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Das diversas dimensões do ativismo judicial: política, metodológico-interpretativa e institucional

DA FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

DAS CORTES CONSTITUCIONAIS

5.2 Das diversas dimensões do ativismo judicial: política, metodológico-interpretativa e institucional

Na vasta literatura sobre o tema, parece haver um ponto de relativo consenso: pela diversidade de aspectos abrangidos pela expressão, o ativismo é um termo multidimensional.

A ambigüidade se dá, inclusive, quanto ao próprio objeto de estudo. A imputação de “ativismo” pode ser dirigida a um determinado juiz, a um “grupo de juízes” – como se atentou no artigo que publicizou o termo - e, por fim, a um dado tribunal. São comuns as definições de ativismo, no complexo universo da jurisdição constitucional, referentes a uma específica decisão – ou conjunto de decisões sobre determinado tema controvertido408.

A percepção de que o ativismo judicial pode ser atribuído unicamente à concepção jurídica encampada por um dado magistrado não explicaria adequadamente o fenômeno, especialmente se reconhecidos os diversos elementos que contribuem para a conversão de concepções jurídicas individuais em manifestações judiciais, especialmente os institucionais.

406CROSS, Frank B.; LINDQUIST, Stefanie A. Measuring judicial activism. New York: Oxford University

Press, 2009, p. 133-4.

407O amplo espectro de críticas ao uso do parâmetro explicativo do ativismo judicial permitem um aparte ao

expressado por Elival da Silva Ramos, para quem não haveria na doutrina norte-americana “”um sentido negativo na expressão “ativismo””, pois naquele sistema, o ativismo seria “invariavelmente elogiado por proporcionar a adaptação do direito diante de novas exigências sociais”. Em que pese a valiosa critica do autor de que, no Common Law, seja mais complexo identificar um ativismo, dificuldade de que se mostra ao longo de todo este capítulo, não se pode afirmar que naquele sistema o debate tenha se deslocado somente para o âmbito da filosofia política e à legitimidade democrática. RAMOS, Elival da Silva. Parâmetros dogmáticos do ativismo judicial em matéria constitucional. São Paulo: USP, 2009, mimeo, p. 82-83.

408 É de se destacar que, num universo de decisões rotineiras, as cortes acabam por ganhar notoriedade por um

apanhado de decisões controvertidas, aproximação à atuação das cortes freqüente entre os juristas, que costumam apegar-se – hipótese que trabalharei especificamente nos últimos capítulos – a determinadas decisões “controversas” e afirmar o “ativismo” de um tribunal.Em vista dessa dificuldade, William Marshall sugere que o analista afaste-se das questões muito complexas apreciadas pelos tribunais, de modo que se possa determinar um

Neste sentido, os estudiosos dos impactos da composição das cortes nos resultados das demandas entendem que os tribunais colegiados tenderiam a oferecer maiores constrangimentos para decisões “diferenciadas” ou “inovadoras”, ainda que os juízes possam emitir um julgamento separado em cada caso, e apresentem as razões de dissenso com a opinião majoritária. Em contrapartida, decisões individuais alargariam o espaço para manifestações extremadas – e eventualmente, ativistas.

Embora em alguns tribunais tenha-se a prática de não publicizar os votos discordantes, poder-se-ia detectar, numa análise voltada a período temporal mais amplo, padrões de concordância ou discordância emergente409.. Quanto às interações numa dada Corte, a inclinação ao ativismo ou recuo na compreensão do papel a ser desempenhado pode, também, ser influenciada por um dos membros do tribunal410.

Por fim, o ativismo não é estanque, havendo recuos e avanços no que se refere à prática da revisão judicial. É possível que uma determinada corte seja “ativista” por um período, mas depois “opte” por uma postura mais comedida no que se refere à invalidação de atos dos outros poderes. Verifica-se, ainda, certa seletividade na atuação, com a eleição de temas e atos de instâncias de poder específicas – horizontais ou verticais - para interferência preferencial do tribunal.

Portanto, a interação no circuito “juízes – tribunal – decisão” promove o encadeamento necessário para abranger todos os objetos analisados sob a égide do termo ativismo judicial.

A avaliação albergada pela expressão implica em questõess das mais diversas naturezas – político-partidárias, institucionais, interpretativas, dentre outras, cuja

padrão. MARSHALL, William P.. Conservatives and the seven sins of judicial activism. University of Colorado Law Review, v. 73, p. 101-140, set. 2002, p. 105-6.

409 “But throughout the common law world it remains indisputable that supreme court judges are first and

foremost individual adjudicators who are prepared to make up their own minds on the issues in question rather than just blindly follow the lead of some other more experienced judge.” DICKSON, Brice. Comparing supreme courts. In: DICKSON, Brice (org.). Judicial activism in common law supreme courts. London: Oxford University Press, 2007, p. 1-18, p. 10. “

410 Há dúvidas, neste sentido, quanto ao poder de influência do Chief Justice no período em que é apontado para

exercer tal liderança, ainda que estes cheguem a denominar, na academia norte-americana, “eras” daquela corte. Aqui no Brasil, já são verificados esforços para identificar o protagonismo de determinados Juízes, sua influência sobre os colegas e, como corolário, a impressão de uma “marca” na história do STF. Sobre o tema, o excelente artigo de Carlos Alexandre de Azevedo Campos compara as distintas percepções do controle de constitucionalidade dos Ministros Moreira Alves e Gilmar Ferreira Mendes, avalia a influência que exerce(ra)m sobre seus pares em determinado período e, por fim, relaciona suas perspectivas interpretativas com a mudança de paradigma na atuação do tribunal. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Moreira Alves x Gilmar Mendes: a evolução das dimensões metodológica e processual do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (orgs.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 541-595.

