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Para além do minimalismo racional: vontade da maioria x perfeccionismo na interpretação constitucional

CORTE E DOUTRINA JURÍDICA: ATIVISMO E AUTOCONTENÇÃO COMO NOÇÕES CONTINGENTES NA TEORIA CONSTITUCIONAL

O MINIMALISMO DE CASS SUNSTEIN: O USO CONSTRUTIVO DO SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIA DA CORTE PARA A DEMOCRACIA DELIBERATIVA

3.4 Para além do minimalismo racional: vontade da maioria x perfeccionismo na interpretação constitucional

Em outros trabalhos, Sunstein insere o minimalismo num conjunto de teorias sobre a interpretação constitucional – não relacionadas diretamente com a perspectiva da auto- restrição judicial. O autor afirma não interceder, contudo, por uma única perspectiva interpretativa, mas que a seleção desta depende da norma constitucional e do contexto em que será aplicada. Desta variação, entende que nenhuma concepção decisória pode ser defendida sob o argumento de que pode melhorar a ordem constitucional.

O autor combate, assim, as chamadas concepções “perfeccionistas”, sob as quais as decisões judiciais, apoiadas em considerações abstratas, amplas e profundas, almejam alcançar uma solução adequada da questão constitucional, a ser observada nas interpretações

247 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 56-59.

248 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 117-118.

249 Como os minimalistas entendem que decisões gerais podem conduzir a erros difíceis de reverter,

especialmente quando os custos são elevados, a estreiteza seria mais comum, por exemplo, nos períodos em que a segurança nacional está comprometida. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 42. Esta indicação, e principalmente, a aplicação das técnicas minimalistas nestas situações ensejam algumas das críticas mais ferrenhas quanto à validade do modelo na consecução dos seus objetivos democráticos, como será abordado nas conclusões deste capítulo.

250 Christopher Peters anota, quanto ao que denomina de “policentrismo” que, embora teoricamente pareça haver

uma preferência pelas técnicas de decisão, nos termos do minimalismo processual, a apreciação dos casos nos trabalhos de Sunstein sugerem um enfoque adicional sobre o conteúdo ou a substância dos julgados da Corte,

95 futuras sobre o tema251. Embora Sunstein mencione outras perspectivas como exemplo do perfeccionismo252, afirma-se que seu principal alvo é a concepcão de Ronald Dworkin, exemplo da defesa de "decisões teoricamente ambiciosas”, numa abordagem filosófica da interpretação253. A correspondência entre a perspectiva de Dworkin com a definição do perfeccionismo é representada por sua rejeição da discricionariedade judicial para solução de casos difíceis – tese que imputa ao positivismo – por entender que na “maioria dos casos difíceis existem respostas certas a serem procuradas pela razão e pela imaginação”. Um dos fundamentos da relevante construção dworkiana para o Direito, a partir da Filosofia Moral, é de que “o raciocínio jurídico é um exemplo de interpretação construtiva, de que nosso direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas, e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis” 254.

Para Sunstein, o “problema” de decisões amparadas em abordagens perfeccionistas – em verdade, o que denomina de perfeccionismo de primeira ordem (“first order

perfeccionism”) - é que elas tirariam a oportunidade de que as maiorias deliberem sobre esses temas e alcancem consenso255. Não é rejeitada, a rigor, uma abordagem perfeccionista, mas o autor defende o chamado “perfeccionismo de segunda ordem”, que reconhece, como um componente institucional necessário256, a falibilidade e os limites daqueles que interpretam a constituição257

No plano decisório, o perfeccionismo representaria um “maximalismo”, oposto às pretensões minimalistas.

especialmente quanto às decisões de inconstitucionalidade ou não dos atos dos poderes políticos. PETERS, Christopher J.. Assessing the new judicial minimalism. Columbia Law Review, v. 100, p. 1-127, 2000, p. 8-10.

251 SUNSTEIN, Cass R.. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard

University Press, 1999, p. 5-15.

252 Na verdade, o “thayerismo”, o “originalismo” – perspectiva interpretativa que tenta resgatar a vontade dos

Founding Fathers, cujo maior defensor seria o Judge Antonin Scalia - e o próprio “minimalismo”, ao rejeitar as primeiras aproximações, seriam formas de perfeccionismo. SUNSTEIN, Cass. Second-order perfectionism. Fordham Law Review, v.75, n. 6, p. 2867-2883, 2007, p. 2867.

253 BARBER, Sotirios A.; FLEMING, James E.. Constitutional interpretation: the basic questions. New York:

Oxford University Press, 2007 (kindle, posição 1530/2631).

254 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

2003, p. XI-XIII.

255 . SUNSTEIN, Cass. Second-order perfectionism. Fordham Law Review, v.75, n. 6, p. 2867-2883, 2007, p.

2880.

256 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 23.

