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Da multiplicidade à operatividade: uma proposta de delimitação do ativismo e autocontenção enquanto prescrições e descrições da Teoria Constitucional

DA FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

DA DELIMITAÇÃO DO ATIVISMO E DA AUTOCONTENÇÃO ENQUANTO PRESCRIÇÕES E DESCRIÇÕES DA TEORIA CONSTITUCIONAL

6.4 Da multiplicidade à operatividade: uma proposta de delimitação do ativismo e autocontenção enquanto prescrições e descrições da Teoria Constitucional

Na academia, as duas perspectivas de análise – empírica/prescritiva – e as diversas dimensões abrangidas - ideológica/institucional/metodológica – na caracterização de um ativismo judicial mostram a complexidade do debate abrangido por esta expressão e remete à dificuldade do estabelecimento de “parâmetros” acadêmicos para avaliação da atuação judicial. Quanto ao seu objeto, observa-se também a imprecisão, pois o rótulo é aplicável a uma decisão judicial, um juiz e mesmo uma dada composição da Corte.

Da colaboração entre Teoria Normativa e Positiva, o debate entre ativismo e autocontenção ampara-se, respectivamente, na avaliação doutrinária e no desenho efetivo da atividade das cortes nas relações entre instâncias de poder.

O resgate dessa discussão, em seus múltiplos aspectos, mostra que a expressão ativismo judicial abrange uma visão contingente e circunstanciada da academia jurídica sobre o adequado papel da revisão judicial. Insere-se numa tradição de crítica às credenciais democráticas dessa atividade, mas também abarca a complexidade do processo decisório constitucional, especialmente quanto ao relacionamento que as cortes travam com demais instâncias políticas.

A definição dessas expressões passa pela compreensão do papel a ser desempenhado pelo Judiciário frente às decisões tomadas no âmbito dos poderes majoritários (plano político- institucional), bem como pela análise das decisões jurisdicionais em seus aspectos metodológicos, por espelharem uma determinada concepção ou um conjunto de idéias sobre a interpretação das questões constitucionais, aptos, pois, a interferir no concerto político.

Deste modo, duas dimensões (ou dois objetos de análise) se destacam:

(a) metodológica, que marca a relação entre a corte e doutrina. Aqui, o ativismo judicial representa uma crítica posterior, a partir das prescrições da teoria jurídica para conformação judicial, quanto ao modo de exercício (procedimentos e técnicas decisórias) e temas em que essa intervenção é recomendável. A autocontenção, embora retrate a adequação a estes parâmetros, não necessariamente corresponde à aprovação da atuação.

185 (b) institucional, que espelha a relação entre a corte e as demais instâncias estatais de poder (ramos de governo e outras instâncias judiciais, além de entes federados), a partir das competências normativas. Nesse caso, o ativismo se refere à afirmação do poder decisório ou à efetiva apreciação da questão, com anulação e até substituição do ato da outra instância. A autocontenção, em contrapartida, expõe o reconhecimento da competência das demais agências estatais.

Minha hipótese é que estas expressões, em seu conteúdo prescritivo ou normativo, espelham a aprovação ou crítica da academia jurídica às decisões judiciais. A diversidade e imprecisão dos termos, à primeira vista um empecilho, permitem resgatar a discussão sobre o espaço e critérios “válidos” para a afirmação da jurisprudência constitucional, na relevante interação entre doutrina constitucional e atividade da Corte, que aprecia a atividade desta e influencia seus julgados.

No plano quantitativo, a análise das oportunidades em que um tribunal invalidou – ou não - os atos dos demais poderes constitui-se num importante ponto de partida para a construção teórica, instrumental para que a doutrina jurídica se aproxime de um de seus

objetos de estudo – as decisões judiciais no controle de constitucionalidade, pondo-o em perspectiva a partir da complexidade do fenômeno político.

