• Nenhum resultado encontrado

Da origem do termo às perspectivas de estudo: uma aproximação ao ativismo judicial

DA FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

DAS CORTES CONSTITUCIONAIS

5.1 Da origem do termo às perspectivas de estudo: uma aproximação ao ativismo judicial

O primeiro registro do termo ativismo judicial é creditado a uma reportagem de 1947, da revista de variedades Fortune Magazine, denominado "The Supreme Court: 1947". No texto, o historiador democrata Arthur Schlesinger Jr., após descrever as relações pessoais, simpatias e inimizades entre os membros da corte, traça uma distinção entre os juízes “ativistas” e os campeões da “auto-restrição”. Por se tratar de um ensaio jornalístico, sem pretensões acadêmicas, o objetivo do autor parecia ser a desmistificação do tribunal389, e não propriamente uma avaliação do papel institucional da Suprema Corte daquele país.

A caracterização de magistrados ativistas e não ativistas era atribuída às visões distintas do direito e sua interpretação, que dividiria o Tribunal em dois campos, capitaneados por “representantes” de cada posição.

Na descrição de Schlesinger Jr., os Judges Hugo Black (1937-1971) e William O. Douglas (1939-1975) entenderiam que a argumentação legal é mais maleável que “científica” (“The Black-Douglas view”). Estes seriam conscientes de que a ambiguidade dos precedentes a serem considerados e a diversidade das doutrinas aplicáveis nos casos submetidos à apreciação permitiriam escolhas, e quaisquer delas seriam aceitáveis à “lógica jurídica”. Para essa visão, não haveria respostas corretas; mas escolhas políticas, tidas como inevitáveis. O processo decisório, sem “falsa pretensão de objetividade”, deveria estar atento às conseqüências sociais. Estes juízes seriam ativistas, pois sua concepção do direito abriria espaço para considerações de ordem ideológica.

Já o segundo grupo era dos “campeões da auto-restrição”, capitaneado pelos Judges Robert H. Jackson (1941-1954) e Feliz Frankfurter, que conduziam sua atividade no sentido da autocontenção, pois entendiam que as decisões políticas deveriam ficar a cargo dos representantes eleitos pelo povo390.

389 GREEN, Craig. An intellectual history of judicial activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195-1264,

mai. 2009, p. 1195.

390 KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

O articulista percebeu a relevância das distintas visões do direito e da revisão judicial e suas repercussões na atividade jurisdicional dos magistrados391 Contudo, a definição dos aspectos “ativistas” e, por conseguinte, dos seus “adversários” dificulta a descrição das características necessárias ou supérfluas à visualização do ativismo, a demonstrar a ambiguidade da expressão392. Tampouco se esclarece quais decisões constituiriam exemplo desta postura. Assim, a oposição entre os magistrados relacionados ao ativismo ou à auto- restrição não permite inferir no que consistiria o primeiro, quando analisado o resultado da atuação da Corte393.

Referida descrição não era completamente alheia às questões políticas inerentes ao exercício da atividade julgadora. Contudo, há discordância entre os comentaristas do texto sobre as impressões de Schlesinger Jr.: enquanto alguns identificam certa simpatia com a concepção dos juízes ativistas394, por denotar preferência pela limitação da revisão judicial aos casos em que fossem discutidas as liberdades civis; outros autores mostram a influência das construções do início do século XX – especialmente de James B. Thayer, de modo que o ativismo teria uma conotação negativa395. Ao final de seu artigo, o autor alertava para os riscos que a posição atribuída aos juízes Black e Douglas poderia ocasionar à democracia396.

A primeira definição do ativismo judicial peca pela precariedade ínsita à toda concepção inaugural. Ademais, constituía uma descrição jornalística das perspectivas jurídicas e, por conseguinte, políticas dos juízes, sem outras pretensões. De toda sorte, fixa um aspecto importante sobre a noção: a idéia de que determinados magistrados, a partir do instrumental fornecido em sua formação acadêmica e de considerações particulares sobre o direito, podem inclinar-se a desenvolver uma visão expansiva da revisão judicial.

391 A visualização dessas distintas concepções acerca do papel da Suprema Corte, para Schlesinger Jr., era

atribuída ao ambiente de formação acadêmica dos juízes. Assim, os magistrados formados na Universidade de Yale seriam inclinados ao ativismo; de modo diverso, aqueles relacionados a Universidade de Harvard seriam voltados idéia de restrição judicial, berço de notáveis expoentes das teorias de autocontenção.

