, numa interessante manifestação contra a fiscalização de constitucionalidade503.

500 KRAMER, Larry D. Judicial supremacy and the end of judicial restraint. California Law Review, v. 100, n.

3, p. 621-634, jun. 2012, p. 633-634.

501 “This is not to say that Supreme Court Justices are unconstrained by precedent and clear statutory text and

the other orthodox materials of judicial decision making; lower-court judges pay even greater heed to these things. But there is nothing Thayerian about deference; it’s thumb-on-the-scale deference to legislative judgments that is the hallmark of Thayerism.” POSNER, Richard A. The rise and fall of judicial self-restraint. California Law Review, v. 100, n. 3, p. 519-555, jun. 2012, p. 537-538. O originalismo, a liberdade ativa (de Stephen Breyer) e mesmo o minimalismo de Cass Sunstein são tidos como exemplos das teorizações vigentes. Mas a que melhor representa esse novo momento, segundo Posner, é a construção de Ronald Dworkin. Quanto ao minimalismo, especificamente, devo discordar do autor, vez a definição das situações que permitem ou ensejam o emprego de técnicas minimalistas demanda o exercício de prudência, em sua dimensão “estratégica”, por exemplo.

502 Como questiona Richard Posner, há dúvidas se a auto-restrição, nos termos preconizados por Thayer, já foi

empregada, ou seria uma mera retórica para mascarar a ideologia política dos magistrados, através de “métodos ortodoxos” de decisão judicial. Para o autor, restritivistas como os juízes Oliver Holmes Jr. e Felix Frankfurter e autores como Bickel “adjust law to their extralegal beliefs and their emotions (such as’s super-patriotism) with scant reference to the constitutional text.” (p. 546) POSNER, Richard A. The rise and fall of judicial self- restraint. California Law Review, v. 100, n. 3, p. 519-555, jun. 2012, p. 533.

503 Além dos autores citados, Friedman menciona Bruce Ackerman e a perspectiva de um “constitucionalismo

popular”, defendida por Larry Kramer, como reações às decisões conservadoras do tribunal. FRIEDMAN, Barry. The cycles of constitutional theory. Law and Contemporary Problems, v. 67, p. 149-174, 2004, p.155-7, p. 162.

Deste modo, enquanto os progressistas se apoderam da tradição de profunda crítica, que resulta num libelo contra a supremacia judicial – num enfraquecimento do controle de constitucionalidade504, os conservadores silenciam.

Sob parâmetros teóricos mais sofisticados505, haveria um retorno aos questionamentos do início do século XX, com o resgate de argumentos que interpelam a legitimidade democrática da revisão judicial, ao invés de justificá-la. E é na defesa da Suprema Corte por parte dos conservadores, num momento parecido àquele vivenciado na Era Lochner, que o “ciclo” da Teoria Constitucional se completa506.

Mais que o resgate da relação entre doutrina e Corte nos Estados Unidos, a descrição destes ciclos traduz a profunda relação que o debate acadêmico sobre o papel da revisão

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