257 Em resposta, os defensores do trabalho de Dworkin mostram que as críticas contra as credenciais

antidemocráticas referem-se, em verdade, à boa fé do intérprete, que tentaria compreender a constituição, não impor suas preferências. Estes tentariam chegar à correta interpretação de acordo com o texto constitucional, não o que “acham correto”, num reconhecimento de sua falibilidade. Assim, em detrimento de suas limitações - e da constituição – teriam o mérito de alcançar objetivos como justiça, bem-estar geral e outros previstos no próprio texto. BARBER, Sotirios A.; FLEMING, James E.. Constitutional interpretation: the basic questions. New York: Oxford University Press, 2007 (kindle, posição 1700-1704/2631).

Mas o autor vai além do minimalismo e reconhece outras formas de interpretação. A abordagem destas – e sua seleção - depende do compartilhamento do significado constitucional ocorrido no ambiente social, mostrando a relação existente entre as instituições estatais e as opiniões dos agentes sociais envolvidos.

Para tal fim, defende que as mudanças nos acordos constitucionais e na sua compreensão passam pelos processos democráticos ordinários, e não somente pela revisão judicial. Certamente que a fiscalização de constitucionalidade já promoveu algumas mudanças sociais importantes nos EUA, indo além do texto da constituição, como no banimento das orações nas escolas, na proteção do direito de escolha ao aborto e outros. Contudo, quando a Suprema Corte encampa um novo princípio constitucional ou uma nova compreensão nesse sentido, ela não age num vácuo; por mais que esse apoio seja posterior. Os grandes momentos de transformação constitucional, defendidos por Bruce Ackerman, segundo Sunstein, mais do que resultado da atuação de determinadas instituições públicas, são alterações produzidas continuamente258.

Na verdade, o autor baseia-se na idéia de que as maiorias são mais capazes de oferecer respostas adequadas a questões controversas, em acordo com o “Teorema do Juri de Condorcet”, cuja aplicabilidade no Direito Constitucional fortalece-se com a noção de que, quando se está diante de uma questão moral e política, cabe à maioria solucioná-la259.

Essa noção é posta à prova no resgate de três tradições - tradicionalismo, populismo e cosmopolitismo - denominadas pelo autor de many minds argument, sob a noção de que não se pode deferir tudo à intenção do constituinte ou ao legislador, de modo que a opinião pública deve ser considerada como elemento da construção constitucional260. Assim, essas

258 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 1-3.

259 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 7-8. Numa apressada definição, o Teorema do Júri de Condorcet implica que, se um universo indefinido de pessoas comprometeram-se com determinadas práticas, a ‘sabedoria latente’ permanecerá com eles, principalmente se a maior parte das pessoas estiver certa e não errada. A persistência de uma tradição seria uma prova de sua sabedoria e funcionalidade, pelo menos como regra geral. (p. 51)

260 Estas três correntes, distantes entre si, unem-se na crítica aos aportes "liberais" da Corte Warren, sob o

pressuposto de que, se muitas pessoas pensam algo, essa visão deve ser respeitada e levada em consideração. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, Prefácio, p. 37. Embora defenda este argumento das “muitas mentes”, o autor visualiza alguns problemas na sua consideração, comumente voltados aos aspectos da deliberação. Assim, seu emprego deve especificar a proposição acerca da qual tantas pessoas convergem; considerar que, quanto mais gente corrobora determinado argumento, menor é o apoio àqueles que o questionam, de modo que, um amplo suporte pode refletir menos o julgamento independente dos indivíduos do que parece à primeira vista, em função do poder de mobilização das massas.

97 três tradições são analisadas minuciosamente, para que, conhecidas as fragilidades de cada argumento, possa-se favorecer sua aplicação em “situações adequadas”261.

Cabe ressaltar que, da perspectiva de um tradicionalismo, Sunstein passa à distinção entre o minimalismo que denomina “burkeano” - em homenagem a Edmund Burke, influência já reconhecida em outros trabalhos do autor – que se opõe aos termos de minimalismo racional, cujos moldes já foram expostos262.

A perspectiva burkeana corresponde a uma espécie de “conservadorismo” na interpretação constitucional, que engloba o respeito à doutrina já assentada e às tradições sociais263. Fala-se em conservadorismo porque essa corrente sugere mudanças paulatinas e tem receio dos visionários - ou dos que pregam ruptura. O objetivo é que os princípios sejam construídos gradativamente, gradualmente e por analogia, com atenção às práticas assentadas. A faceta “minimalista” consiste no entendimento de que os juízes não devem se amparar – mas sim evitar - argumentos políticos e morais, o que pode ser feito de diversas formas. Os juízes podem permitir que os ramos democráticos rejeitem as tradições, embora eles mesmos não possam fazê-lo. E o respeito às tradições os impele a controlar os ramos democráticos, quando estes tendam a inobservá-las264.