392 KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1950.

393 GREEN, Craig. An intellectual history of judicial activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195-1264,

mai. 2009, p. 1203.

394 KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1449.

395 “My aim is to show that the term emerged from a complex tradition of judicial critique. Not only have

Americans repeatedly criticized federal courts’ behavior, the grounds for such criticism have differed widely. To illustrate such variety, I will discuss four episodes of controversial judicial conduct that would have been familiar to Schlesinger”. GREEN, Craig. An Intellectual History of Judicial Activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195-1264, mai. 2009, p. 1209.

396 Keenan D. Kmiec traça um paralelo entre a concepção procedimentalista de democracia desenvolvida por

John Hart Ely no clássico livro “Democracy and Distrust” trinta anos depois e a preocupação externada por Arthur Schlesinger Jr. no artigo descrito. KMIEC, Keenan D.. the origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92, n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1449.

143 Desde a publicação do artigo de Schlesinger Jr, a expressão ativismo judicial ganhou imensa popularidade na academia e na imprensa estadunidense397. Como atenta Keenan D. Kmiec, em estatística frequentemente mencionada nos trabalhos sobre o tema, apenas nos anos 1990, o termo foi citado em 3.815 artigos em jornais e revistas jurídicas. Nos primeiros quatro anos da década passada, as expressões “ativismo” e “ativista judicial” foram objeto de referência em 1.817 trabalhos398. Na Suprema Corte, a primeira menção ocorreu num voto dissidente do Justice Black, para atacar uma das decisões da Corte Warren na defesa de direitos do acusado no processo penal399.

Em verdade, o debate em torno de um ativismo judicial ultrapassou as fronteiras dos EUA e hoje é comum em outros sistemas. Interessante notar, quanto ao tema, que as construções da doutrina norte-americana – em detrimento das peculiaridades daquele ordenamento400 – são bastante influentes em todo o mundo.

Como já alertado, a discussão sobre ativismo é compartilhada entre cientistas políticos e juristas, com as características específicas e leituras distintas de cada abordagem401.

Entre os cientistas políticos, parte-se de uma perspectiva quantificável para, diante dos dados coletados, avançar em outras discussões, com análise das causas e repercussões de uma “tendência” ao ativismo judicial. Inicialmente, a caracterização de um aspecto “quantitativo” ou “contramajoritário” era preponderante, preocupados com a frequência com que um determinado magistrado ou tribunal invalidava as normas e demais atos dos outros poderes

397 Os primeiros trabalhos voltados ao ativismo, nos EUA, remontam aos anos 40 e 50 do século passado, mas

vou utilizar preferencialmente da literatura produzida a partir da última década, de modo a oferecer panorama atualizado do debate. Dedicarei maior atenção aos trabalhos voltados a Suprema Corte, mas não desconheço que algumas contribuições importantes sobre o ativismo surgiram em trabalhos sobre os demais órgãos jurisdicionais norte-americanos, especialmente o Judiciário Federal. A pouca revisão da Suprema Corte (menos de 1% dos casos submetidos à apreciação) permite ao Judiciário Federal uma ampla possibilidade de definir questões políticas. BAUM, Lawrence. The Supreme Court. Ohio: CQ Press, 2010, p. 10. Ademais, a magistratura federal, que confronta e analisa primordialmente atos de governo teria uma tendência “ativista”. CROSS, Frank B.; LINDQUIST, Stefanie A. Measuring judicial activism. New York: Oxford University Press, 2009, p. 34.

398 KMIEC, Keenan D.. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92,

n. 5, p. 1446-1447, out. 2004, p. 1442.

399BROWN, Rebecca L. Activism is not a four-letter word. University of Colorado Law Review, v. 73, p.

1247-1274, 2002, p. 1257. No período entre 1950 a 2009, a expressão ativismo teria sido empregada na Suprema Corte dos EUA em 132 oportunidades, especialmente nos votos dissidentes. POSNER, Richard A. The rise and fall of judicial self-restraint. California Law Review, v. 100, n. 3, p. 519-555, jun. 2012, p. 519.

400 Os argumentos em torno de uma autolimitação judicial nos tribunais constitucionais europeus assumem

outros fundamentos, referentes à interpretação constitucional, em conseqüência do próprio modelo das cortes européias e do “mito” kelseniano do legislador negativo. Assim, segundo Cesare Pinelli, quando as cortes “européias” determinam prescrições positivas ao legislador, forneceriam argumentos para a crítica acadêmica e conseqüente imputação de uma postura “ativista”. PINELLI, Cesare. The concept and practice of judicial activism in the experience of some western constitutional democracies. Juridica International, n. XIII, p. 31- 37, jul. 2007, p. 34-37.