A correlação entre as duas dimensões de estudo acima propostas é importante e as expressões autocontenção e ativismo judicial atendem aos dois eixos, pois indicam os diversos aspectos a serem abordados na análise do exercício do controle de constitucionalidade – na caracterização de uma espécie de “estado da arte” da teoria jurídica, mas também permite, diante da constatação ou desconfirmação de uma efetiva tendência a julgar a inconstitucionalidade dos atos dos outros poderes, avaliar as relações que a jurisdição constitucional trava; sendo instrumental, portanto, para a construção de uma teorização que passe por esses aspectos543. Desta conjunção, é possível denotar a real intervenção do

543 FALLON JR., Richard H.. How to choose a constitutional theory. California Law Review, v. 87, n. 3, p.

535-580, 1999. Neste sentido, Richard Fallon defende reunião entre as pretensões descritivas e prescritivas da teorização jurídica – união resistida pelos juristas. “Anyone who cares about constitutional law confronts a large and proliferating number of constitutional theories, by which I mean theories about the nature of the United States Constitution and how judges should interpret and apply it.” (p. 537)” “Like legal theories generally, constitutional theories resist classification according to the division between positive or descriptive theories on the one hand and normative or prescriptive theories on the other. 10 Few, if any, constitutional theories are purely normative." “Most, if not all, claim to fit or explain what they characterize as the most fundamental features of the constitutional order. But few constitutional theories are purely descriptive either. 3 Most theorists also seek to influence practice, typically by offering prescriptions for reform. 4 These prescriptions aim to bring constitutional practice more fully into accord with what the various theories identify as the deepest fundamental values of the written Constitution or of surrounding practices.” (p. 540-541)

Judiciário nos atos dos demais poderes, a descrever – ou se aproximar – do efetivo desenho das interações da corte.

Essa abordagem – em que as dimensões metodológica e institucional estão intrinsecamente relacionadas com a compreensão de um ativismo judicial – deve ser feita por uma aproximação entre as contribuições do empiricismo e de questões marcadamente jurídicas - como fundamentação dos julgados prolatados544, motivação para a rejeição das causas, observância ou desconhecimento da jurisprudência firmada no próprio Tribunal ou demais instâncias judiciais e outros.

Se, como afirma Martin Shapiro, todo o debate sobre ativismo e autocontenção judicial passa por uma tentativa de compreender qual o papel adequado das cortes no sistema político e os que defendem a autocontenção mostram que a revisão de constitucionalidade é política, por isso deve ser exercida com parcimônia, as decisões judiciais devem ser examinadas por outros parâmetros, aptos a demonstrar sua funcionalidade , utilidade e se estas realmente controlam os agentes que se sujeitam à análise, sem prejuízo de outros fatores.545

E, neste sentido, a descrição do ativismo e da autocontenção judicial, se não contemplam todas essas complexas questões, presta-se a aclarar as práticas realmente desenvolvidas, fundamental para suas novas construções – prescritivas.

Delimitadas as duas dimensões de análise do ativismo e da autocontenção, assentada a necessidade de conjunção das abordagens empírica e normativa para sua caracterização e por fim, reconhecida a importância das construções teóricas na conformação desta atuação, avanço no estudo sobre o ativismo judicial no Brasil nos capítulos seguintes, com a descrição das pretensões da doutrina jurídica voltadas à concretização/interpretação constitucional e das relações estabelecidas entre a corte constitucional e os demais poderes estatais.

544 Para Barry Friedman, a abordagem apenas quanto ao resultado pode levar a uma conclusão equivocada sobre

o que a corte fez – diante da relevância da fundamentação. Propõe-se que, além do mérito dos casos em que a questão constitucional foi apreciada, as ações “rejeitadas” sejam analisadas. Como exemplo, lembra que, no direito norte-americano, a mera distinção entre procedência/improcedência diz pouco sobre a rule, que é o que realmente importa num sistema de precedentes, pelo estabelecimento de parâmetros para as cortes inferiores. Ademais, os constrangimentos externos à atuação podem ser melhor visualizados nos casos em que a corte rejeita o processo. FRIEDMAN, Barry. Taking law seriously. Perspectives on Politics, v. 4, n. 2, p. 261-276, jun. 2006, p. 267; 271.

545 SHAPIRO, Martin; SWEET. Alec Stone. On law, politics, judicialization. New York: Oxford University

Press, 2002, p. 22-23. Para Shapiro, o desconforto dos juristas com o exercício da revisão judicial pode ser atribuído aos limites que - supostamente, segundo o autor - separam as questões políticas das jurídicas. Por isso, sentem-se compelidos a defender a legitimidade democrática da fiscalização de constitucionalidade mais do que qualquer outra atividade das cortes. Haveria, todavia, questões mais importantes do que o debate normativo sobre antimajoritarismo e legitimidade democrática. (p. 147)

PARTE III

PARA ALÉM DA EMANCIPAÇÃO CONSTITUCIONAL? O ATIVISMO

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