Como alternativa, tem-se o “perfeccionismo conservador”, que compreende que os juízes devem observar o texto e estrutura constitucionais, mas nas situações em que estes são ambíguos, as cortes devem adotar a interpretação que tenha o melhor sentido para o documento265.

261 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009. (kindle, posição 3541/4418).

262 A principal diferença entre o minimalismo burkeano e racionalista é que aqueles querem basear seus “passos

curtos” nas tradições estabilizadas, enquanto os racionalistas questionam as referidas tradições, a avaliar se estas podem sobreviver à crítica (p. 45). Os minimalistas racionalistas se diferenciariam por seu interesse pelas razões encobertas pelas práticas, não especificamente por estas; de modo que cogitam, inclusive, que estas tradições não são arbitrárias. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 59.

263 Interessante notar que Sunstein é consciente de que Burke não abordou a revisão judicial – até porque

inexistente, em sua época, no sistema inglês. O autor lembra que, se o filósofo inglês tivesse se pronunciado quanto ao tema, outros aspectos de sua obra levam a crer que este teria se posicionado contrariamente à instituição. Todavia, aqueles que simpatizam com os argumentos de Burke, poderiam encontrar algum argumento favorável ao exercício de uma determinada forma de fiscalização de constitucionalidade: aquele que respeita as práticas consolidadas. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 34-44.

264 Como todo modelo de interpretação, o minimalismo burkeano seria mais plausível em algumas áreas – como

a separação de poderes, em que as práticas se assentam ao longo do tempo- em detrimento de outras, como as questões jurídicas referentes ao combate contra a discriminação, por exemplo. SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 90.

265 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

É no contexto desse debate que o autor reconhece as limitações do minimalismo decisório e, eventualmente, aponta suas falhas. De todo modo, mostra que a confusão entre o minimalismo e uma perspectiva conservadora de interpretação constitucional é equivocada, pois é possível identificar um conservadorismo minimalista, mas também um conservadorismo visionário na atual composição da Suprema Corte, por exemplo. Não se poderia atribuir ao minimalismo a prevalência dos aspectos criticados dos recentes julgados daquele Tribunal266.

Nas novas versões do minimalismo, em que não se discute que os tribunais devem tomar decisões sobre alguns direitos individuais, há sempre a noção de que devem mostrar deferência – a partir de variados graus – ao julgamento dos legisladores, até em reconhecimento das decantadas limitações cognitivas das cortes267. Mas há o reconhecimento, porém, de que em alguns casos simplesmente é necessário decidir, de forma completa e definitiva268.

Interessante que, apesar de vislumbrar formas distintas de interpretação, Sunstein sugere que a corte, a rigor, não age em desconformidade com a vontade popular. Essa interação, mais que uma questão de preservação de seu capital político pelo receio de sofrer represálias dos poderes pela atuação em descompasso com os interesses predominantes, é acrescida do novo argumento de que fazem parte da comunidade e, por isso, suas decisões não se distinguem tanto dos interesses sociais. Assim, o Tribunal deve observar a opinião pública, seja por aspectos conseqüencialistas – análise das repercussões das decisões - ou epistêmicos – a humildade judicial, no reconhecimento de que o público pode colaborar para a correção dos seus julgados269.

A não opção por uma determinada perspectiva interpretativa, cuja seleção ao caso concreto depende de uma avaliação pragmática em virtude de seus efeitos, é objeto de ferrenhas críticas. Segundo Dworkin, Sunstein pensa que os juízes não devem “inventar uma nova constituição” ou “ignorar a própria história constitucional” ainda que imaginem que essas posturas seriam melhores. Devem ater-se às interpretações que se “ajustem ao texto ou à

266 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 10.

267 PETERS, Christopher J.. Assessing the new judicial minimalism. Columbia Law Review, v. 100, p. 1-127,

2000, p. 87.

268 “There is important truth in these usual thoughts, as we shall see below; it would be senseless to celebrate

theoretical modesty at all times and in all contexts. Sometimes participants in constitutional law and politics have sufficient information, and sufficient agreement, to be very ambitious. Sometimes they have to reason ambitiously in order to resolve cases.” SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009, p. 149.

269 SUNSTEIN, Cass R.. A constitution of many minds: why the founding document doesn´t mean what it

99 história”, embora reconheça que – mesmo nesses casos – seja possível eleger entre as diversas possíveis, escolha que deve ser guiada pelos parâmetros da Política Moral. Para Dworkin, a escolha de estratégias interpretativas que tornem a constituição a “melhor possível” – “the

Constitution as good as it can be” – deveria ser acompanhada da fundamentação das suas concepções acerca de temas como “igualdade, liberdade e democracia” das quais partirá para solucionar suas questões270. O projeto de interpretação de Sunstein corresponde, portanto, a uma questão mais complexa do que o autor pretenderia dar a entender, ainda que eleito o minimalismo como abordagem.

3.5 Descrição, prescrição ou estratégia? Por uma avaliação do potencial democrático-

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