401Justamente por isso, é a abordagem mais comum, com ampla divulgação nos trabalhos jurídicos e dos

estatais402, sobretudo do Legislativo Federal403. Afastam-se, assim, de um juízo valorativo acerca da intervenção judicial, na busca pela compreensão de uma continuidade ou não entre as posturas de ativismo e autocontenção404.

Posteriormente, outras explicações para o comportamento judicial passaram a influenciar os estudos. Passou-se para a análise do modo e grau em que as preferências políticas individuais moldam os votos dos juízes. Questões “normativas”, como fidelidade aos precedentes da própria corte ou matéria submetida à apreciação (liberdades civis atraíriam mais atenção, por exemplo) também são abordadas. Por fim, tem-se o estabelecimento de parâmetros para explicação da atuação amparados em fatores institucionais, como as diferenças entre a invalidação de legislação federal ou estadual e as interações entre os envolvidos no processo judicial, como as influências do Solicitor General e do amicus

curiae405.

No alargamento do objeto de estudo, Frank B. Cross e Stefanie Lindquist, na aproximação com debates mais próximos dos juristas, estabelecem padrões para abordagem do ativismo ou a definição de uma “timidez”, tendo em conta dois referenciais: o institucional e ideológico. No plano institucional, a avaliação pode ser feita a partir dos parâmetros da constitucionalidade: (a) da revisão judicial dos estatutos federais; (b) da revisão judicial das normas estaduais: (c) da revisão judicial das ações da administração federal, inclusive das agências independentes; (d) do emprego das doutrinas de “justiciabilidade” (da garantia de acesso, portanto, às cortes federais); (e) da propensão da Suprema Corte a “derrubar” seus precedentes anteriores. Já a “dimensão ideológica” implica no estudo dos padrões para a invalidação das normas, precedentes ou ações administrativas de “adversários” políticos,

Craig. An intellectual history of judicial activism. Emory Law Journal, v. 58, n. 5, p. 1195-1264, mai. 2009, p. 1218.

402 Neste sentido, HOWARD, Robert M.; SEGAL, Jeffrey A. A preference for deference? The Supreme Court

and judicial review. Political Research Quarterly, v. 57, n. 1, p. 131-143, mar., 2004,

403 Há um consenso doutrinário sobre a aferição do grau de ativismo da Suprema Corte a partir da invalidação da

legislação federal. Cogita-se que esta espécie legislativa representa a vontade política nacional, de modo que a atuação dos tribunais, neste sentido, seria mais critica ou controversa. CROSS, Frank B.; LINDQUIST, Stefanie A. Measuring judicial activism. New York: Oxford University Press, 2009, p. 34; 48. SUNSTEIN, Cass R..Radical in robes: why extreme right-wing courts are wrong for America. New York: Basic Books, 2005, p. 41-43.

404 Entre os cientistas políticos, verifica-se uma “tendência” de avaliação de aspectos mais substanciais do

debate, para além das estatísticas. CROSS, Frank B.; LINDQUIST, Stefanie A. Measuring judicial activism. New York: Oxford University Press, 2009, p. 31-ss.

405 LINDQUIST, Stefanie A.; SOLBERG, Rorie Spill. Judicial review by the Burger and Rehnquist Courts:

explaining justices' responses to constitutional challenges. Political Research Quarterly, v. 60, n. 1, p. 71-90, mar. 2007.

145 tomando-se aqui, como critério, a inevitável (nos EUA) distinção entre magistrados “liberais” ou “conservadores”406.

Diante da especificidade de estudo, a discussão sobre ativismo entre os juristas adquire outros contornos. Se a total deferência aos poderes políticos seria uma negação do próprio controle de constitucionalidade, a academia jurídica concentrou-se na fixação de técnicas decisórias e prescrições ao julgador, que poderiam conformar sua atuação. O desrespeito a estes parâmetros daria margem às descrições sobre a ocorrência de ativismo, o que denota o caráter “pejorativo” da expressão407 - conforme discutirei mais adiante -, comumente utilizada como um instrumento de crítica doutrinária à corte.

5.2 Das diversas dimensões do ativismo judicial: política, metodológico-interpretativa e

Outline

Documentos relacionados