147 categorização não pode ser utilizada para formar uma definição única do ativismo judicial411. Se a variedade de critérios, à primeira vista, compromete a cientificidade da abordagem – tema que será objeto do próximo capítulo - alguns autores se ocupam de catalogar estes significados, para assegurar validade à discussão sobre ativismo.

Para Craig Green, os cânones mais utilizados para identificar uma manifestação de ativismo judicial se referem à decisão que: (a) implique num erro jurídico grave; (b) produza resultado controverso ou indesejável; (c) invalide uma norma e, ainda (d) seja um produto destes e outros fatores. Sua proposta, para dar cunho operativo à expressão, é que esta se refira ao desrespeito ao que denomina de “padrões culturais da atuação judicial”, exercidos sem qualquer revisão412.

Já para William Marshall, destacam-se nas abordagens questões como: (a) ativismo contramajoritário; (b) não originalismo; (c) ativismo de precedentes - tido como a “falha” ao não acolher os precedentes; (d) ativismo jurisdicional – ao não aderir aos limites jurisdicionais de seu próprio poder; (e) criatividade judicial, entendida como a criação de novas teorias e direitos na doutrina constitucional; (f) ativismo remedial – o uso do poder judicial para impor obrigações afirmativas aos demais ramos de governo ou manter instituições governamentais sob supervisão judicial como parte da imposição de uma garantia; (g) ativismo partidário413.

Conforme Keenan Kmiec: (a) derrubada de atos constitucionais dos outros poderes; (b) desconsideração dos precedentes; (c) exercício de atividade legislativa (“judicial

legislation”); (d) desvio da metodologia “aceitável” de interpretação; (e) julgamento “voltado aos resultados” (“result-oriented judging”)414.

Para Ernest Young: (a) substituir as decisões dos ramos políticos federais ou governos estaduais; (b) afastar-se do texto constitucional ou de sua “história”; (c) afastar-se do precedente judicial; (d) emprego de fundamentação ampla ou "maximalista", ao invés das estreitas ou "minimalistas”; (e) “exercising broad remedial”; (e) decisão dos casos de acordo com as preferências político-partidária dos juízes415.

411 MARSHALL, William P.. Conservatives and the seven sins of judicial activism. University of Colorado

Law Review, v. 73, p. 101-140, set. 2002, p. 102.

412 Sua preocupação se dá com a construção de normas de conduta judicial, de modo a aferir a ocorrência de

ativismo. GREEN, Craig. An intellectual history of judicial activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195- 1264, mai. 2009, p. 1217-1218, p. 1199

413 MARSHALL, William P.. Conservatives and the seven sins of judicial activism. University of Colorado

Law Review, v. 73, p. 101-140, set. 2002.

414 KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1466.

415 YOUNG, Ernest A.. Judicial activism and conservative politics. University of Colorado Law Review, v. 73,

Diante desta pluralidade – e pelo fato de que muitos desses aspectos se referem unicamente às características do sistema jurídico estadunidense - optei por distinguir os critérios estabelecidos em três perspectivas gerais: partidário-ideológica, metodológico- interpretativa e institucional.

Inicialmente, dirijo minha atenção ao plano das escolhas individuais, na preocupação com a ideologização no exercício da função jurisdicional, em detrimento das escolhas políticas encartadas nas outras instâncias estatais de representação popular – um dos aspectos mais controvertidos do debate sobre ativismo nos EUA.

Passo, posteriormente, à compreensão da atividade jurisdicional, tentando mostrar as características que lhe diferenciam de outras manifestações estatais. Por isso, o estudo se volta à interpretação das fontes do direito pelas cortes, moldada pelas diversas teorias que intentam explicar e moldar a aplicação da constituição.

Por fim, o debate se refere ao questionamento acerca da atuação do judiciário, no universo das competências dos agentes governamentais. Trata-se, assim, da caracterização do ativismo como uma questão institucional, oportunidade em que a análise propriamente quantitativa merece destaque. Referida avaliação tem inevitáveis repercussões no sistema político, e salienta as relações do poder judiciário no universo da separação de poderes, sob o plano democrático.

Mostrar os diversos aspectos compreendidos pela expressão ativismo não implica que estas características estão apartadas ou individualizadas. As três abordagens estão relacionadas. A pluralidade dos itens propostos nestes trabalhos permite, inclusive, classificar “aspectos” ativistas ou restritivos numa mesma decisão judicial, a partir do critério analítico empregado416. Os aspectos, portanto, podem ensejar uma superposição ou serem contrapostos, se analisados em conjunto417. Todavia, devo destacar que a opção pela exposição do chamado

ativismo partidário-ideológico no início permite-me isolar esse aspecto – fundamental no debate estadunidense, mas albergada pelos aspectos metodológicos em outros sistemas – como no caso brasileiro, nos quais as preferências não são tão evidentes – das duas dimensões preponderantes abrangidas sob o rótulo de ativismo judicial.

416 Como exemplo, Caprice Roberts pontua que os próprios constrangimentos ao exercício da função judicial e as

particularidades de um caso concreto permitem que a corte se depare com uma demanda na qual a fidelidade aos precedentes requeira a invalidação de uma lei federal, por exemplo. ROBERTS, Caprice L.. In search of judicial activism: dangers in quantifying the qualitative. Tennessee Law Review, v. 74, p. 1-45, 2007, p. 26.

417 O amálgama das diversas acepções teria como contraponto o enfraquecimento da própria validade ou

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5.3 Neutralidade judicial e preferências individuais no processo decisório: o ativismo

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